'Chovendo no molhado: Contradições que nos trouxeram até aqui' (William Poiato)

A velha direção desenvolveu um senso de coesão grupal, passando de sua tarefa inicial de manter o “partido vivo” para sua tarefa final: “manter o partido como está”. Simultaneamente, jovens ascendiam nas hierarquias do partido, enriquecendo os debates e acelerando a prática partidária.

'Chovendo no molhado: Contradições que nos trouxeram até aqui' (William Poiato)
"Essa contradição entre base e direção, caracterizada por uma força progressiva e outra regressiva, coloca um desafio diante de todo o movimento comunista nacional, com tendências a se manifestar em todo o ocidente."

Por William Poiato para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Honrados camaradas,

É uma honra estar aqui como ex-dirigente regional do PCB em São Paulo até 2020 para examinar a atual situação da nossa atuação em meio às crises que têm moldado nosso percurso. Correndo o risco de chover no molhado, mando este texto.

Nossa trajetória como partido foi profundamente influenciada pelo cenário global, especialmente pela queda da URSS em 1991, que deflagrou uma ofensiva do capital mundial na forma do Neoliberalismo. No Brasil, isso se traduziu na onda de privatizações e na tentativa de extinguir nosso partido, resultando na criação do PPS e no atual PCB em 1992.

Essa crise impactou negativamente a organização comunista e proletária tanto em escala global quanto nacional. Nos encontrávamos em um período que podemos chamar de "maré baixa", onde o marxismo encontrou refúgio nas universidades e entre os acadêmicos e estudantes do ocidente. Estes acadêmicos catedráticos e burocratas (funcionários do Estado) formaram o partido e suas direções.

Ao revisitar a história, observamos que a trajetória do movimento operário de massas na Rússia, em conexão com o desenvolvimento da social-democracia, passou por três transições notáveis, como ressaltado por Lenin e pelo Partido Revolucionário da URSS. Essas transições abrangeram a mudança de estreitos círculos de propaganda para a ampla agitação econômica entre as massas, seguida pela agitação política em grande escala e, por fim, a verdadeira luta revolucionária direta.

A crise de 2008 e os levantes de 2013 marcaram um novo momento político mundial e local, caracterizado pelo recuo das ideias liberais e pelo avanço do fascismo, simultaneamente ao crescimento, ainda que discreto, entre os comunistas. Esse crescimento impulsionou o PCB a explorar nos últimos anos uma tendência para ampliar e, até mesmo, ultrapassar os restritos círculos de propaganda marxista. Isso inaugurou o que podemos chamar de "transição da transição", situando-se em uma posição intermediária, suspendendo-se entre o estreitamento e a ampliação das atividades.

Contudo, não podemos ignorar a contradição que emerge entre a base, a força progressiva, e a direção, que muitas vezes tende a incluir pequenos burgueses e burocratas, força regressiva. Isso cria uma barreira para o avanço do partido entre as massas operárias, muitas vezes confinando-o a momentos de transição e retornos aos círculos de propaganda. Conformando, nestes termos, uma ala à direita e à esquerda do partido mesmo antes da atual situação e da articulação da "ala esquerda".

Inicialmente, é importante reconhecer que o polo hoje à direita um dia desempenhou um papel progressivo na história do partido, contribuindo, portanto, para a reorganização da classe — foi o grupo responsável por sua estruturação ao longo dos anos. A direção atual e seus seguidores criaram um cenário onde os círculos de propaganda, incluindo livros, palestras e atividades formativas, etc. se tornaram fundamentais. Ao longo de décadas, esse enfoque estabeleceu o partido como uma referência em formação e análises de conjuntura, embora fosse muitas vezes criticado por sua falta de envolvimento prático com as massas e o natural reboquismo que isso gera junto aos reformistas.

O sucesso dessa estratégia, junto à evolução das formas de propaganda ao longo do tempo, deu origem a uma nova geração de propagandistas. Esses jovens adotaram novos meios, buscando superar limitações tanto práticas quanto teóricas. Essa renovação não apenas revitalizou o marxismo dentro do partido, mas também enriqueceu os debates literários e teóricos em âmbito nacional, chegando a atrair atenção internacional em alguns casos. A conjuntura global, marcada pela crise do capitalismo, o avanço do pensamento fascista e o aumento de recrutamento em diversas áreas, culminou na transformação da direção anterior em uma força regressiva.

A velha direção desenvolveu um senso de coesão grupal, passando de sua tarefa inicial de manter o “partido vivo” para sua tarefa final: “manter o partido como está”. Simultaneamente, jovens ascendiam nas hierarquias do partido, enriquecendo os debates e acelerando a prática partidária. Contudo, essa nova geração gradualmente reduziu o monopólio teórico e de liderança da antiga direção, inaugurando, mesmo antes dos eventos que marcaram a atual crise, a sua forma de ação, incluindo perseguições e a interferência no processo congressual e suas teses, por uma fração que se reivindicava ser a direção da direção.

A preocupação exacerbada com divisões internas, a possibilidade de rachas e até o fim do partido, surpreendentemente, gerou o resultado oposto: uma cisão interna e, consequentemente, a divisão em uma fração. O passo subsequente será a derrota para todo o grupo. Em suma, essa mentalidade se transformou em uma força regressiva.

Reconsiderando a discussão anterior, fica evidente que o êxito do “Partido Propagandista” gerou líderes que, ironicamente, trabalhariam para superar a própria política que os formou. Isso define o perfil das lideranças que convocaram o XVII Congresso. A colaboração bem-sucedida desses indivíduos desde 1992 acabou por preparar o terreno para sua eventual derrota.

Essa contradição entre base e direção, caracterizada por uma força progressiva e outra regressiva, coloca um desafio diante de todo o movimento comunista nacional, com tendências a se manifestar em todo o ocidente. Devemos dar o exemplo desta superação dialética. A genialidade de Lenin foi justamente diante da crise, fazer o partido atingir as massas e criar um salto adiante, ou seja, criar a superação dialética!

É importante recordar que as etapas pelas quais o partido bolchevique passou não precisam ser encaradas como uma trajetória obrigatória. Podemos pensar esses momentos como fenômenos do passado, cujas transições se assemelham à nossa própria experiência brasileira.

Neste ponto, permitam-me concluir. A luta é árdua, porém, à medida que navegamos por águas turbulentas, devemos lembrar que nossa dedicação à causa é a força motriz que nos conduzirá à superação de desafios e à concretização de nossa visão comunista. Viva o PCB-RR e a luta incansável do proletariado!

Muito obrigado.