Conferência do PCB termina de rasgar as Resoluções do XVI Congresso
A Conferência do PCB confirma todas nossas denúncias da existência de um giro à direita nas duas principais questões táticas nacional e internacional de nossos tempos.
Artigo de opinião por Gabriel Landi e Gui Couto
Ontem, em 10/06/2024, tivemos a oportunidade de vislumbrar alguns dos resultados da VIII Conferência Política Nacional do PCB, sediada em Fortaleza, Ceará. Este evento, que aconteceu concomitantemente ao XVII Congresso (Extraordinário) do nosso Partido, organizado pelo PCB-RR na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, São Paulo, foi motivo de expectativa para as pessoas diretamente envolvidas na aguda luta interna que cindiu o PCB, pois seria, justamente, a confirmação dos caminhos políticos distintos apontados ao longo deste quase um ano de processo de cisão.
Em entrevista fornecida ao Opera Mundi, Sofia Manzano, Secretária de Relações Internacionais do PCB, figura pública que foi candidata presidencial pelo partido em 2022, apresentou algumas das deliberações políticas da Conferência. A despeito de, ainda, não termos acesso à íntegra dos documentos de forma pública - e esperamos que sejam publicados com a maior brevidade -, as decisões noticiadas oferecem uma importante fonte a partir da qual podemos estabelecer uma saudável polêmica com as pessoas que, até pouco tempo atrás, dividiram conosco as fileiras da mesma organização e estiveram sob a direção do mesmo Comitê Central. Isso tanto mais porque, no essencial, as informações publicizadas na entrevista confirmam perfeitamente nossos prognósticos e nossa afirmação de uma ruptura por parte do Comitê Central do PCB, e daqueles que ficaram a seu lado, com as resoluções do XVI Congresso do Partido.
Existem aspectos do que foi dito na entrevista que, neste texto, não vale a pena esmiuçar. Todavia, existem pontos que merecem destaque.
O primeiro destes pontos é, pelo visto, a consagração ao patamar de linha política pública do PCB da hipótese conspiracionista de que haveria uma articulação internacional no movimento comunista que, a partir da Grécia, trabalharia para rachar partidos comunistas mundo afora. Segundo nossa interlocutora, isso já teria acontecido na Espanha, Itália, Alemanha, Argentina, Equador, e claro, no Brasil. Os motivos que impulsionam esta articulação internacional não são deixados nítidos por Sofia, tampouco qualquer análise concreta acerca de, pelo menos, um dos casos de cisão citados. É compreensível: afinal, uma análise marxista da realidade pode, por vezes, revelar verdades desconfortáveis, pondo de lado as especulações absurdas e trazendo à tona os fundamentos políticos dos processos de reorganização do movimento comunista. Portanto, parece ser mais fácil abandonar o marxismo nesse quesito e desconsiderar a luta de classes que se manifesta dentro de cada Partido Comunista e que, sem dúvida, fundamenta os processos de cisão por ela mencionados.
O segundo ponto, e agora as coisas começam a ficar reveladoras, versa sobre a posição do PCB frente ao governo Lula. Antes de continuarmos, é necessário relembrar um fato: dentro da estrutura do PCB, a Conferência Política está abaixo da instância de deliberação máxima, o Congresso. Portanto, o que foi deliberado na Conferência não poderia, em tese, contradizer o que foi deliberado anteriormente pelo Congresso. Dito isso, vejamos o que o XVI Congresso do PCB, de 2021, no caderno “Programa de Lutas para implementação da estratégia socialista no Brasil”, página 20, estabelece sobre a posição dos comunistas frente aos governos de conciliação de classes:
“122) Para nos opormos de modo consequente à ofensiva burguesa, nossas alianças eleitorais devem ter como base o acordo estratégico em torno da revolução socialista, recusando alianças com candidaturas de conciliação de classes. Nos casos de eleições onde o segundo turno apresente a polarização entre candidaturas reacionárias e reformistas, caberá a avaliação em cada caso concreto da possibilidade de apoio crítica, que ressalte desde logo o fato de que estaremos na oposição ao futuro governo de conciliação de classes. [...]”
Agora, vejamos o que Sofia Manzano afirmou, após ser questionada pelo entrevistador, sobre a posição do PCB, após a Conferência Política, frente ao governo Lula. Ela afirma, por volta do minuto 43 da entrevista, que a posição do partido frente ao governo é de independência. Continuou dizendo que fazem oposição ao “bloco que está no poder, bloco das forças reacionárias, bloco das forças conservadoras, composto pela burguesia e por um lixo que está aí! Que atua na forma de retroceder os mínimos direitos da classe trabalhadora”. E por fim, termina reafirmando a oposição ao “bloco que está no poder”, mas que “está inclusive no governo”.
O ponto alto da falta de coerência política se escancara quando a mesma afirma, poucos minutos antes, que o atual governo Lula sequer pode ser considerado como de conciliação de classes.
Portanto, em face à resolução congressual previamente citada, que afirma de maneira inequívoca a postura de oposição dos comunistas frente aos governos de “conciliação de classes”, e pelas afirmações de Sofia, a Conferência Política do PCB aprovou uma postura diferente daquela imposta pelo XVI Congresso. Ou seja, o PCB agora é “independente” frente a este governo que “sequer é de conciliação de classes”. O que diferencia qualitativamente a postura de independência em relação ao governo e de oposição ao “bloco no poder”, e principalmente, o que isso acarretará nas táticas políticas implementadas na luta de massas pelo PCB, é objeto para os melhores malabaristas decifrarem. Se o governo central de um país não é parte integrante do “bloco no poder” naquele país, talvez estejamos então diante de uma toda nova dualidade de poderes... Mas tudo isso é tão mais absurdo na medida em que o PCB reconhece, em palavras, que as medidas fiscais e econômicas do governo Lula são parte da ofensiva contra os direitos da classe trabalhadora.
O terceiro ponto, e não menos importante, revelou-se na parcela final da entrevista, quando Sofia foi questionada sobre a postura do partido em relação à Guerra entre Rússia e Ucrânia. Vejamos o que o mesmo caderno de resoluções do XVI Congresso do PCB, na mesma página, a bem da verdade o parágrafo logo abaixo do anteriormente citado, diz:
“123) As tensões interimperialistas e a luta entre nações capitalistas pela hegemonia fazem com que o perigo de um novo conflito armado de escala internacional esteja cada vez mais perto. [...]”
Sofia, em contrapartida, se referindo ao que foi aprovado na Conferência Política Nacional afirma que "nossa posição não é a posição de que aquilo é uma guerra interimperialista, pois essa é uma visão equivocada do próprio imperialismo.”
Julguem por si próprios. A resolução que identifica a crescente tensão interimperialista é de novembro de 2021, e em fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia, elevando o conflito lá já existente ao patamar de um dos maiores conflitos bélicos de nosso século, que drena centenas de milhares de vidas do proletariado russo e ucraniano, além do apoio de diversos outros países. Acreditamos que a realidade foi suficientemente pedagógica frente a esta questão - todavia, a imunidade ao aprendizado parece ser um problema candente de nossos tempos. Restaria saber, então, o que o PCB considera como uma guerra interimperialista - será que apenas utilizará essa designação, como manda o XVI Congresso, quando a OTAN rachar e uma parte se voltar contra a outra?...
Vemos, portanto, que a Conferência do PCB confirma todas nossas denúncias da existência de um giro à direita nas duas principais questões táticas nacional e internacional de nossos tempos. Desde agosto de 2023, afirmamos: o Comitê Central do PCB caminha no sentido de enterrar as resoluções do XVI Congresso, e apenas um XVII Congresso poderá retificar esses desvios. Comprovando nossas assertivas, a VIII Conferência Política Nacional do PCB coloca a última pá de cal sobre as Resoluções do XVI Congresso, agora que não tem mais sobre si a pressão da ala esquerda expulsa em massa desde agosto de 2023 e reorganizada em torno de nosso XVII Congresso (Extraordinário).
Podemos concluir que, dado o exemplo que temos sobre os resultados da Conferência Política do PCB transmitidos em entrevista por Sofia Manzano, Secretária de Relações Internacionais do Comitê Central, é possível, finalmente, despir-los de qualquer cinismo formalista. Em outras palavras: quando a correlação de forças se fez propícia, as resoluções do XVI Congresso foram, agora, conferencialmente rasgadas. Pouco importa se a Conferência Política Nacional na estrutura formal do partido é superior ou inferior ao congresso. Uma pena que as direções do PCB não tiveram a honestidade de admitir isso verbalmente antes.