'Complemento à tribuna do banheiro para pet: apontamento de questões antimaterialistas sintomáticas na discussão sobre a querela do jornal' (Giuseppe Silva)

Não sejamos pueris em subestimar a inteligência de nossos inimigos! Precisamos considerar que uma tática amplamente abandonada tem bons motivos para ser amplamente abandonada em uma batalha que estamos perdendo!

'Complemento à tribuna do banheiro para pet: apontamento de questões antimaterialistas sintomáticas na discussão sobre a querela do jornal' (Giuseppe Silva)
"Camaradas, eu apelo para que se atentem: todos os dados de todas as fontes sob todas as perspectivas possíveis nos golpeiam com a materialidade de que o jornal impresso não é um meio eficiente para nos colocar em contato com a classe trabalhadora! Todos os argumentos em favor dessa utilidade para o jornal são objetivamente mentiras sob provas concretas!"

Por Giuseppe Silva para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo esse texto em coro à tribuna “Ultimamente, jornal em papel só serve de banheiro para pet”, buscando criticar especialmente a forma completamente antimaterialista como a defesa do jornal enquanto Órgão Central é feita por alguns camaradas tanto nas tribunas já publicadas quanto na militância cotidiana, bem como trazer críticas à forma como as experiências de jornais anteriores foram conduzidas pelo complexo partidário.

De início, é absolutamente necessário analisar o cerne dos argumentos contrários e favoráveis à manutenção do jornal como Órgão Central do Partido. Nas tribunas publicadas em defesa do jornal, nominalmente “Sobre o jornal do partido”, “O jornal não foi ultrapassado” e “Pela construção de um Órgão Central à altura do nosso povo”, a qualidade defensiva se centra em colocar o jornal como Órgão Central “obviamente fundamental” porque, teoricamente, ele funciona bem como dispositivo de alinhamento de toda a logística prática do complexo partidário enquanto exercício para a organização do momento revolucionário ao mesmo tempo que funciona bem como veículo centralizado das ideias do Partido Comunista. A materialidade que suporta tais argumentos exaustivamente apresentados é literalmente nenhuma! A defesa carece de quaisquer exemplos que comprovem que a logística de distribuição do jornal serve bem como treinamento para a logística revolucionária na contemporaneidade, o que por óbvio não permite dizer que a adoção do jornal enquanto Órgão Central é “fundamental”, “óbvia”, “prioritária” em detrimento da possibilidade de meramente considerar outras possibilidades para a forma Órgão Central, pois são colocações puramente especulativas! É inaceitável e assustador que o militante comunista, lembrando que nos embasamos no materialismo e no socialismo científico, esteja disposto a comprometer a eficiência da nossa construção revolucionária com base na mais profunda imersão em idealismo! É inaceitável que uma defesa tão ferrenha e irrestrita de uma ferramenta que deveria ser somente isso, uma ferramenta para nossos fins e não um fim em si mesma, seja feita de forma ilógica, carecendo de fontes, evitando ao máximo a conjectura sobre literalmente quaisquer outras possibilidades de ferramentas para nosso Órgão Central (cabe lembrar que, embora a estratégia do jornal tenha dado certo para a revolução russa no começo do século passado, Lenin não era um deus fazendo escolhas atemporalmente infalíveis em suas estratégias, e sua maior contribuição para nós é justamente uma metodologia que nos permite analisar racionalmente nossas possibilidades táticas e nossas chances de sucesso) e se sustentando apenas em desejos anacrônicos saudosistas de uma questão puramente estética.

Sobre a funcionalidade do jornal enquanto veículo propagandístico, concordo plenamente com o camarada Gelli e o parabenizo pelo trabalho exemplar no apontamento de fontes que sustentem seus argumentos. Camaradas, eu apelo para que se atentem: todos os dados de todas as fontes sob todas as perspectivas possíveis nos golpeiam com a materialidade de que o jornal impresso não é um meio eficiente para nos colocar em contato com a classe trabalhadora! Todos os argumentos em favor dessa utilidade para o jornal são objetivamente mentiras sob provas concretas! Trago aqui a experiência da logística do jornal O Futuro de SP nos últimos meses de 2022: a orientação que foi dada às bases da UJC pela Coordenação Estadual foi de concentrar máximos esforços em realizar a venda do jornal em portas de escolas de ensino médio pela capital. O argumento apresentado pela CE frente aos questionamentos de diversos militantes sobre a efetividade dessa tática foi que, parafraseando, “é falso que o acesso a internet é amplo no Brasil, portanto essa não é uma estratégia que realmente atinge as massas”. Além desse argumento ser factualmente mentiroso (segundo o PNAD, em 2021 o Brasil tinha 155,7 milhões de pessoas com acesso à internet em base cotidiana, por exemplo), é lógico que mobilizar nosso escasso recurso humano para distribuir jornal impresso (um meio de comunicação constantemente decadente há pelo menos 3 gerações) para adolescentes sob custo monetário (notando que é pouquíssimo provável que adolescentes fazendo aulas matutinas e vespertinas tenham emprego assalariado, e portanto provavelmente têm acesso extremamente restrito a dinheiro no cotidiano, e muito provavelmente prefeririam gastar qualquer quantia em literalmente qualquer outra coisa que não um meio de comunicação decadente) é uma limitação tremenda de nosso alcance com relação a qualquer outro possível esforço. Fazendo uma análise extremamente extrapolativa de dados, a média de edições vendidas pelo núcleo Zona Norte da UJC na capital paulista flutuava (muito largamente) em torno de 50 exemplares por mês. Supondo que houvessem 10 núcleos participando dessa atividade na cidade (acredito que fossem menos que isso) e que não temos motivos para acreditar que outros núcleos realizassem vendas de ordens de grandeza maiores que o núcleo ZN, ficamos com uma média total de 500 exemplares vendidos por mês. Podemos ser extremamente generosos e supor que estávamos em uma média de 5000 exemplares vendidos por mês: a população do município de São Paulo em 2022 era de aproximadamente 11,5 milhões de habitantes, totalizando 0,0004% da população atingida. Me parecem bons números!

Essa breve discussão me leva ao meu último tópico, a completa falta de inteligência na gestão das experiências jornal até o momento. Nota-se que essa discussão foi embasada em extrapolação sobre poucos dados. Isso deve-se ao fato de que o complexo partidário carece de maneira absoluta de dados (e mais ainda, de circulação desses dados) sobre as experiências com vendas de jornal! Em nenhum momento foi proposta pelos órgãos responsáveis uma análise geográfica das vendas de jornal, uma análise demográfica dos compradores (como pode o jornal ser irrestritamente defendido como meio amplo de comunicação se absolutamente nunca fomos exigidos de coletar informações sobre as pessoas a quem vendemos e, embora anedoticamente, é razoável supor por exemplo que as vendas de jornal são exponencialmente relacionadas ao crescimento da faixa etária do público a quem ele é oferecido?), uma análise de feedback sobre a qualidade das matérias, a disposição gráfica, a própria extensão em páginas do jornal? É completamente inaceitável que direcionemos todos os nossos esforços a uma estratégia sobre a qual somente temos resultados vagos e difusos e ideias muito apaixonadas para ponderar o sucesso!

Termino esse ensaio com um apelo à visão tática-estratégica de todos os camaradas: nós somos derrotados diariamente na disputa de narrativas pela mídia hegemônica burguesa. De fato, os veículos de mídia burguesa despendem de recursos financeiros que estamos longe de possuir, mas ainda é plenamente razoável acreditar que eles tenham abandonado o uso de ferramentas antiquadas como o jornal impresso por motivos de vantagem tática e estratégica. Não sejamos pueris em subestimar a inteligência de nossos inimigos! Precisamos considerar que uma tática amplamente abandonada tem bons motivos para ser amplamente abandonada em uma batalha que estamos perdendo!