Nota política (RN): Contra o genocídio da população negra: justiça por Geovane Gabriel

Será por meio do avanço na organização política da classe trabalhadora que as comunidades poderão romper o silenciamento que tanto beneficia o projeto de genocida do Estado, e, assim, pautar o debate coletivo sobre a auto-organização e autodefesa de todo o povo, a efetivação do Poder Popular.

Nota política (RN): Contra o genocídio da população negra: justiça por Geovane Gabriel

Nota política do PCBR no Rio Grande do Norte

A consolidação do Novembro Negro no calendário antirracista é fundamental na denúncia do genocídio da população negra. Antes da pandemia, essas manifestações já mobilizaram protestos por todo o Brasil. As manifestações antirracistas em Natal (RN) foram fundamentais para denunciar o projeto genocida das autoridades estaduais e municipais que mascaravam o aumento alarmante nos índices de violência no Rio Grande do Norte por meio de discursos punitivistas de caráter sensacionalista e eleitoreiro.

No ápice da pandemia, os protestos contra a letalidade das forças de segurança, liderados pelo movimento negro, organizações estudantis, movimentos sociais e partidos  de esquerda, realizaram a construção contínua de um espaço coletivo de denúncias inédito na cidade de Natal. Todas essas manifestações criaram um contexto de pressão popular que, em 2022, levou o caso do assassinato de Geovane Gabriel, um jovem negro de 18 anos do bairro de Guarapes, na zona Oeste de Natal, para ser Julgado por um júri popular.

Geovane foi sequestrado no dia 5 de junho de 2020 e seu corpo foi encontrado nos limites do município de Parnamirim. Os principais suspeitos foram 4 policiais militares identificados capturando o jovem no dia. Geovane saiu de sua casa, de bicicleta, para encontrar sua namorada, que mora em um conjunto habitacional no município de Parnamirim. Não foi identificada relação alguma entre o jovem e os roubos de carros que ocorriam na região, no entanto, ele foi sequestrado e encontrado morto com sinais de tortura.

Mesmo sendo adiado por 4 anos desde 2020, o júri popular do caso Geovani Gabriel é um exemplo de avanço na capilarização que as mobilizações nacionais do Novembro Negro foram capazes de produzir em meio ao contexto de contínuo aumento dos índices de violência no Rio Grande do Norte.

A comunidade do bairro de Guarapes, movimentos sociais e partidos de esquerda se mantiveram mobilizados para pressionar por justiça, uma vez que os seguidos adiamentos do júri foram tentativas do Estado para dissipar toda a mobilização e, mais uma vez, garantir a absolvição dos policiais – anteriormente já absolvidos pelo júri militar.

O júri popular foi programado para ocorrer ao longo da semana do dia 02 ao dia 05 de Julho e seu resultado saiu na noite de quinta-feira, 04 de julho. Nesse dia, foi organizada uma vigília que convocou toda a comunidade envolvida no caso para acompanhar o resultado do julgamento, exigir a responsabilização do Estado, dos acusados e acolher a família de Geovane.

Mesmo com as mobilizações contínuas, a justiça absolveu os policiais das acusações de sequestro, tortura, homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Entretanto, o Ministério Público anunciou que irá recorrer da decisão, devido às flagrantes irregularidades que resultaram nos adiamentos.

O resultado reforça o longo processo da política de segurança genocida desde a subordinação das polícias ao exército durante a ditadura empresarial-militar. Absurdos como desaparecimento de provas, enviesamento na convocação de testemunhas, demonstram de maneira constrangedora, o caráter de classe da justiça burguesa.

Diante da injustiça, não é possível retroceder. Todas as organizações antirracistas que fizeram e fazem parte das mobilizações reconhecem que não se pode esperar justiça de maneira passiva, é preciso seguir pressionando por justiça, conscientizar e mobilizar o povo contra a letalidade assassina das forças militarizadas do Estado e contra a seletividade penal dos tribunais burgueses.

Entretanto, o processo de radicalização das manifestações durante o período da pandemia, é uma prova clara de que há alternativa e de que é possível mobilizar continuamente a classe trabalhadora para lutar nas ruas. Por isso mesmo, é importante historicizarmos a contribuição do calendário de lutas nacionais do Novembro Negro nesse excepcional período de mobilizações.

Em Abril de 2017, Natal foi considerada a 10ª cidade mais violenta do mundo por um ranking elaborado pela ONG mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal. Dentre as 50 cidades mais violentas do mundo, 19 eram brasileiras. Destas, Natal foi a primeira, com 69,56 homicídios para cada 100 mil habitantes. Nesse período, as manifestações contra o genocídio da população negra passaram a mobilizar cada vez mais, até passarem por um refluxo devido ao isolamento social que se efetivou em março de 2019.

Foi em uma rede multinacional de supermercados que ocorreu o assassinato que, dias antes do dia da consciência negra, em 2020, fez eclodir os primeiros protestos nacionais em frente às suas unidades. Em Natal, ocorreram manifestações nas lojas do Carrefour da zona norte e zona sul, em 21 e 23 de novembro de 2020, como resposta ao assassinato que indignou todo o país. A vítima, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, foi assassinado por seguranças do Carrefour no Rio Grande do Sul.

E, assim, o calendário de manifestações na semana do Novembro negro no Rio Grande do Norte começou a ganhar significativo impacto na opinião pública. A cada novembro que se passava, um caso de violência direcionada contra pessoas negras, ganhava impacto nacional e impulsionava a denúncia de casos de violências regionalmente.

Em 20 de novembro de 2021, o movimento estudantil, movimentos sociais e partidos de esquerda se uniram para denunciar o racismo institucional e a violência policial, protestando contra o sequestro, tortura e assassinato do jovem negro Geovani Gabriel na região da Grande Natal ,na cidade de Parnamirim. Nos protestos seguintes, a denúncia do assassinato de Geovane Gabriel se tornou um mote em todas as manifestações antirracistas de Natal. Principalmente devido à coragem e participação ativa de sua mãe, Priscila.

Em 05 de fevereiro de 2022 protestos liderados pelo movimento negro, se reuniram para pedir justiça para os responsáveis pelo assassinato do congolês Moïse Kabagambe.

No dia 20 de novembro de 2022, ocorreram manifestações contra a política genocida do Governo Bolsonaro-Mourão, denunciando a gestão negacionista da crise sanitária, e foram também impulsionadas pela denúncia do caso Geovane Gabriel e pela palavra de ordem do fim da polícia militar.

Em 16 de dezembro de 2022, um protesto no bairro Candelária, em Natal, foi organizado em solidariedade à Flávia Carvalho, vítima de agressão racial por parte de suas vizinhas.

Mesmo com o fim do isolamento social e o gradual retorno às atividades, a explosão nos índices de violência na cidade de Natal/RN não cessou. Em 15 de março de 2023, familiares de presos, apoiados por movimentos sociais, protestaram contra as condições desumanas e torturas nos presídios, destacando a violência do sistema penitenciário. Entre os dias 14 e 21 de março, chegou a 300 o número de ataques do crime organizado em resposta às torturas que ocorreram no sistema penitenciário, registrados em 56 cidades no Rio Grande do Norte ao longo de oito dias.

Todo esse contexto demonstra o processo constante de aumento da violência no estado que vem ocorrendo desde 2016. Em meio a indignação, as manifestações antirracistas em apoio às comunidades afetadas pela violência e pelo racismo, foram fundamentais para manter a pressão por justiça e por uma política de segurança pública desmilitarizada e antirracista.

É exatamente por isso que a historicização do Novembro Negro na cidade de Natal é fundamental, pois demonstra a urgência de ampliar ainda mais os espaços de denúncia da violência nos bairros e a necessidade de organização e mobilização contínua da classe trabalhadora numa perspectiva de classe.

Não podemos nos limitar às manifestações de caráter nacional impulsionadas por casos que produzem impactos midiáticos, é de fundamental importância a capilarização sistemática da denúncia da violência do Estado para avançarmos no combate às forças policiais burguesas. A participação ativa das comunidades afetadas pela violência e de toda a classe trabalhadora é vital para mantermos a pressão por justiça popular.

Será por meio do avanço na organização política da classe trabalhadora que as comunidades poderão romper o silenciamento que tanto beneficia o projeto de genocida do Estado, e, assim, pautar, para além das instituições burguesas, o debate coletivo sobre a auto-organização e autodefesa de todo o povo, a efetivação do Poder Popular.