'Contra o discurso do “embate entre a ala direita e a ala esquerda do Partido”' (Catarina Elena Lacerda Weber)

Os conceitos de “esquerda” e “direita” no socialismo na forma de desvios se atém unicamente ao marxismo-leninismo; o Comitê Central do PCB não se configura mais como um órgão marxista-leninista, pelas suas constantes defesas de posições reformistas e social-chauvinistas.

'Contra o discurso do “embate entre a ala direita e a ala esquerda do Partido”' (Catarina Elena Lacerda Weber)
"A divergência e disputa política interna é uma prática extremamente saudável, quando feitas de maneira honesta, franca e camarada."

Por Camarada Catarina Elena Lacerda Weber para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, frequentemente temos visto diversas tribunas de nossos camaradas e notas da Coordenação Provisória do Movimento Nacional em Defesa da Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro fazendo referência ao embate entre a “ala esquerda” e a “ala direita” de nosso partido. Obviamente, essa terminologia se refere, respectivamente, ao PCB-RR e ao PCB-CC. Escrevo esta tribuna como uma crítica da utilização destes termos, tendo em vista que considero a recente utilização destes termos, para a descrição da crise política de nosso partido, errônea.

Primeiramente, gostaria de diferenciar o “esquerdismo” e o “direitismo” como formas distintas que configuram um desvio do marxismo-leninismo e não uma degeneração dada. “Por quê, camarada?” Camaradas, na minha percepção, o desvio é o primeiro passo no caminho para a degeneração da linha e prática política, mas não seu processo completo. Tomemos como exemplo a República Popular da China (este exemplo será, sem dúvida alguma, muito contestado especialmente durante o processo congressual, mas aqui colocarei a minha perspectiva), a RPC, em todo seu processo histórico, durante e pós-revolução, já passou por diversos momentos de desvios, tanto à esquerda quanto à direita. É o caso da Revolução Cultural, um desvio à esquerda marcante na história da RPC (reconhecendo no caso que o processo teve seus méritos, mas não deixou de ser um desvio), assim como foi o caso da guerra sino-indiana, um claro desvio à direita na política internacional chinesa. Há exemplos ainda mais recentes, o aprofundamento da acumulação capitalista em solo chinês por capitalistas chineses e estrangeiros durante o período entre os governos de Deng Xiaoping e Hu Jintao, o programa de “Reforma e Abertura” e o “Boluan Fanzheng”, ambos desvios à direita.

Trago o exemplo da RPC para pontuar como, historicamente, houve a correção de desvios quando era notável seu efeito no Partido e na máquina estatal. O “Boluan Fanzheng”, embora tenha sido por si só um desvio à direita, teve o propósito de corrigir diversos efeitos do desvio à esquerda que foi a Revolução Cultural. O próprio governo de Xi Jinping vêm, gradualmente, corrigindo desvios à direita das últimas administrações, com medidas como a campanha anticorrupção, a retirada de diversas figuras do campo da direita do Comitê Central, como Li Keqiang, maiores restrições sobre empresas privadas entre outras medidas. Neste caso, o ponto que espero trazer aqui é que desvios são erros em uma determinada conjuntura, pendulando à alguma perspectiva de “o que é socialismo”, e que podem ser corrigidos antes mesmo de acontecerem ou, como é o caso mais comum na história da RPC, após terem sido cometidos.

Agora dedicaremos nosso tempo para entender como os conceitos de “esquerda” e “direita” como desvios são aptos apenas ao marxismo-leninismo. Voltemos mais uma vez a analisar exemplos históricos. Há diversos exemplos de formas do pensamento marxista-leninista que configuram como desvios, é o caso do maoísmo e do hoxhaísmo, que acabam sendo desvios à esquerda do pensamento do marxista-leninista. É o caso dos chamados “dengismo” e “kruschevismo” (ambos termos que não configuram um pensamento político distinto, assim como o termo “stalinismo”, em minha opinião; em prática, termos que tentam configurar algo inexistente no âmbito da teoria marxista), que se configuram como desvios à direita do pensamento marxista-leninista. Estes exemplos dados aqui são pertencentes ao espectro do marxismo-leninismo, pois só é possível entender os mesmos como desvios na forma que não abandonem por completo o marxismo-leninismo, como o reformismo na forma de um “marxismo e leninismo”. Aqui evadi a questão do “trotskismo” porque o mesmo é um caso à parte, visto que ele não está dentro do espectro do pensamento marxista-leninista, sendo uma oposição clara ao pensamento leninista e (digno de sua patetice) é incapaz de se desviar ainda mais à esquerda, pelo seu caráter puro de esquerdismo, que acaba o tornando uma simples linha de oposição, com atuação e expressão irrelevante.

Espero que fique claro o que quis dizer com minha afirmação que o desvio não é uma degeneração da linha e da prática política por completo, mas um primeiro passo neste caminho. Podemos afirmar que a China, em alguns sentidos, caminha para a degeneração do marxismo-leninismo, mas que não completou essa transição e que ainda se consiste como um Estado socialista seguindo o marxismo-leninismo sob a perspectiva do socialismo com características chinesas. O PCB se encontra nesse estágio transitório, de forma mais avançada e em uma conjuntura interna diferente do PCCh. Uma cúpula que tem o propósito de degenerar a linha e a prática política do Partido tem conduzido, especialmente desde 2016, um grande giro à direita, com o propósito claro de abandonar o marxismo-leninismo. Nesse sentido, esta cúpula não pode ser considerada uma “ala direita” pois já não tem qualquer interesse na prática e teoria marxista-leninista, optando por um “marxismo e leninismo” que configura nada mais que um reformismo mascarado. O espectro da “esquerda” e da “direita” no socialismo cabe apenas à uma análise do marxismo-leninismo. O que quero dizer com isso é que podemos falar de desvios à esquerda e desvios à direita quando estamos falando do marxismo-leninismo. É aqui que o PCB se destaca nesse processo, o giro a direita tem um interesse expresso em acelerar o caminho à degeneração do Partido. Um desvio, camaradas, é um erro, não uma estratégia, e por isso o CC não é uma “ala direita”, e sim uma ala explicitamente reformista. Nesse sentido, fica claro como há diferenças entre o conceito histórico de um “desvio à direita” e o atual giro à direita operado no PCB. O desvio à direita, como é o caso da Oposição de Direita da URSS, do PCCh de Deng Xiaoping, da Liga dos Comunistas da Iugoslávia de Tito e do PCC (Partido Comunista de Cuba) pós-Fidel, não tem o propósito de acabar com o marxismo-leninismo, apenas tem como propósito buscar formas de implantar o socialismo em suas respectivas realidades que podem resultar em erros políticos. Este não é o caso do PCB, onde a cúpula academicista do Comitê Central tem a intenção de sacar o marxismo-leninismo do Partido para transformar a organização em uma retaguarda da social-democracia.

Tendo tido o cuidado claro nos parágrafos anteriores de colocarmos conceitos preliminares para analisar a atual crise do PCB, espero que fique claro o porquê de minha oposição à utilização dos termos “ala esquerda” e “ala direita”. Camaradas, a atual disputa no nosso partido não é uma disputa entre a “ala direita” do marxismo-leninismo e a “ala esquerda” do marxismo-leninismo, é uma disputa clara entre aqueles que defendem o marxismo-leninismo, o centralismo democrático e a democracia interna contra aqueles que defendem o “marxismo e leninismo”, o centralismo-burocrático e o dirigismo. É um embate entre aqueles que querem uma organização revolucionária, sejam aqueles camaradas da “ala direita” ou “ala esquerda”, contra aqueles que querem um partido à reboque da social-democracia, um PCBdoB por assim dizer. Minha crítica à utilização errônea dos termos aqui é por que eu creio que esta utilização incorreta seja em certa medida despolitizante, simplista e afaste os camaradas que não se identificam com uma “ala esquerda”. Temos camaradas que lutam em prol da Reconstrução Revolucionária que se identificam abertamente com a direita do socialismo, como eu. A questão de “esquerda” e “direita” do socialismo são questões de divergência em como se aplica e se constrói o socialismo em suas respectivas realidades e no plano internacional, não um embate entre revolucionários e reformistas. Apontar aos reformistas como a “ala direita” do Partido é, em essência, acusar os camaradas que tem visões sobre o socialismo no Brasil e no mundo que destoam da “ala esquerda” de reformismo. Se tivermos a coragem de levar as consequências dessa prática à cabo, o resultado final (mesmo que não seja a intenção) de equiparar a perspectiva de direita do socialismo ao reformismo, é promover o pensamento esquerdista dentro do Partido, levando à desvios de esquerda.

Obviamente há aqueles que vão discordar de diversos pontos, ou até mesmo tudo, que eu apresentei nesta tribuna, mas a essência da minha argumentação é a seguinte: os conceitos de “esquerda” e “direita” no socialismo na forma de desvios se atém unicamente ao marxismo-leninismo; o Comitê Central do PCB não se configura mais como um órgão marxista-leninista, pelas suas constantes defesas de posições reformistas e social-chauvinistas; o desvio à esquerda e o desvio à direita não configuram uma degeneração da linha política e da prática política por completo, mas são o primeiro passo em um longo processo; como marxistas-leninistas, visando uma organização com unidade de ação, democracia interna e pluralidade interna, devemos rechaçar práticas e discursos que tem como resultado final, mesmo que não intencionalmente, um caminho que leve aos desvios à esquerda.

A síntese da crítica que teço aqui, camaradas, não é simplesmente deixarmos de lado a utilização destes termos para descrever a crise em nosso Partido, mas sim ter em vista que conforme nós trabalhamos por uma organização marxista-leninista, devemos nos atentar aos desvios e evitar eles. Se os desvios configuram (como eu defendo) o primeiro passo no caminho da degeneração, devemos sempre estar atentos para combater os desvios a vir e corrigir os desvios já cometidos. Não devemos tentar privar os camaradas que temos discordâncias políticas, mas que têm suas posições firmes dentro do marxismo-leninismo, dos espaços de direção, como foi feito no passado. Sinto que este erro é menos provável de ocorrer, visto a unidade que constitui nosso processo atual pela defesa da Reconstrução Revolucionária e a restauração de uma perspectiva leninista de Partido, mas devemos nos manter sempre alerta. Devemos elevar prioritariamente nossos quadros firmados na teoria e prática do marxismo-leninismo, independente de pequenas divergências que temos com estes camaradas. Sinto que um exemplo disso foi a recente eleição da Coordenação Regional da UJC-DF, onde diversos camaradas que, apesar de opiniões destoantes, foram eleitos como quadros para o espaço dirigente.

A divergência e disputa política interna é uma prática extremamente saudável, quando feitas de maneira honesta, franca e camarada. É necessária para combater possíveis desvios, manter a democracia interna e até mesmo a unidade de ação. Deixo o leitor com este excerto de uma carta de Lassale à Marx, presente na edição de 2020 da Boitempo do livro “O que fazer? Questões candentes de nosso movimento” de Lênin:

A luta de partido dá ao partido força e vitalidade; a maior prova da fraqueza de um partido é o seu amorfismo e o esbatimento de fronteiras nitidamente delimitadas; o partido reforça-se depurando-se...

Saudações, camaradas!