Com expansão do Fies, governo federal prioriza o setor privado em detrimento do ensino público
Mesmo com o endividamento e evasão dos estudantes do atendidos, programa terá investimento de mais de R$ 700 milhões de reais em 2025, com base no anúncio feito no final do ano passado.
Por Redação
Como última medida do ano de 2024, o Ministério da Educação (MEC) anunciou, em 31 de dezembro, a oferta de 112.168 vagas para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) em 2025. O número faz parte do Plano Trienal do programa federal, que disponibilizará 67.301 vagas no primeiro semestre e mais 44.867 para o segundo, números semelhantes aos previstos para 2026 e 2027.
Criado em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e expandido nos governos petistas durante os anos 2000 e 2010, o Fies é um programa federal que oferece financiamento, junto a bancos públicos, para o pagamento de mensalidades em instituições de ensino superior particulares. E, após a formatura, os estudantes precisam pagar a dívida acumulada durante toda a graduação, com condições de juros específicas.
Em 2024, o governo Lula (PT) expandiu o programa com a criação do Fies Social, que oferece financiamento integral para estudantes pertencentes a famílias com renda per capta de até meio salário mínimo que estejam inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Para este ano, 50% das vagas disponíveis serão para o Fies Social.
Endividamento entre os formados
Ao longo de seus 26 anos de existência, o Fies foi a única alternativa de acesso à graduação para milhares de brasileiros, em especial aqueles de famílias mais pobres, das quais nenhum membro havia tido a oportunidade de ingressar no ensino superior antes. Em contrapartida, no entanto, o Fundo de Financiamento também foi o responsável por uma enorme taxa de endividamento entre esses estudantes.
No primeiro semestre de 2024, 50% dos 2,6 milhões de contratos ativos do Fies estavam em inadimplência, acumulando um montante de R$ 114,2 bilhões em dívidas de beneficiários do programa. O cenário não é novo, durante a pandemia de covid-19, no ano de 2020, por exemplo, o Fies alcançou o maior índice de inadimplência de sua história, com 54.3% dos contratos sem pagamento.
Demitida durante a pandemia, a fisioterapeuta Ilse Silva, de Recife (PE), contou sobre sua experiência de endividamento com o programa, em entrevista à BBC News Brasil: “Em 2013, a oportunidade de fazer um curso superior por meio do Fies era a realização de um sonho, de ser inserido no mercado de trabalho com nível superior. Mas hoje, sem perspectiva nenhuma de trabalho, de nada, o Fies se tornou um acúmulo de dívida". À época, seu marido, formado em Engenharia de Produção, enfrentava a mesma realidade, enquanto trabalhava como motorista para a Uber.
Além da negativação do nome do recém formado e de seus fiadores, a dívida do financiamento também traz outras consequências mais graves, como a inclusão no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados (Cadin) e a impossibilidade de conseguir novos financiamentos públicos, bloqueio de restituição do imposto de renda, ações judiciais e até a penhora de bens.
Com a situação fora de controle, o governo Lula precisou criar, em novembro de 2023, um programa para a renegociação de dívidas, o “Desenrola Fies”, gerido pelo MEC e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que até fevereiro de 2024 já havia renegociado R$ 9 bilhões em dívidas.
Aumento das mensalidades gera evasão
Se o endividamento após a formatura é problema para alguns dos estudantes, para outros esse obstáculo começa ainda durante a graduação. Isso ocorre porque o Fies dispõe de um teto de financiamento para as mensalidades, para o curso de Medicina, por exemplo, é de R$ 60 mil por semestre.
Quando o valor disponibilizado pelo Fies não é o suficiente, devido aos reajustes aplicados pelas instituições privadas, o estudante precisa pagar a diferença, em um sistema de co-participação. Assim, em muitos dos casos, as dívidas começam a ser acumuladas durante ou curso, ou, em situações mais drásticas, o estudante é forçado a abandonar a graduação e pagar o que já foi financiado, mesmo sem se formar.
Baixa qualidade da educação no setor privado e vagas ociosas em instituições públicas não diminuem lucros da educação particular
Outro fator que contribui para a inadimplência entre os formados pelo Fies, é a falta de oportunidade de emprego na área escolhida para a graduação. E isso está ligado, para além do cenário de desindustrialização e desemprego estrutural no Brasil, à falta de compromisso de instituições privadas com um ensino e uma formação de qualidade para seus estudantes.
De acordo com a pesquisa de qualidade do ensino superior no Brasil, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2024, apenas 21% das universidades privadas alcançaram notas satisfatórias, contra 85% das universidades federais, que são públicas.
Ainda assim, a qualidade do serviço oferecido não é um problema para os lucros das instituições privadas. Gigantes do setor, como a Cogna Educação — dona das empresas Saber, Vasta e Kroton — e a Ânima Educação — que reúne 25 empresas de educação —, têm perspectivas de crescimento de 191% e de lucros de R$100 bilhões, respectivamente.
O valor do investimento público direcionado para o setor privado de educação, através das vagas oferecidas pelo Fies em 2025, será de R$774.400 milhões de reais, como aponta resolução do MEC. Por outro lado, porém, as universidades federais sofrem com desinvestimento e falta de estudantes. Em 2023, o Censo do Ensino Superior revelou que quase 40% das vagas em universidades públicas estavam ociosas, enquanto as reposições orçamentárias para essas instituições bateram os R$638 milhões no último ano, valor que corresponde apenas a 25% das perdas de orçamento desde 2015, calculadas em R$2,5 bilhões, de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES).
Leia mais sobre o assunto na nossa matéria "Com apoio do Congresso e do MEC, setor privado de educação segue com perspectivas de crescimento no Brasil".