Comitê em Defesa da Água de Jaguariúna impede a privatização do sistema de saneamento na cidade

Após meses de luta contra a prefeitura de Gustavo Reis (MDB), o Comitê em Defesa da Água de Jaguariúna e trabalhadores do saneamento público impedem a privatização do sistema de saneamento da cidade e vencem os lobistas.

Comitê em Defesa da Água de Jaguariúna impede a privatização do sistema de saneamento na cidade
Membros do Comitê em Defesa da Água de Jaguariúna em atividade pública. Foto: Cláudia do Comitê em Defesa da Água.

Por Redação

No interior paulista, na cidade de Jaguariúna (Região Metropolitana de Campinas), com aproximadamente 60 mil habitantes, a prefeitura de Gustavo Reis (MDB – Movimento Democrático Brasileiro) tentou ao longo de 2024 privatizar o sistema de saneamento básico, hoje mantido pelo Departamento de Água e Esgoto (DAE).

Na surdina, no dia 19 de dezembro de 2023 – um dia antes do recesso de fim de ano da Prefeitura de Jaguariúna, que só voltaria no começo de janeiro do próximo ano – foi solicitado a contratação da Fundação Vanzolini para estudo de concessão do saneamento básico da cidade, por meio de dispensa de licitação [1].

Segundo trabalhadores da prefeitura, um contrato de aluguel para ser aprovado e liberado do setor jurídico, normalmente, demora em torno de 03 a 04 meses. Porém, no dia 12 de janeiro de 2024 (dia que retornam as atividades da prefeitura) foi publicizado o fechamento do contrato para o estudo da concessão.

Como é de praxe, a tática da burguesia foi tentar deslegitimar os serviços públicos e convencer a população de que privatizar é a melhor escolha. Houve o sucateamento do serviço público com: falta de investimento de anos ao mesmo tempo em que houve uma expansão imobiliária desenfreada na cidade, sem que houvesse nenhuma contrapartida ao setor; trabalhadores sendo sobrecarregados de serviço, já que o quadro de funcionários não é aumentado há anos; falta d’água agudizada no período, bastante suspeita, com moradores ficando até 03 dias sem água. Ainda assim, de acordo com dados recentes, o serviço público de saneamento básico da cidade atingiu 98,25% na coleta e tratamento de esgoto, além de 99,98% no abastecimento de água, com o DAE chegando a ser premiado pelo Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Jaguariúna (CONDEMA).

Essa aprovação tão rápida do estudo para a concessão, é uma óbvia demonstração de que há interesses para além da suposta “melhoria” do saneamento básico de Jaguariúna. Se fosse algo honestamente pensado para a melhoria do bem-estar dos trabalhadores, a prefeitura deveria estudar para compreender qual o real problema do saneamento na cidade, analisando quais todas as possíveis soluções para a resolução deste problema. Do contrário, para a gestão da prefeitura, do prefeito Gustavo Reis, a solução já tinha sido escolhida antes mesmo de identificar o problema: a concessão do serviço. Para isso, foram pagos R$ 1.280.000,00 (1 milhão e 280 mil – o total de 906 salários-mínimos nacionais) para a Fundação Carlos Alberto Vanzolini, tendo o Instituto Movimento Cidades Inteligentes como “interveniente no contrato”, que desenvolveu um estudo cujo propósito, desde o início, era de provar a necessidade de uma concessão, antes mesmo de se ter percebido a necessidade de fazê-la, ou seja, vender a solução antes mesmo de identificar o problema, uma clara demonstração de que a prefeitura de Gustavo Reis coloca o lucro de grandes empresários na frente do bem estar coletivo e da população e da classe trabalhadora.

A conclusão do estudo dizia que os níveis de investimento para se chegar às metas do novo Marco Legal do Saneamento seriam muito elevadas para a prefeitura em relação ao prazo estabelecido para 2033.

Contudo, em audiência pública na qual repórteres e militantes do PCBR se fizeram presentes, o Comitê em Defesa da Água de Jaguariúna (CDA), um comitê composto de lideranças populares e trabalhadores do saneamento público, moradores da cidade e membros do Observatório Nacional dos Direitos à Água e Saneamento – ONDAS denunciaram as irregularidades no processo de contratação da Fundação Vanzolini, além de contradições no estudo em relação ao uso de dados defasados; a utilização da taxa de crescimento populacional do Brasil inteiro, ao invés do crescimento populacional da região; incoerência do estudo com os objetivos apontados pelo Plano Municipal de Saneamento Básico de Jaguariúna. O estudo apontava que seria necessário um total de R$ 500 milhões em investimentos para o cumprimento do Marco Legal do Saneamento dentro do prazo, ignorando R$ 110 milhões em programas de obras e verbas já colocadas em andamento pela prefeitura – portanto, supervalorizando o total necessário.

Audiência pública contra a privatização da água em Jaguariúna, dia 16 de julho de 2024. Reprodução: Arquivo do PCBR em Campinas

Os moradores da cidade ainda questionaram a afirmação da Fundação Vanzolini de que não haverá reajuste na conta de água, sendo que os responsáveis por isso são a Agência Reguladora de Saneamento e o Conselho Municipal, porém, a prefeitura deixaria essa responsabilidade à ganhadora da concessão. Foram ainda apontadas, por membros do CDA, relações entre o Instituto Movimento Cidades Inteligentes e o Secretário de Meio-Ambiente da cidade, Matheus Hermann, quem já integrou os quadros dirigentes do Instituto, o que levanta suspeitas sobre as intenções honestas e morais do Secretário, da Fundação Vanzolini e do Instituto Movimento Cidades Inteligentes.

O engenheiro Igor Tadeu, trabalhador do serviço público de saneamento de Jaguariúna e membro do CDA, realizou uma fala na audiência, dizendo:

Existe uma tentativa de se fazer um jogo de palavras e a gente não pode cair nessa de achar que concessão é diferente de privatização. Isso acontece porque, desde a década de 90, com o avanço do neoliberalismo, a maior parte da população de várias cidades do planeta foi arrebentada e se lascou com os processos de privatização. Então eles inventam outros nomes para que a gente se confunda, hoje é concessão, PPP - Parceria Público Privada. Mas de todo jeito, o que está posto é a alienação de um bem público, para que a iniciativa privada lucre em cima de um bem comum, que é o saneamento e isso é sim uma forma de privatização. E aqui, para fugir um pouco dos slides, eu queria trazer exemplos concretos da realidade que o povo vive...

Contudo, neste momento de sua fala, o representante do Instituto Movimento Cidades Inteligentes, Luigi Longo, tentou tirar o microfone da mão do trabalhador e o interrompeu, claramente incomodado com as verdades de seu discurso, e foi impedido pelos trabalhadores presentes na audiência, sob gritos e vaias. Igor continuou então em sua fala denunciando os inúmeros casos mal-sucedidos de privatização da água: em Sumaré, cidade com 30 anos de concessão e somente 24% da população com acesso ao esgoto; Itu, concessão em 2007 e remunicipalização em 2017 após severos racionamentos de água; Manaus, concessão de saneamento em 2000, hoje somente 35% da população possui esgoto tratado; dentro outros exemplos.

Como resposta, em uma fala sucinta e vazia, Luigi Longo disse que “existem problemas e trabalharemos juntos para resolvê-los” e que houve alguns equívocos, mas estão prontos para realizar as atitudes necessárias a corrigi-los.

Com intensos protestos na audiência, a população também reivindicou aos vereadores presentes a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para a investigação dessas contradições apontadas pelos especialistas e funcionários públicos. Ao longo de tal audiência pública, os lobistas ligados à Fundação Vanzolini ressaltaram o tempo todo o suposto caráter técnico do estudo e do projeto de concessão, contudo se demonstraram visivelmente incomodados, à beira do desespero, com a capacidade que os trabalhadores organizados tiveram de provar, em termos técnicos e políticos, os problemas que o estudo possuía e as mentiras usadas para justificar a concessão. A organização e o estudo sistemático do projeto da prefeitura, realizado pelo Comitê em Defesa da Água, é um exemplo do potencial que a classe trabalhadora organizada possui para ser o grande ator de mudança do nosso país e no mundo.

Após mobilizações, manifestações e atividades públicas da classe trabalhadora ao longo de meses, o prefeito de Jaguariúna, Gustavo Reis (MDB – Movimento Democrático Brasileiro), no dia 30/08/24, confirmou em redes sociais “o fim do processo de concessão da água, do esgoto e do lixo de Jaguariúna”, chegando a utilizar a palavra de ordem “não à privatização”. Também afirmou os benefícios e melhorias que o serviço público jaguariunense tem feito durante esses anos de seu mandato. É importante, no entanto, lembrarmos que mesmo com essa retratação do prefeito, essa escolha de “voltar atrás” não foi feita de forma livre, mas sim por muita pressão popular do povo jaguariunense organizado, com especial destaque para o Comitê em Defesa da Água de Jaguariúna, o que nos demonstra que a conjuntura política não está congelada e que a mobilização popular é capaz de barrar os avanços da burguesia.