'Comunistas de iPhone: aplicativos como forma organizativa e dinamizador partidário' (Bruno Franzoni)
A inelasticidade e incapacidade de rápida articulação e rearticulação são fatores de vida e morte, não só de uma organização na longa duração, mas também dela e de seus militantes em momentos de grave tensão.
Por Bruno Franzoni, para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
A dinamicidade de uma organização é um critério importante de análise que devemos atentar. A inelasticidade e incapacidade de rápida articulação e rearticulação são fatores de vida e morte, não só de uma organização na longa duração, mas também dela e de seus militantes em momentos de grave tensão. Se a força da organização marxista-leninista e a coesão de seus quadros na ação, qualquer mudança súbita da areia movediça da realidade pode quebrar sua principal força, se não houver elasticidade e capacidade de se rearticular interna e externamente, da mesma forma que uma ponte precisa da capacidade de flexionar-se perante um terremoto para continuar sua função, isso não demonstra fraqueza estrutural dela, da mesma forma que um bambu rigido demais que quebra no primeiro vento mais forte não demonstra força, muito pelo contrário. A força de algo se demonstra na efetivação de seu propósito nas circunstâncias mais severas de atrito. O objetivo do partido revolucionário, sua razão-de-ser, é fazer a revolução e organizar as massas em um corpo coeso coletivo a fim matar o capitalismo e então construir uma nova sociedade. Um partido que não está apto a isso não merece a si mesmo o título de tal.
Um grave problema que ocorre no complexo partidário é o da incapacidade dos quadros articularem uma visão totalizante sobre a atuação partidária. Creio que isto não seja um problema exclusivo do partido, na verdade creio que está presente em todas as organizações da esquerda, causado por uma defasagem dos instrumentos comunicativos que desenvolvemos desde o surgimento da forma partido, e por outro lado pela incapacidade dos dirigentes de grau superior dos partidos de pensar avanços nessa toada, por diversos motivos que posso especular aqui, como a dificuldade ou completa incapacidade de entender e usar as ferramentas que a era digital nos proporcionou.
A triste realidade é que a forma organizativa que mais conhecemos hoje é o jornal. Esta afirmação por si só deveria causar desgosto e depressão para os dirigentes partidários, tendo em vista que em mais de 100 anos, desde que Lenin avançou neste quesito; tendo em vista que o jornal era algo avançadíssimo em sua época, a única conclusão possível é que estamos até hoje neste patamar quase neolítico de comunicação, sem nunca ter avançado com a tecnologia amplamente massificada de comunicação. Acho que vale notar aqui também alguns dados importantes sobre este meio, quantos jornais vendemos por mês? Qual a tiragem diária do jornal Poder Popular? Quando observamos jornais famosíssimos do nosso campo, como o jornal L’unità, criado pelo mago siciliano, jornal do saudoso PCI (que pesem os desvios destes em suas diversas fases), era de centenas de milhares. Não sou da opinião que devemos extinguir o jornal como ferramenta organizativa e de massas, ele ainda cumpre seu papel, no entanto, acreditarmos que está será a ferramenta tecnológica da revolução brasileira em pleno século XXI nos coloca sob sérios questionamentos de se estamos de olhos abertos vendo miragens psicodélicas macabras ou se estamos de olhos fechados perante a realidade.
Tentativas estão sendo feitas no tocante de outras redes sociais, como Twitter, Youtube e Instagram. As páginas oficiais de organizações dentro do complexo partidário têm alcançado algum sucesso, como a página do partido, que conta com 100 mil seguidores, ou a página central da UJC que conta com 78 mil no momento em que escrevo, ambos os números do Instagram. Outras tentativas que vêm conseguindo algum sucesso são as contas particulares de militantes, como a do camarada Gaiofato ou do camarada Jones, que já passaram da segunda centena de milhares. No entanto, embora seja um sucesso significativo por termos criado uma contraposição a extrema direita nas redes, locus antes completamente dominado desde o crepúsculo da década de 10 deste século, e podendo argumentar que isso serviu de alguma forma como um trickle-down economics ala Reagan para as contas do partido e o conhecimento do público sobre o partido, não devemos nos adiantar, como tem sido feito, em dizer que “me parece que…” (tal precipitação foi apontada numerosamente pelo camarada Jones, essa falsa impressão de força e resultado da internet da expectativas falsas).
Temos de nos atentar que, por um lado, embora as contas particulares de militantes que ganham notoriedade pública sejam um meio de criar espaços e aprofundar debates entre nós e entre o público lato sensu, essas contas ainda refletem meramente o que são: contas particulares que expressam, via de regra, opiniões dos particulares que são “donos” destas. Por outro lado, não podemos acreditar piamente que o jornal é hoje o único método de organizar a máquina partidária e de alcançar as massas.
No centro destas duas questões temos duas perguntas difíceis de responder: como podemos estruturar o partido e seu conteúdo sob formas novas? E como driblar o fato de que a raiz de todos estes problemas existe a centralidade do controle do capital sobre a capacidade de comunicação?
Sem estas duas perguntas resolvidas, seremos incapazes de mobilizar se quer uma porta em favor de nossa causa, que — de todas — parece ser a mais justa e boa.
Da primeira pergunta decorrem questões que assinalei de início. O militante é incapaz de enxergar holisticamente a atuação partidária. Isso é um problema de duas faces, pois, por um lado, o militante de base é incapacitado, mas por outro também é seu dirigente, de entender, pensar e articular a totalidade da capacidade partidária, estando então lesadas de forma tão brutal, ao não conseguir captar informação suficiente para se planejar efetivamente, ao mesmo tempo, as duas partes construtivas do partido. Se o dirigente não sabe quantos núcleos tem na cidade de São Paulo, com tantos militantes, fazendo tantas tarefas e girando tanta quotização, óbvio que lidaremos eternamente com o problema da baixa qualidade e artesanalidade de nossos trabalhos. A base e a direção ficam contando com os relatos escassos de camaradas para entender a real potencialidade de nossas forças para qualquer ação. Disso decorrem dois erros de cálculo, achar que temos força de menos para uma ação ou achar que temos força de sobra para uma ação. Esse tipo de erro de cálculo nos custa muito mais do que o custo de uma solução. Não estamos em condições de pagar o preço da imobilidade quanto a essa questão, por isso temos que pagar o preço de suas respostas de forma mais urgente antes que seja impossível a sustentação da organização face qualquer mudança significativa de conjuntura ou da correlação de forças. Eis onde o filho chora e a mãe não o vê, justamente o momento em que bambu quebra sobre sua própria rigidez.
O outro lado dessa questão é como como nós podemos nos propor a ser uma organização a nível nacional, séria e com debate interno franco sendo que é impossível o militante de base de Foz do Iguaçu acessar os debates que ocorrem no Coletivo Minervino de Rondônia? Justamente isso, que permitiria verdadeiro crescimento do debate interno do partido, é impossibilitado pelo amadorismo atual. Como o militante de bairro da UJC pode entender a dinâmica de atuação partidária e fazer uma defesa adequada do partido sem entender a potencialidade do grupo de engenharia popular Dínamo que tem feito ótimos trabalhos em instalações de ocupações com métodos modernos de saneamento de água?
Em última instância, e todo militante socialista sabe disso, o problema ou é de incapacidade da direção em fazer tal articulação, ou é contra interesse da direção em proporcionar essa articulação. Todo problema organizativo é a reflexão de um problema político na estrutura do partido. Culpar as bases seria simplista demais, e mais simplório ainda é culpar o partido em abstrato, pois este partido é construído e dirigido por pessoas absolutamente capazes; portanto, a base é levada a entender uma falha dos dirigentes ou sua má vontade. Longe de mim dizer que é um ou outro, não teria capacidade disso. No entanto, apenas enumero as conclusões lógicas das problemáticas apontadas e deixo a cada leitor e camarada decidir por si, desde que para elx a carapuça sirva.
Antes que me acusem de falar demais e propor de menos, venho então a dar ideias bem factíveis para solucionar nossos problemas organizativos com base nos apontamentos levantados.
É notório que os partidos de esquerda radical hoje têm muita força no movimento estudantil e têm grande relevância dentro das universidades e escolas. Devemos usar isso a nosso favor. Com certeza, dado isso, temos programadores em nossas fileiras. A questão da atualização de nossa forma organizativa para sair do atraso centenário que permanece no jornal é em primeiro lugar criar um ambiente interno que os militantes possam acessar os debates que ocorrem a nível nacional e a criação de um fórum interno nacional de debates permanentes intra-militância de forma mais direta que apenas tribunas internas do núcleo. Nada disso extingue os mecanismos já existentes. Um fórum nacional em que se possa ter um debate franco e moderado já é algo bem factível, vide reddit, onde pessoas interessadas em um tema respondem a outras com textos de tamanho a gosto do debate. Desta forma, estamos evitando a simplicidade que o Twitter nos restringe e ainda mantendo assuntos internos como internos, mas sem perder a qualidade e a amplitude que esses debates precisam. Além disso essa ferramenta organizativa deve proporcionar acesso de um militante ativo na organização as tribunas internas de outros e quaisquer outros núcleos a nível nacional, desde que estes debates que queiram ser vistos não tenham nenhuma restrição imposta pelo seu conteúdo por questões de segurança, e obviamente a pessoa que está acessando não é permitida interferir nem adicionar ao debate de outro núcleo ou instância que não é o seu de forma direta, embora devam existir mecanismos que permitam essa interferência num espaço adequado e real. Essa ferramenta teria dois tipos de acesso de conta, uma conta de núcleo, que apenas o secretariado têm acesso e pode adicionar entrada e saída de caixa, atividades realizadas e a serem realizadas, e uma conta para os militantes, que podem adicionar conteúdo direto na ferramenta nos diversos fóruns nacionais e estaduais do complexo, bem como tribunas internas de núcleo que participa diretamente.
O que estou descrevendo não é nada mais que um aplicativo, um app do partido, para militantes deste partido. O próprio camarada Iasi disse em lançamento recente da Boitempo sobre o livro “Junho de 2013: A rebelião fantasma” que a criação de aplicativos muito mais complexos do que eu estou apresentando, como um modelo de Uber tocado pelo estado, seria algo facílimo de fazer nas condições atuais da tecnologia da programação. Me chocaria muito ouvir, de qualquer um que seja, que dentro de uma organização de 12 mil filiados e quantos mais militantes e filiados, não haja sequer um punhado de programadores com capacidades mínimas de montar algo nestas formas que será construído e incrementado com o passar do tempo.
Agora, finalmente chegando na segunda pergunta que levantei, a proposta resolve o dilema de controle do capital sobre a criação e circulação de informação. Veja, na sociedade contemporânea o custo de criação de informação é o menor que já existiu na humanidade. Literalmente qualquer ser humano que toca num aparelho digital é capaz de criar informação e circulá-la a um preço de custo baixíssimo. Se colocarmos em perspectiva o custo de circular informação a 150 anos atrás, na época de Marx, com hoje, veremos que a diferença é imensa, ainda mais se compararmos com a dificuldade de registro e reprodução de informação a poucos séculos atrás, em que livros eram basicamente joias e o seu acesso era limitadíssimo. Me escapa da razão e da lógica formal o porque estamos olhando para essa dádiva da contemporaneidade e apenas ignorando-a a custa de nada (ou será que alguém paga o preço pela circulação a nível nacional dos trabalhos e diálogos partidários?). Por outro lado, através de uma ferramenta como essa estaríamos sendo capazes de superar a fragmentação da comunicação que nos é imposta pelo capital quando usamos as suas redes virtuais, e a superação da dinâmica de qualquer fenômeno capitalista e o dever de toda e qualquer organização socialista que queira de fato vencer o capital, da mesma forma que o partido deve ser um espaço disposto a superar todas e qualquer formas de sociabilidade que o capitalismo condiciona sobre a nós. Não vejo como o que descrevo vai de qualquer maneira contra o papel ou os princípios organizativos do partido, mas estou aberto que me provem o contrário, mas já adianto que se existirem tais provas, devem ser foco de disputa, pois para a sobrevivência de uma organização como a que propomos não podemos nos dar o luxo de sucumbir imóveis perante o avanço dos instrumentos de comunicação que a realidade nos impõe. Muito pelo contrário, é nosso dever mais essencial usar esses instrumentos de forma revolucionária.
Por último, acho pertinente apenas ressaltarmos uma questão importante sobre segurança militante digital. Nenhum plano é à prova das contingências e ataques planejados pela ironia do destino ou por nossos inimigos. Óbvio que um instrumento desses, caso hackeado, ou vazado, pode causar problemas, e afinal não seria mais fácil de sermos observados, por quem quer que seja, se centralizarmos desta forma as nossas informações? Sim, de fato. No entanto, acho difícil de dizer se isso nos oferece mais risco de espionagem e vazamento do que os mecanismo que já usamos? Veja bem, usamos o Google Groups para lançar tribunas internas, o Google… a mesma empresa que notoriamente vende dados de seus usuários e que ativamente envia mensagens golpistas para país inteiro em sua página principal de pesquisa… Assim como o Telegram faz (vulgo nossa principal ferramenta de organização dos núcleos). Tendo o quadro em tela, acho que segurança de dados não é atualmente nosso forte no momento. Em suma, meus caros, a Abin tem uma ficha extensa em todos nós, talvez seja tarde para sermos premiados como mestres da segurança e da furtividade.
Espero que as sugestões e apontamentos feitos sejam de alguma utilidade nas árduas tarefas que temos pela frente.
Torço e luto pela nossa vitória, pois nela está depositada a esperança de todo um mundo. Não descansaremos até alcançá-la.
Saudações comunistas.
Camarada Bruno Franzoni