'Contribuição ao debate sobre Cultura Popular: O popular na Arte' (Esaú Brilhante)

O “popular” deve ser historicamente localizado e entendido a partir de suas contradições, nossa atenção precisa se voltar para a atitude produtiva através da linguagem artística, não no símbolo final esperando que seja suficiente.

'Contribuição ao debate sobre Cultura Popular: O popular na Arte' (Esaú Brilhante)

Por Esaú Brilhante para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Refletir sobre conceitos muito utilizados e difundidos é uma prática constante e necessária em uma organização revolucionária.  O termo “cultura popular” tornou-se um chavão repetitivo e muito pouco teorizado em falas e escritos quando referido às artes, e desaguando apenas para uma ideia rasteira e superficial de “povo”. 

Primeiramente, vamos delimitar essas categorias para melhor analise. Arte não é igual a Cultura. O termo “Cultura”, em sua concepção moderna diz respeito, de forma ampla, a dois sentidos: Um antropológico, como conhecimento transmitido e conservado circunscrito de um grupo específico, em outras palavras como tradição; e um outro sentido Filosófico, ou ilustrado, da cultura como manifestação de potencialidades, em sentido progressista, que impulsionaria uma tipo de conhecimento para novos rumas e assim alcançaria a totalidade, ou seja, cultura como exceção que se generaliza, deste surge a concepção de arte erudita, por exemplo. Os dois conceitos são tão antagônicos como ideológicos. Arte, por sua vez, se concentra na materialização desses conhecimentos, ou seja, arte é fruto de uma ato produtivo, de uma fazer, que por meio de uma técnica se realiza e é colocada no mundo. No processo circunscrito pela historiografia de formação dos “Estados Nação” do século XIX, o debate sobre a categoria “povo”, ganha um novo capítulo, inicialmente de investigação e posterior como estandarte de um projeto político. Entendido dessa forma, é uma categoria em disputa.

Existe uma perspectiva muito rasa e limitante que entende o popular no campo das artes como uma serie de signos petrificados em um dado momento da história, do mundo ou do Brasil, e que portanto, a instrumentalização mecânica desses signos resultaria em uma comoção coletiva da classe trabalhadora, e o atrito resultando desse conflito seria a então “consciência de classe”. Quando me refiro a signo, entendo a concepção ampla de imagens, que presentes da realidade são um referência mimética para o ato produtivo da arte, relação que pautou a estética ocidental até a era moderna, por isso ainda tão difícil de ser questionada. 

Contra essa perspectiva busco contrapor uma outra, onde o “popular” nas artes não encontra-se em um produto final, mas sim em seu momento produtivo, ou seja, como atitude dialética de assumir em si as contradições da realidade, e nessa tenção como uso da linguagem artística específica, afirmar a particularidade dentro da totalidade. Afirmar um produto artístico específico como negativo social do processo histórico-social, e essa sim seria uma interpretação do “popular” que contribuiria para o debate do nacional e da tão falada “estética comunista”. Vamos com calma, se entendermos então a arte como fruto de um ato produtivo, e portanto uma forma paradigmática de trabalho, precisamos entender que esse é então um de seus momentos. Partindo da concepção dialética de Marx em sua “Contribuição a Crítica da Economia política” temos:

A conclusão que a que chegamos não é que a produção, a distribuição, a troca, o consumo, são idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade diferenças em uma unidade[1]

Trabalhando dessa forma, com a categoria de “totalidade” nas artes, onde o todo orgânico corresponde a sociedade, o ato produtivo pode ser entendido como momento privilegiado na análise de um obra, buscando entender sua relação com o social. E seus demais momentos, de distribuição e consumo, nesse caso tomamos a arte como recepção, momentos condicionados a partir das condições de produção e seu meio. 

Ao invés de buscar signos e símbolos e estampa-los como enfeite em superfícies pretensamente artísticas, em uma concepção esteticista, entender a produção de cada plataforma artística com as contradições do social que põem a sua frente e suas alternativas através do particular da arte, que é sua linguagem. Ou seja, se a arte é um fazer, ele pressupõem uma técnica, um modo de “como fazer” para que se chegue a algum objetivo final, e quando nos remetemos a contradições, estamos referindo ao conflito entre as alternativas que o meio social oferece ao modo de como fazer específico, lembrando que qualquer ato produtivo é produto não só em um tempo específico e um lugar especifico, e quando falamos de alternativas são essas limitações que se impõem.

Evidente que símbolos populares na forma de imagem possuem sua força e importância, mas porque ainda possuem diálogos e organicidade com as contradições sociais em que foram produzidos, que não caíram em uma linearidade utilitarista. Precisamos entender é que se ficarmos com os olhos apenas na obra em si, parada e fechada em uma atitude contemplativas como os “símbolos verdadeiros do Brasil” por exemplo, não entenderemos que sua potencialidade está na relação fluída e histórica que mantem com as contradições, e não em sua mera visualidade final, em uma bandeira, na letra de uma música, na cena de um filme, ou como palavra de ordem vazia. Apenas entendendo o que de fato ela tem de “popular” será comtemplada em suas potencialidades. Nesse sentido, qualquer contato com obra parte dela própria mas não deve se limitar por ela. 

 Toda arte produzida em uma sociedade de classe plasma em seu ato produtivo, momento onde as contradições são inevitáveis, sua criação, o que defendo aqui é que o dito “popular” nas artes é o estado de autoconsciência da inserção desse choque até o momento final da produção. Para o escopo do meu argumento, analisarei três contradições que se apresentaram como debate artístico ao longo do século XX nas artes plásticas, na literatura e no cinema, menos do que apresentar uma história do debate artístico busca-se fazer um recorte em debates importantes específicos que envolveram o popular e a arte, para enfim retornar ao argumento do “popular” como um movimento dialético e fluído do todo social apresentado através de uma linguagem específica, historicamente localizado. 

  1. Artes plástica: Figurativismo x abstracionismo

Talvez o debate mais mobilizado ao longo da história das artes plásticas no Brasil, no começo do século. Falar de “forma artística” era falar de sociedade, e como matéria principal da “forma” estava a noção de “popular”. No Brasil um dos principais debates em torno das artes plásticas e o popular foi entre “figurativistas” e “abstracionistas”. Os primeiros entendiam que era impossível criar um arte nacional rompendo com a visualidade, onde a história da forma da arte brasileira exigia uma resposta diferente da europeia, onde a vanguardas representavam o desmantelamento da visualidade clássica, mas no brasil nunca houve “clássico”, ou seja tradição estabelecida, consequências do passado colonial. É nisso que se baseia a obra de Candido Portinari, por exemplo, um experimento radical na forma, cor, volume e técnica, sem romper com o reconhecimento, do operário, do trabalhador rural, presentes suas pinturas, o popular portanto era o encontra entre o reconhecimento plástico e o experimentalismo formal moderno.