'Construir um Partido nacional' (Camarada Deutério)

Entendido o que é o federalismo, a nacionalização do partido é o seu combate. O partido nacionalizado é aquele que consegue captar a realidade nacional, descendo uma linha para a militância que conseguirá facilmente adaptar para a realidade local independentemente da região.

'Construir um Partido nacional' (Camarada Deutério)
"Concluímos, portanto, que a luta contra o federalismo e pela nacionalização do partido não é apenas de interesse dos estados prejudicados pela concentração local de capital, mas uma necessidade do proletariado em todo o país, até mesmo o do sudeste."

Por Camarada Deutério para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

No período de cisão do PCB em PCB-RR e PCB-CC o federalismo do nosso partido ficou evidente. As disputas políticas se regionalizaram, com cada estado tendo uma unidade ideológica própria, visível pelas divergências, por exemplo, da UJC no Amapá e da UJC em Goiás, que aparentemente são posições escritas por direções, mas com respaldo da base no local.

Nesta tribuna, tentarei explicar o que é a federalização, porque ela é um problema e como combatê-la. Dessa forma, tentarei apresentar um quadro do que significa um partido realmente nacionalizado (que, como vou argumentar, é diferente de ser um partido que existe em todo país) e como alcançá-lo.


Federalismo

A estratégia da revolução socialista implica, para o partido, a tarefa de convencer a população da necessidade de uma insurreição nacional armada, e a tarefa de organizar as condições para garantir o sucesso desta. A revolução precisa ser nacional visto que a estrutura econômica do Brasil se estrutura de forma nacional, e portanto a burguesia também, com profunda conexão e divisão de trabalho entre diversas regiões do país. A estrutura de nível nacional é o que determina o nível regional, ao invés do nacional ser apenas uma soma das estruturas regionais (que é a visão federalista). Portanto, apenas o entendimento da estrutura nacional permite uma ação direcionada que permita a vitória do proletariado na revolução.

Um exemplo de como o federalismo cega a visão do partido e do proletariado é a intervenção que alguns partidos tiveram sobre as chacinas que ocorreram em Julho e continuam em Agosto/2023. O conteúdo nacional que determina as chacinas (de forma simplificada) é a estrutura econômica que utiliza a população preta de exército industrial de reserva e de mão de obra superexplorada, e para sustentar essa estrutura organiza através do Estado uma guerra permanente, visando desmontar qualquer auto-organização da população, e generalizar um medo paralisante. A partir desse conteúdo, em cada região a guerra assume uma forma específica, visíveis pelas diferentes justificativas que o bolsonarismo de Tarcísio (SP) e o petismo de Jerônimo (BA) usam para manter a guerra (às vezes com um falso combate no caso do segundo).

Se entendemos o conteúdo, então precisamos apresentar isso na nossa agitação e propaganda, bem como entendemos que a solução é apenas auto-organização e autodefesa da população preta para resistir às tentativas de assasinato, tomar o poder, e mudar a estrutura econômica do país. Medidas de reforma úteis, nesse caso, são as que fortalecem o lado da população preta na guerra e enfraquecem o lado da polícia, como diminuição do investimento no sistema de repressão.

No entanto, se deixamos o federalismo dominar, então nossa agitação e propaganda em São Paulo irá acusar o bolsonarismo de Tarcísio como causa do genocídio. Com esse entendimento, organizaremos ações de deslegitimação do governador para substituí-lo, contrapondo seu discurso de valorização dos assassinatos com um de valorização da vida, que, apesar de bem intencionada, não vai suprir as necessidades do proletariado, que continuará sendo assassinado mesmo em outro governo.

Concluímos, portanto, que a luta contra o federalismo e pela nacionalização do partido não é apenas de interesse dos estados prejudicados pela concentração local de capital, mas uma necessidade do proletariado em todo o país, até mesmo o do sudeste. O federalismo no partido, portanto, é a forma sobre o conteúdo, é o isolamento ideológico e prático de uma região que não é realmente isolada na estrutura econômica.


Sudestinismo

O federalismo, enquanto um conteúdo nacional, toma formas diferentes nas diversas localidades que se apresenta. Em estados prejudicados pela concentração regional de capital (como estados do Norte) quando apresentam federalismo, esse reivindica maior autonomia frente às decisões nacionais, propondo maior isolamento que os permita atuar independentemente da centralização pseudo-nacional sudestina.

Já em estados privilegiados na concentração regional de capital (como estados do Sudeste) tem o federalismo assumindo outra forma, que chamo de sudestinismo. Nesses locais, o federalismo é uma universalização da realidade sudestina, criando uma pseudo-nacionalização. O sudestinismo não implica em uma aliança de estados do sudeste, mas, pelo contrário, uma redução da realidade nacional a esses estados, o que resulta que também são apenas estados do próprio sudeste que são criticados por outros.

Ambas as formas de federalismo são apenas manifestações do todo. Uma coexiste com a outra, com a reação pela autonomia de alguns locais surgindo como reação (federalista) ao sudestinismo. Vemos uma manifestação do sudestinismo na carta da CR-RJ/UJC sobre a crise partidária, que assume possibilidade de disputa interna no PCB a partir de uma análise apenas da realidade do Rio de Janeiro e que se limita a criticar apenas São Paulo, tentando colocar a militância do estado como protagonista do movimento. A CR, assim, ignora as diversas cartas que a militância do Norte e Nordeste escreveu ao invés de debater com elas e criticá-la, e tira o protagonismo destes estados como se eles não fossem também sujeitos políticos nacionais, igualmente passíveis de crítica.


Partido ideologicamente nacionalizado

Entendido o que é o federalismo, a nacionalização do partido é o seu combate. O partido nacionalizado é aquele que consegue captar a realidade nacional, descendo uma linha para a militância que conseguirá facilmente adaptar para a realidade local independentemente da região. Dessa forma, o partido nacionalizado é aquele que compõem a concepção de realidade a partir da síntese das realidades locais, ao invés da mera soma destas. A construção de linha do partido nacionalizado, portanto, precisa que três processos funcionem plenamente:

  1. Apreensão das realidades locais: O centro do partido (Comitê Central) precisa saber a situação de cada local. Isso apenas pode ser construído a partir de uma transmissão de informações eficiente de cada local para o centro. No exemplo das chacinas, é cada local onde a chacina está ocorrendo comunicar ao centro o que está acontecendo e como está acontecendo.
  2. Síntese nacional: A partir da apreensão das realidades locais, o centro precisa conseguir criar a síntese dessas. Para isso, é necessário um profundo entendimento do Brasil e de sua estrutura nacional, bem como um pré-entendimento básico das diferenças regionais. No exemplo das chacinas, isso é, vendo os relatos dos diversos locais, entender que as chacinas são consequência da estrutura de produção Brasileira.
  3. Apreensão local das sínteses: A partir da síntese, essa precisa descer a todas as regiões para ser aplicada por cada organismo do partido. Para isso, é necessário um profundo entendimento da síntese e como essa se relaciona com o local de militância. No exemplo das chacinas, em São Paulo seria necessário entender o erro federalista que a maioria dos partidos (PT e PSOL) estão caindo e fazer uma crítica explícita à linha que eles colocam.

Para realizar esses processos de nacionalização da linha do partido, precisamos conseguir integrá-los na constituição da direção ideológica, que é o Órgão Central (OC), e que deve ter como espinha dorsal um jornal impresso (como já explicado na tribuna “Pela Construção de um Órgão Central a Altura do nosso Povo: Resposta a Bruno Franzoni”). Precisamos fazer obrigatório o envio de cartas (e-mails) ao Conselho Editorial do OC falando da situação de cada local, com a escrita de matérias sendo feita através da síntese dessas cartas, e posteriormente a entrega massiva de jornais impressos para cada uma das localidades do país. A matéria no jornal precisa ser a linha ideológica que unificará os trabalhos, com o Comitê Central que dirige a ação utilizando-o para guiar intervenções coordenadas no país inteiro.


Combater concentração local com um jornal

Construída a nacionalização do partido, que é capaz de compreender o Brasil como um todo interdependente e transformar as sínteses em ações unificadas nos mais diversos cantos do país, criamos também uma estrutura que nos permite debater com seriedade a priorização de certos locais. Isso é, tendo um jornal com matérias realmente pertinentes para os trabalhadores de qualquer parte do país, conseguimos girar o trabalho de um local com mais militantes para um com menos.

Por exemplo, atualmente, se decidirmos priorizar o crescimento no Tocantins, o que será realizado? Apenas teremos maior tempo das direções dedicado a acompanhar esse estado, contando inteiramente com o trabalho dos próprios militantes locais. Agora, com um jornal nacionalizado, somos capazes de concentrar o trabalho interno em Minas Gerais, que será proporcionalmente mais responsável que Tocantins nas tarefas de escrita, diagramação, impressão, logística, etc. Somos também capazes de concentrar o trabalho externo em Tocantins, que será proporcionalmente mais responsável que Minas Gerais na venda, recebendo um número maior de jornais por militante.

Dessa forma, a nacionalização do partido permite quebrarmos o padrão de crescimento “espontâneo” da militância, que segue o mesmo padrão da concentração de regional de capital.


Conclusão

Os camaradas do Norte e Nordeste já fizeram um grande trabalho de combate ideológico ao sudestinismo e ao federalismo como um todo. O ápice deste trabalho foi quando a UJC, em seu último congresso, cantou em coro “Pra combater / concentração local / e construir a juventude nacional!”, provando a força da juventude nortista e nordestina para impor aos outros estados a adesão a palavras de ordem contra práticas que elas mesmo cometem.

Essa força foi novamente demonstrada, e elevada, quando a juventude de Pernambuco (nordeste) puxou uma onda de posicionamento público em defesa da Reconstrução Revolucionária e do XVII Congresso, que rapidamente foi muito fortalecida pela juventude nordestina. A força da onda abriu portas para o Sul e parte do Sudeste a se posicionar também, com apenas Goiás (Centro-Oeste) e Rio de Janeiro (Sudeste) se posicionando contra. Essa onda representa a transformação da luta contra o federalismo de luta ideológica em luta prática.

Aos camaradas do Norte e Nordeste, tenho apenas a agradecer pela força, e pedir para não hesitar em pautar a Reconstrução Revolucionária, pois vocês já demonstraram a capacidade que têm, agora precisam apenas continuar a aplicá-la. Aos camaradas de estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os aviso para não ficarem para trás, pois a força dos militantes nortistas e nordestinos já mostrou que a nacionalização da nossa organização irá avançar, resta a vocês três opções: ficarem pra trás por birra, serem arrastados na inércia ou se somarem nessa luta.