Crise hídrica é centro do debate em Itu (SP) e extrema-direita ameaça privatizar o saneamento
O candidato bolsonarista, Rodrigo Moraes, citou no debate da segunda (30), projetos de terceirização do planejamento das obras, o que poderá minar qualquer controle da autarquia, em favor da iniciativa privada.
Por Redação
Ocorreu em Itu, interior paulista, na segunda-feira (30) o único debate eleitoral referente ao executivo municipal. Reunindo os 5 candidatos, o evento reproduziu a realidade política da última década: a centralidade da crise hídrica e do serviço de saneamento no debate público municipal. Anos após a remunicipalização, candidatos da extrema-direita ameaçam privatizar novamente o serviço em meio à crise climática e período de seca.
A cidade ganhou notoriedade nos últimos anos devido à grande crise hídrica que afetou a região. Em 2014, o período de estiagem foi sucedido por um fenômeno climático atípico que causou uma prolongada ausência de chuvas, afetando os níveis dos reservatórios em toda região sudeste. À época, o Sistema Cantareira atingiu o índice de 8,1%, o mais baixo da história desde o início da captação do volume morto. Com o passar dos meses, a crise tomou grandes proporções, especialmente devido ao sucateamento do serviço de água e esgoto. Nas mãos da iniciativa privada desde 2007, a infraestrutura revelou-se completamente obsoleta, dado o não cumprimento das exigências do contrato de licitação e a negligência do executivo, comandado em dois mandatos por Herculano Passos (Republicanos), responsável pela privatização e hoje deputado federal.
No contexto de escassez, o racionamento do abastecimento afetou inúmeras famílias trabalhadoras, que passavam cerca de 15 dias ou mais sem o fornecimento de água. A conjuntura política, marcada por fagulhas não apagadas das jornadas de junho de 2013, levou a inúmeras manifestações, conduzidas por grupos de diversos espectros políticos e com diferentes intervenções, com barricadas sendo formadas e pneus sendo queimados.
Lideranças de esquerda do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), notadamente Mônica Seixas e Erika Hilton, pautavam a necessidade urgente de remunicipalização do serviço, mobilizando parte considerável da população. O descaso da empresa Águas de Itu, bem como a ausência de qualquer intervenção do executivo municipal e estadual, escancararam os danos da privatização do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).
Em 2016, na primeira eleição municipal marcada pelas consequências da crise hídrica, que ainda não havia sido completamente superada, o debate sobre o fim da concessão à iniciativa privada ganhava força frente à direita, incapaz de apresentar alternativas reais para resolução da crise. Eleito nessa ocasião, Guilherme Gazzola, hoje no Partido Progressista (PP), incorporou de forma oportunista o projeto de remunicipalização apresentado pelo PSOL, criando a Companhia Ituana de Saneamento (CIS).
Com a CIS, o investimento na infraestrutura do saneamento básico voltou a ser orientado pelos organismos do governo municipal. Em longo prazo, obras básicas de trocas de tubulação e revitalização de casas de máquinas e reservatórios foram realizadas, visivelmente melhorando o serviço em comparação com a gestão da iniciativa privada.
Contudo, a geografia urbana do município, caracterizada pela marginalização da classe trabalhadora em bairros afastados do centro, dificultando a chegada do abastecimento, além de períodos contínuos de estiagem, provocados pelo desmatamento do Pantanal e da região amazônica, além de outros fatores climáticos, provocaram o rodízio de abastecimento por diversos meses ao longo dos últimos 7 anos.
Chegando ao fim de 2 mandatos, Guilherme Gazzola indicou Gilmar Pereira (PP) como seu sucessor. Ele concorre nestas eleições municipais de 2024 com o ex-prefeito Herculano Passos (Republicanos) e o deputado estadual Rodrigo Moraes (PL). Nesse cenário, Herculano e Rodrigo, aliados do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), mascaram em sua campanha a intenção de privatizar novamente o serviço de saneamento.
Rodrigo, candidato apadrinhado por Jair Bolsonaro (sem partido) e Nikolas Ferreira (PL), citou no debate desta segunda, projetos de terceirização do planejamento das obras, o que na prática irá minar qualquer controle da autarquia, beneficiando a iniciativa privada. Além disso, Rodrigo votou pela privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) em seu mandato na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Já Herculano, deputado federal em dois mandatos, além de aliado histórico de figuras como João Dória (PSDB) e Geraldo Alckmin (ex-PSDB, hoje no PSB), atuou na câmara pela aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, ampla legislação aprovada no governo Bolsonaro com o apoio dos ruralistas, que facilita os processos de privatização e indica o fim do subsídio cruzado, mecanismo tarifário que serve à universalização do serviço de saneamento.
Gilmar Pereira e o atual prefeito, Guilherme Gazzola, prontamente se posicionam contra a privatização. No entanto, o atual formato da autarquia impõe intensas limitações. Em primeiro plano, não se debate o subsídio e universalização do serviço, deixando de atender toda população e endividando famílias. Além disso, Guilherme Gazzola e seu governo fizeram da CIS um instrumento político de legitimação do mandato, criando uma conexão pessoal com a autarquia. O atual prefeito aparelhou o órgão, assediando servidores ao longo dos anos e negando qualquer transparência sobre as obras e o andamento dos serviços.
Sem qualquer interesse político na universalização, diversos bairros foram negligenciados, enquanto as contas seguiram aumentando. Em 2023, ainda, o governo municipal impôs à população a chamada Taxa de Lixo, com a justificativa de adequação ao novo Marco Legal do Saneamento e que seria, em tese, utilizada no investimento em processos relativos ao lixo produzido no município. Dobrando os valores da conta, a taxa foi alvo de diversas mobilizações, levando a medida do governo à justiça e sua suspensão em outubro do mesmo ano.
Com o cenário eleitoral marcado por ataques personalistas e acusações de corrupção e nepotismo, não há qualquer debate consequente sobre as razões da falta de água e do evidente interesse da burguesia nos projetos de privatização e terceirização, diretamente ligados ao agronegócio e uso intensivo dos recursos hídricos nas grandes propriedades rurais, se apropriando de mananciais e causando as inúmeras queimadas que afetam o regime de chuvas na região.
Sem um controle popular e com precárias condições oferecidas aos servidores, o serviço de abastecimento é mais um objeto de produção de influência política do que um organismo que verdadeiramente serve aos interesses da classe trabalhadora. Nesse sentido, o debate eleitoral, predominado por candidaturas de direita e extrema-direita, não apresenta as raízes do problema e permanece no terreno das abstrações, age-se em nome do capital privado, com um horizonte de precarização em nome do lucro.