'Contribuições para a organização do partido revolucionário' (S.E.V)

Camaradas, a escrita foi inventada há múltiplos milênios, façamos uso dela! O hábito de anotar tudo – com responsabilidade, é claro – deve se entranhar na nossa organização e nos nossos militantes.

'Contribuições para a organização do partido revolucionário' (S.E.V)
"Uma confiança excessiva na memória acaba expressando a ideologia dominante na medida em que parece indicar que lembrar das coisas é uma questão de “firmeza de vontade”.

Por S.E.V para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

INTRODUÇÃO

Neste texto, trago algumas contribuições para pensar a organização dos organismos partidários, sendo uma tentativa de sistematizar e documentar métodos que tenho formulado, testado e aplicado no complexo partidário desde que estou nele e em outros espaços de militância anteriores. Porém, antes de qualquer discussão mais “técnica”, acho importante ressaltar quais os motivos que devem provocar esta reflexão.

Em primeiro lugar, devemos impessoalizar mais nossa organização para que ela fique menos dependente de qualquer eventual “genialidade” de indivíduos. Tal movimento contribui enormemente para proletarizar o partido, afinal, é muito mais difícil, às vezes impossível, para uma pessoa trabalhadora participar de maneira efetiva de uma organização política se esta não torna claro para seus próprios militantes quais são suas tarefas, a quem elas cabem, etc. Assim como também de nada adianta massificar nossa atuação em bases frágeis que implicariam em sobrecarga e dependência excessiva em “vontades” individuais, ainda que vontades altruístas e moralmente “elevadas”. Como bem lembra Jo Freeman em “A tirania das organizações sem estrutura”, essa geleia geral facilita o aparecimento de canais informais de informação e decisão, o que, em última instância, serve de base para restrição de qualquer democracia interna e subjugação da base por uma direção encastelada.

Um segundo ponto que nos força a pensar sobre organização é que temos visto um enorme desperdício de energia social de contestação e insatisfação com a democracia burguesa desde 2013 e especialmente desde 2016, com vazamento de boa parte desse ímpeto na direção da direita (vide MBL, Bolsonaro, etc), ou então vindo para o campo da esquerda, que pouco tem conseguido entregar em termos de respostas políticas para as inquietações do povo – sem desmerecer todas as iniciativas pontuais importantes que têm ganhado vida nos últimos anos, como ocupações diversas, crescimento de partidos comunistas, influência no debate público em determinados temas, entre outros.

Finalmente, precisamos pensar sobre organização pois existe um elemento esclarecedor da abstração, dos padrões, das padronizações, que nos ajudam a evitar se perder (muito) nas infinitas minúcias das coisas concretas, contribuindo para que nós possamos navegar em um ambiente tão caótico, em tantos sentidos, de um país como o Brasil em um momento histórico como o atual.

UM ÓRGÃO PARA DADOS, MÉTODOS E MODELOS

Precisamos de algum destacamento específico nacional voltado para a sistematização de dados e de métodos, para que secretariados e bases de todo país possam consultar dados sobre certos territórios, aprendendo como fazer isso de forma a não ter que reinventar a roda para algo que já poderia ser resolvido de forma geral. Além disso, esse órgão ficaria responsável por guardar, manter e aprimorar, de maneira centralizada, modelos de planilhas e documentos para que inúmeras pessoas militantes não precisem ficar aprendendo do zero coisas que já poderiam estar minimamente estruturadas e documentadas para que o caminho seja menos árduo e repetitivo. Mesmo que o processo de aprendizado contenha certa repetição, devemos nos guiar pelo mote de sistematizar e minimizar retrabalho.

Isso tudo significa que, em vez de executar a tarefa com pressa e da forma que vier na cabeça, SEMPRE devemos nos perguntar: como esta tarefa poderia ser feita da forma mais generalizada possível? Há limites para a padronização, é evidente, mas devemos trilhar esse caminho para saber traçar a linha no chão e tirar o máximo que podemos disso.

COMO FAZER O CONTROLE DAS ATIVIDADES

Proponho aqui que o controle das atividades de qualquer organismo poderia, a princípio, ser feito com apenas 3 controles, sendo arquivos a serem guardados no Drive associado ao e-mail oficial do organismo:

1) documentação do que é feito e como (por exemplo, como é feito um recrutamento, ou como é organizado um evento presencial, um ato, etc), assim como os balanços sobre aquela atividade;

2) planilha unificada de controle de pautas de reunião, recrutamentos, afastamentos, disponibilidades, planejamento vigente com objetivos/metas/indicadores, controle de cotização, registro de presença em reuniões, atos e etc, registro das tarefas associadas ao cumprimento das metas do planejamento, com responsáveis explicitamente designados, assim como relatórios automáticos de cumprimento das metas e contabilização de tarefas por militante, para facilitar a identificação de sobrecargas e gargalos na atuação;

3) planilha de finanças com registro de todas as transações com categorias padrão, relatório automático e orçamento vigente também referenciado no planejamento.

Com essa estrutura, evitamos a velha prática de discutir e encaminhar coisas incríveis em reunião mas que nunca mais verão a luz do dia para além do registro em ata. Toda ata deve ser “tabulada” posteriormente em novas pautas ou tarefas, algo que parece um trabalho adicional de início, mas que com o tempo se mostra extremamente útil.

Na Célula Centro de São Paulo, SP, estamos testando o uso, para este semestre, de uma primeira versão de modelo de controle de atividades tal qual descrevi nos parágrafos anteriores, visando a criar um acúmulo prático para socializar com o resto do complexo partidário e contribuir para que algo dessa natureza venha a ser usado de maneira generalizada nas nossas atuações o quanto antes.

ASPECTOS INDIVIDUAIS

Abordados os elementos mais estruturantes da organização, isto é, aqueles que contribuem pra pressionar “por fora” a nossa atuação disciplinada, cabe também mencionar algumas práticas individuais que ajudam a dar vazão, para cada militante, de toda essa estrutura criada.

Ainda que saibamos que o aspecto mais determinante (mesmo que não o único) para explicar os fenômenos seja o coletivo, é importante pontuar que, do ponto de vista individual, é INDISPENSÁVEL que qualquer militante de uma organização que se pretenda composta por militantes profissionais faça uso cotidiano de calendários e listas de tarefas. Se isso é online ou não, fica a cargo do que funciona para cada um, mas devemos abolir de uma vez por todas o “eu guardo na memória”, pois é assim que muitas coisas ficam inconscientemente engavetadas e nossa organização trava até mesmo nas tarefas mais simples como, por exemplo, potenciais recrutamentos que esperam resposta há semanas ou meses. Além disso, uma confiança excessiva na memória acaba expressando a ideologia dominante na medida em que parece indicar que lembrar das coisas é uma questão de “firmeza de vontade”, e não simplesmente de sermos primatas com uma memória de curto prazo limitada.

Camaradas, a escrita foi inventada há múltiplos milênios, façamos uso dela! O hábito de anotar tudo – com responsabilidade, é claro – deve se entranhar na nossa organização e nos nossos militantes, ajudando a aliviar a cabeça de tantos dos nossos que já sofrem de ansiedade, preocupações cotidianas e pessoais, entre outros elementos da vida que nos exigem a atenção.

CONCLUSÃO

É bom ficar claro que, em nenhum ponto aqui, de forma explícita ou implícita, defendo que as ideias que trouxe são a solução para tudo no nosso partido. Por outro lado, também espero ter deixado claro as conexões entre organização e condução política concreta do partido, assim como as formas que podemos melhorar o “arroz com feijão” para que isso não desvie nossas energias e capacidades do que realmente importa: elaborar teoria e agir na realidade com uma organização robusta que consiga cumprir seu papel histórico de ajudar a construir a Revolução Brasileira e instituir a ditadura do proletariado no Brasil.