'Clóvis Moura, rebeliões da senzala e a urgência da construção de uma história popular' (Gustavo Batista)
Clóvis mostra a luta do povo negro brasileiro não como uma luta na qual eram meramente agentes passivos esperando a mudança vir de cima para baixo, mas sim como um agente ativo e consequente.
Por Gustavo Batista para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Saudações a todos, todas e todes os camaradas do PCB-RR. Nessa tribuna quero falar brevemente sobre uma leitura que conclui recentemente, leitura que foi uma virada de chave na minha consciência de classe e que certamente vai ser fundamental para o meu trabalho militante. Se trata do livro rebeliões da senzala, do camarada Clóvis Moura, que foi e é um dos maiores intelectuais orgânicos da história do nosso pais e infelizmente pouco conhecido por razões que envolvem principalmente sua exposição profundamente materialista e dialética das contradições do capitalismo brasileiro. A obra apesar de ser acadêmica não é repleta de termos inacessíveis e fraseologias que tornam impossível a imersão do leitor na obra, é, na verdade bastante acessível e profundamente rigorosa do ponto de vista historiográfico. Pois bem, ao longo da obra Clóvis Moura demonstra e desmonta de modo exemplar uma série de mitos criados e sustentados pela burguesia brasileira, mitos esses que são estruturais e estruturantes do modo de produção capitalista no Brasil a partir da extremamente idealizada Lei Áurea de 1888. Lei Áurea que também é analisada com um profundo rigor critico pelo camarada Clóvis, uma vez que expõe todas as contradições do contexto da época e questiona com bases solidas a supervalorização de figuras como princesa Isabel no processo, bem como de outros membros da elite brasileira demonstrando, a partir de uma perspectiva bastante interseccional, como as mais variadas camadas da sociedade já estavam profundamente mobilizadas no sentido da luta abolicionista desde muito antes da “benevolente” coroa brasileira conceder a liberdade aos negros escravizados. Clóvis Moura, como grande intelectual antirracista que foi e é, dá especial atenção aos aquilombados do Brasil e a forma como eles estavam organizados, do nordeste ao sudeste do pais e assumindo posições vanguardistas no sentido de organização da luta contra o império, como na revolta dos Malês, no ano de 1835 em Salvador, que é talvez um dos maiores levantes de escravizados da história do Brasil e que também teve um pano de fundo religioso, já que os negros malês eram islâmicos e estavam fazendo oposição frontal a opressão do império calcada no catolicismo. Ao longo da leitura também tomamos conhecimento da Balaiada, que ocorreu três anos depois no Maranhão e foi liderada por Manoel Francisco dos Anjos e Cosme Bento, uma das mais duradouras da história (1838 a 1841). A Balaiada também se difere de outras revoltas anteriores a proclamação da república por ter sido majoritariamente uma mobilização popular, na qual somaram forças aos escravos os sertanejos que também protestavam contra os grandes proprietários de terra que exploravam de modo brutal suas forças de trabalho. O camarada Clóvis não se restringe apenas a trazer a luz esses e outros fatos históricos que não citarei aqui pois meu objetivo não é fazer uma análise minuciosa da obra e nem deixar a leitura da tribuna maçante para os camaradas, mas também faz apontamentos críticos e observações que podem muito bem ser aproveitadas para o aprimoramento da nossa organização enquanto marxistas-leninistas sem deixar de lado princípios que são fundamentais para o nosso campo, como o centralismo democrático. Um ponto que noto que foi fundamental para a superação do escravismo e para a luta e consequente superação da escravidão por parte dos escravizados, quer estivessem nas senzalas ou nos quilombos, foi a superação de uma lógica tribalista, principalmente entre os aquilombados, já que a organização tribal tem algumas limitações estratégicas e táticas se comparada a outras formas de coletividade mais abertas a eventuais alianças e recuos. O que, retomando a Balaiada, certamente explica o fato de que foi uma revolta expressiva e capaz de abalar as estruturas do escravismo brasileiro e da incipiente classe latifundiária maranhense, uma vez que a unificação da luta entre negros escravizados e sertanejos explorados por proprietários de terra foi fundamental para o sucesso dessa que é uma das maiores revoltas classistas da nossa história. Camaradas, concluo aqui minha tribuna com um apelo que já foi feito em outras tribunas na qual a obra de Clóvis Moura foi mencionada em toda sua potencialidade: leiam Clóvis Moura, pois é um dos intelectuais orgânicos mais necessários do Brasil e especialmente para nós que queremos pavimentar o caminho para fazer a revolução brasileira, uma vez que, partindo de uma análise rigorosamente materialista e absolutamente contraria a qualquer tipo de idealismos burgueses, Clóvis mostra a luta do povo negro brasileiro não como uma luta na qual eram meramente agentes passivos esperando a mudança vir de cima para baixo, mas sim como um agente ativo e consequente, que muito antes da canetada da princesa Isabel já estava lutando pela própria libertação com suas próprias mãos.
Observação final:
Novembro é mês da consciência negra e estamos nos mobilizando para pautar o debate antirracista através de uma perspectiva anticapitalista, já que não existe superação do racismo sem superação do capitalismo. Nesse sentido a obra rebeliões da senzala também pode trazer grandes aprendizados visando a superação do etapismo em nossas fileiras.