'China: um socialismo imperialista?' (Yuri Miyamoto)
Se seguimos o marxismo-leninismo e acreditamos que ele é a ciência do proletariado, é uma contradição aprovar nossas teses baseando-nos apenas na aparência das coisas
Por Yuri Miyamoto para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Escrevo esta tribuna após o fim da etapa regional de São Paulo de nosso Congresso que, a meu ver, aprovou duas teses contraditórias entre si: (1) a China é um país imperialista e (2) a transição da China para o capitalismo não está completa.
Se a China não completou sua transição para o capitalismo, assume-se, então, que, desde a fundação da República Popular da China (RPC), o país nunca mais se tornou capitalista. Porém, dentro da teoria do marxismo-leninismo, o imperialismo é uma etapa superior do capitalismo. Como é possível um país socialista ter se tornado imperialista?
O único motivo para essas duas teses terem sido aprovadas é porque temos militantes que acreditam realmente nessa possibilidade de um país socialista tornar-se imperialista. Contudo, tal teoria nunca foi apresentada nesta tribuna de debates. Solicito a esses camaradas que, se pretendem aprovar tais teses nacionalmente, apresentem a formulação de tal teoria para compreendermos esse novo conceito de socialismo/imperialismo.
Apesar de estar aberto ao convencimento do contrário, não acredito em tal teoria. Creio, na verdade, que tais teses foram aprovadas por falta de acúmulos dos delegados de nosso estado sobre tal questão. Assim, acabamos aprovando as teses que aparentemente mostravam-se verdadeiras. Porém, camaradas, não custa lembrar que “toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas”. Portanto, se seguimos o marxismo-leninismo e acreditamos que ele é a ciência do proletariado, é uma contradição aprovar nossas teses baseando-nos apenas na aparência das coisas.
Como acredito que a RPC é até hoje um país socialista, defendi nesta etapa de São Paulo o seu caráter não imperialista. Até hoje, não havia enviado nenhuma tribuna sobre o tema por ter considerado que não tenho muito acúmulo sobre a RPC, já que acredito que estudei apenas o básico sobre o país. Porém, a partir dos debates que ocorreram durante as defesas das teses nessa etapa, passei a acreditar que minhas contribuições podem ajudar alguns camaradas a compreenderem melhor as questões dessa polêmica. Assim, aproveito essa tribuna para também apresentar meus argumentos para explicar os motivos para a RPC estar inserida no topo da cadeia imperialista mesmo não sendo um país imperialista.
Condições para um Estado socialista tornar-se capitalista
Um dos argumentos apresentados durante a plenária final defendendo que a China é imperialista foi o retrocesso que o Partido Comunista da China (PCCh) e o socialismo no país sofreram nas últimas décadas.
Porém, se considerarmos que todo recuo na política de um governo socialista significa o fim do socialismo nesse país, temos que rever nossa compreensão sobre o socialismo em outros países além da China. Cuba, por exemplo, não seria mais um país socialista já que o Partido Comunista de Cuba (PCCu) vem seguindo uma política cada vez mais rebaixada do ponto de vista internacional. Na Venezuela, o Partido escolheu aliar-se ao PSUV que cassou a candidatura do Partido Comunista da Venezuela (PCV) na eleição deste ano e, em 2022, denunciou os protestos dos trabalhadores do Cazaquistão contra o aumento de 100% no preço dos combustíveis como “atos de violência instigados pelo exterior para subverter a ordem interna e desestabilizar o governo constitucional desse país amigo”. No entanto, mesmo com essas posições do PCCu, é um absurdo considerarmos que Cuba não é um país socialista.
Além disso, por mais que a União Soviética tenha adotado políticas rebaixadas em vários momentos antes de sua dissolução, consideramos que o país deixou de ser socialista apenas em 25 de dezembro de 1991. Inclusive, é possível colocarmos uma data para o fim do socialismo em todos os países socialistas que concluíram sua transição para o capitalismo e por mais que essas nações já estivessem tomando políticas rebaixadas ou sofrido com graves perdas, a conclusão dessas transições sempre foram acompanhadas por movimentos e golpes contrarrevolucionários, fossem eles extremamente violentos ou não. Trago aqui alguns desses exemplos:
República Democrática Alemã (RDA): O fim do socialismo no país não ocorreu com a destituição de Erich Honecker nem com a destruição do Muro de Berlim, mas sim com a eleição de Helmut Kohl nas eleições gerais de 18 de março de 1990 que reunificou o país destruindo toda economia socialista da RDA. Até essa data, mesmo que em completo caos nos últimos meses, a RDA ainda era um país socialista.
República Popular de Moçambique: A República foi fundada em 1975 pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), liderada por Samora Machel, após obter a independência de Portugal. A partir de 1980 o país começou a sofrer com uma guerra civil liderada pela Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) que recebeu financiamento da África do Sul e Inglaterra. A guerra só terminou com a promulgação da nova constituição no país, que mudou o nome dele para República de Moçambique, criou eleições livres com um sistema multipartidário e uma economia baseada no livre mercado, em 1990. O país sofria com reformas políticas que visavam transformar o país em um país capitalista desde a morte de Machel, em 1986, porém ele foi socialista até a consolidação dessa constituição de 01 de dezembro de 1990.
República Popular da Mongólia: Foi a segunda república socialista do mundo, fundada em 1924. Em 1990, com a crise na RDA, URSS e outros países socialistas do leste europeu, diversas manifestações exigindo eleições livres ocorreram no país, o que resultou na renúncia do Partido Popular da Mongólia. O novo governo provisório organizou as eleições livres exigidas quando o Partido Popular da Mongólia voltou ao governo vencendo-as. Porém, o Partido mudou sua política, dirigindo seus esforços para a promulgação de nova constituição, consolidada em 13 de janeiro de 1992, que retirou os termos “República Popular” do nome do país, criou o direito à propriedade privada e tirou poder do Estado em intervir em alguns setores da economia. Até a promulgação dessa constituição, a Mongólia ainda era um Estado socialista.
Considero inegável o rebaixamento nas políticas chinesas que causam um afastamento cada vez maior do socialismo. No entanto, não consigo encontrar uma data para o momento exato em que essas políticas concluíram a transição do país de volta ao capitalismo. No século passado tivemos diversos exemplos concretos para analisarmos como se dá a transformação de um país socialista em um capitalista. Não tenho acúmulo sobre todos eles, mas pelos que conheço, me parece que a China seria uma exceção por ter feito essa transição unicamente através de contrarreformas políticas constantes sem tentativas de golpes contrarrevolucionários. Como marxista-leninista, considero impossível um país capitalista tornar-se socialista através de reformas constantes, por isso, é estranho para mim acreditar na teoria de que o oposto possa acontecer.
Socialismo Real é diferente do Socialismo
Uma das polêmicas debatidas na plenária regional de São Paulo foi se Cuba era um país socialista ou não. Um dos argumentos que os camaradas utilizaram para defender que Cuba não era socialista foi que o país não tem o fim das classes sociais e do Estado como seu objetivo político e, portanto, não estaria caminhando em direção à sociedade comunista. Os camaradas estavam certos ao afirmar que nesses termos Cuba não poderia ser considerada socialista, já que desde textos clássicos do marxismo é definido que o socialismo é apenas a etapa intermediária entre o capitalismo e o comunismo. O erro dos camaradas foi desconsiderar que quando afirmamos que Cuba é um país socialista, estamos reconhecendo ela como uma experiência do Socialismo Real e não como uma experiência socialista como nos textos clássicos.
O termo Socialismo Real surgiu para defender a União Soviética como uma experiência socialista. Por ter que existir em um mundo onde poucas nações haviam realizado revoluções socialistas, o país nunca teve condições de chegar perto de acabar com o Estado e muitas vezes precisou recuar em sua linha política, isso fez com que muitos ditos marxistas recusassem a reconhecer o país como exemplo de experiência socialista. Hoje, vivemos em um mundo onde a maioria da população vive em países não socialistas, é impossível que qualquer país que tente construir uma economia socialista consiga caminhar em direção ao fim do Estado. Não teremos o fim das classes sociais e dos Estados enquanto a maioria da população mundial viver em países de economia capitalista.
Existe uma grande diferença entre o Socialismo Real e o socialismo descrito em clássicos do marxismo (que chamarei aqui apenas de Socialismo):
Enquanto o objetivo do Socialismo é a destruição de todas as classes sociais a partir da destruição da classe burguesa, o objetivo do Socialismo Real é sobreviver.
Foi por ter falhado nesse objetivo que tantos Estados socialistas foram destruídos nas décadas 1980 e 1990 do século passado. E foi para cumprir esse objetivo que outros Estados se adaptaram.
A União Soviética rebaixou muito sua linha política logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Além de firmar alianças com países imperialistas, incentivou que outros partidos comunistas aliados buscassem alianças com suas “burguesias nacionais”. Essas políticas rebaixaram a linha política de diversos partidos comunistas no mundo inteiro o que pode ter impedido a revolução em muitos países, porém também pode ter sido essa política que permitiu a URSS sobreviver por mais quase meio século mesmo após perder 30 milhões de sua população na Guerra.
A República Democrática da Coreia sobrevive hoje tendo um dos maiores e mais modernos arsenais militares do mundo, mesmo sendo um país de pouco mais de 25 milhões de habitantes.
Cuba sobrevive sendo a maior exportadora de médicos do mundo e uma das nações mais avançadas em termos de saúde. Isso lhe permite, mesmo sofrendo com um longo e violento embargo, ter boas relações diplomáticas com diversos outros países, inclusive, imperialistas.
O caminho que a República Popular da China escolheu para sobreviver foi adaptando sua economia à economia capitalista o que a levou a se inserir drasticamente na cadeia imperialista atual.
Como consequência direta desse objetivo de sobrevivência do Socialismo Real, contraditoriamente, esses países, em diversos momentos de suas histórias, priorizaram os interesses particulares do proletariado de seu país em detrimento aos interesses do proletariado internacional. Para o Socialismo tal priorização é um absurdo total, porém, parece ser uma regra comum dentro do Socialismo Real.
Logo após a consolidação da Revolução Russa de 1917, Lenin e os bolcheviques tinham convicção de que aquela seria apenas a primeira revolução socialista da Europa. Assim, o esforço dos bolcheviques nesse primeiro período foi para assegurar o sucesso de uma revolução em algum destes países. Porém, com o esmagamento da Revolução Alemã, a tática bolchevique precisou se adaptar para garantir que a Rússia não sofresse uma contrarrevolução e ainda existisse quando uma nova situação revolucionária surgisse na Europa. Lenin defende justamente que a tática do proletariado precisa mudar em momentos onde existem ou não situações favoráveis às revoluções.
Contudo, a necessidade de sobreviver em um mundo onde o imperialismo se fortalecia cada vez mais, fez com que a tática do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) priorizasse cada vez mais os interesses do proletariado de seu país em detrimento aos interesses do proletariado mundial. Foi por não reconhecer isso que diversos Partidos Comunistas do mundo, entre eles o PCB, cometeram erros estratégicos vitais nas décadas posteriores à segunda guerra mundial, buscando alianças com burguesias nacionais. Tais alianças eram de interesse do proletariado soviético que precisava de um momento de paz mundial para conseguir reconstruir sua nação, mas não eram de interesse ao proletariado de outros países, pois elas acabaram apenas fortalecendo ainda mais o poder burguês nesses locais.
Desde a Revolução de 1959, Cuba foi um dos países que melhor praticou o internacionalismo proletário, seja enviando mantimentos e médicos ou armas e soldados para ajudar a todos os povos do mundo que buscavam sua libertação. Apesar do envio de médicos ainda ser uma política prioritária do país, há décadas que Cuba não envia seus soldados para ajudar outros povos. A necessidade de sobrevivência e priorização dos interesses de seu proletariado em detrimento ao proletariado mundial explica também esse recuo na política internacionalista de Cuba.
Assim, o que torna a República Popular da China uma experiência de Socialismo Real singular não é sua falta de internacionalismo proletário. Apesar de a RPC, nas últimas décadas, ter apenas priorizado os interesses de seu proletariado em detrimento aos interesses do proletariado internacional independentemente da existência ou não de situações favoráveis à revoluções, não foi essa nação quem criou essa política. Ela foi um desenvolvimento do Socialismo Real frente à sua necessidade de sobrevivência em um mundo onde o imperialismo se fortalecia cada vez mais.
O que torna a RPC uma experiência singular do Socialismo Real?
Todos os países que realizaram uma revolução socialista sofreram, em algum momento, algum nível de embargo econômico por parte das nações imperialistas europeias e norte-americanas.
Todas essas nações buscaram, em algum momento, acabar com os embargos e sanções econômicas por meio de negociações diplomáticas. É por isso que Raúl Castro recebeu Barack Obama em 2016 e que Kim Jon Un recebeu Donald Trump em 2019.
A República Popular da China sofreu um dos embargos mais violentos da história do século XX. No início de sua fundação, a RPC tinha apenas o excedente de trabalho de seus operários e camponeses para se industrializar. Não existiam grandes condições para a obtenção de financiamentos externos a partir de nenhuma potência mundial. Os EUA que eram o único país capaz de financiar o desenvolvimento e reconstrução de outros países seguiam a linha política de “duas Chinas” e bloqueavam o comércio com o governo da RPC.
Já a URSS mesmo quando ainda mantinha boas relações diplomáticas com a RPC, tinha sua própria limitação na ajuda a esse país, pois a nação que buscava a própria reconstrução no pós-guerra. A divergência na estratégia dessas duas nações, onde a URSS defendia a coexistência pacífica com países imperialistas e a RPC defendia apoiar movimentos de libertação nacional que pipocavam em diversos países no mundo, fez com que esses duas nações rompessem suas relações diplomáticas. Na década de 1960, mal chegava a 30 a quantidade de países que a RPC conseguia manter relações diplomáticas.
As políticas como o Grande Salto Adiante (1958-1960) e a Revolução Cultural (1966-1976) foram implementadas no país como uma maneira de desenvolver a nação mesmo em meio a esse isolamento mundial. Paradoxalmente, a RPC conseguiu melhorar suas relações diplomáticas com outros países durante o período da Revolução Cultural: em 1969 já mantinha relações diplomáticas com mais de 50 países e em 1976, último ano em que a política esteve em vigor, as relações se estendiam a mais de 100 outras nações. As relações do país com os EUA foram retomadas em 1972, com o reconhecimento da China como “um só país”, o país ainda era governado por Mao Zedong nessa época.
Ironicamente, a política de coexistência pacífica com países imperialistas e subjugados ao imperialismo passou a ser uma política cada vez mais forte na RPC na década de 1970. Por isso, que quando ocorreu o golpe militar contra o governo de Salvador Allende, em 1973, a RPC foi um dos poucos países socialistas a não romper relações diplomáticas com o Chile.
As grandes mudanças políticas que ocorreram na RPC nas décadas seguintes foram consequências da mudança de rumo do PCCh após seu XI Congresso, em 1977, um ano após a morte de Mao Zedong. O foco governamental do Partido que se baseava na luta de classes, foi direcionado para as “quatro modernizações” (indústria, agricultura, defesa nacional e ciência e tecnologia). Essa linha estratégica venceu utilizando-se as teorias e trabalhos práticos de Mao Zedong e não negando-o, como se acredita no senso comum.
Para cumprir os objetivos da nova política das quatro modernizações, a RPC entrou na década de 1980 com um amplo leque de políticas de reformas econômicas e de modernização. A avaliação histórica dos 30 anos de existência da nação, levou o país a decidir pela ampliação das relações econômicas com outros países do globo e aprofundar a política de coexistência pacífica. Assim, nessa década conseguiu atrair investimentos de países imperialistas ao país e na década de 1990, após a destruição da URSS, retomou relações diplomáticas e econômicas com os países que faziam parte ou eram alinhados a essa primeira nação socialista.
Mesmo quando adotou a política de coexistência pacífica, a URSS ainda tinha grandes dificuldades em manter relações econômicas e diplomáticas com diversos países no mundo e precisou adotar sua política econômica para sobreviver em meio a esse revés. Se considerarmos apenas o boicote dos mais de 60 países, entre eles EUA e China, aos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou, teremos pelo menos um terço dos países do mundo que não tinham fortes relações diplomáticas com a União Soviética.
Hoje, mesmo com acirramentos nas relações diplomáticas com os EUA e a Europa Ocidental, a RPC não sofre embargo de nenhum país. Portanto, se considerarmos que a RPC é uma experiência do Socialismo Real, ela será a única experiência que conseguiu, em toda a história, existir sem ter que enfrentar o embargo dos países imperialistas.
É devido a sua forte relação econômica com diversos países do mundo e, consequentemente, a impossibilidade de sofrer um embargo econômico consequente por parte dos países imperialistas, que tornam a República Popular da China um caso excepcional de Socialismo Real.
A URSS, a RDA, Cuba, República Popular Democrática da Coreia (RPDC), Iugoslávia, entre outros países socialistas nunca se inseriram fortemente na cadeia imperialista mundial devido ao boicote dos países imperialistas, principalmente, dos EUA, não pelo boicote contrário. Experiências de Socialismo Real só tornaram-se ilhas isoladas do comércio e da cadeia imperialista mundial por escolha dos países imperialistas e não o contrário.
Em diversos momentos de sua história a URSS tentou melhorar as relações diplomáticas com os EUA, justamente, para que pudesse melhorar suas relações comerciais. A melhora das relações comerciais entre URSS e EUA teria resultado na inserção desse país na cadeia imperialista mundial. Caso fossem consolidados os acordos que Cuba e Coreia tentaram com os EUA nos últimos anos e o bloqueio econômico a esses países fossem encerrados, teríamos esses países inserindo-se na cadeia imperialista mundial. Inclusive, na RPDC, existe uma rede de fast food chamada Samtaesong da rede de franquias Waffletown de Singapura. A inserção desses países na cadeia imperialista faria com que esses países deixassem de ser socialistas?
Por não ter sofrido grandes embargos e bloqueios econômicos desde a década de 1990, o constante crescimento das forças produtivas na República Popular da China, permitiu à nação alterar sua posição na cadeia imperialista mundial. O país foi da base ao topo da cadeia. Deixou de ser uma nação de produção primária para chegar à posição de exportadora de tecnologia a ponto de, hoje, conseguir entrar na competição, em alguns ramos, com os países imperialistas.
Questiono a meus camaradas que têm certeza da existência do imperialismo chinês e da transição completa desse país ao capitalismo: se a China não tivesse tido a capacidade de mudar sua posição na cadeia imperialista, estaríamos debatendo seu caráter socialista? Só reconhecemos como experiências do socialismo real aqueles países que são pobres e passam por claras dificuldades para sobreviver em um mundo imperialista?
Questiono também o que esperam da Revolução Brasileira e como sobreviveremos se ela acontecer em um mundo onde ainda teremos a maioria dos países em regimes econômicos capitalistas: se tivermos a opção, manteremos nossa posição atual na cadeia imperialista? Iremos nos impor um “autoembargo” e pularemos para fora dessa cadeia, cortando relações com todos os países imperialistas? Não tentaremos exportar tecnologia a outros países para fortalecer nossa indústria e economia nacional ou propõem que entreguemos tudo de graça para esses países que já sofrem com suas condições de dependência presos na cadeia imperialista atual? E se não pudermos escolher, sofrermos boicotes, embargos e sanções das nações imperialistas, não faremos nenhum esforço para nos reinserir no comércio e na cadeia imperialista global?
Conclusão
A URSS foi acusada de ser, na verdade, uma nação imperialista por diversos grupos ditos marxistas. Os argumentos que tiveram maior disseminação pelo mundo surgiram de grupos que hoje reconhecemos como trotskistas e/ou eurocomunistas. Muitos argumentos tiveram respaldo na realidade, como a invasão militar da União Soviética a outros países, o fortalecimento de relações diplomáticas e comerciais com países que passavam por regimes ditatoriais, o não alinhamento à outras nações socialistas, o não financiamento ou envio de tropas para ajudar forças de libertação nacional de alguns países, entre outros. Porém, hoje, e em diversos momentos de nossas teses, apresentamos uma avaliação e visão crítica às teorias formuladas por esses grupos.
Vejo as defesas da tese de que a República Popular da China é um país imperialista como uma grande compilação que almeja apenas mostrar como ela se encaixa em uma lista de características que outros países imperialistas se encaixam. Porém, esse checklist ignora as grandes diferenças que a RPC tem com esses países. Não encontrei nenhuma teoria que buscou explicar essas diferenças. Aliás, o único argumento que vi alguém apresentar para nos explicar porque o imperialismo chinês é tão diferente do estadunidense é afirmando que o imperialismo inglês da década de 1920 também era diferente do imperialismo estadunidense atual, ora pelo o que eu saiba nem a Inglaterra, nem os EUA foram socialistas em nenhum momento de sua história.
Para todo marxista-leninista é muito evidente que a URSS foi um país socialista até sua destruição em 1991, e por isso nunca pode ter sido um país imperialista. A rápida mudança na economia dos países que compunham explicitou que o capitalismo nunca havia sido restaurado até ela. Por mais rebaixadas e recuadas que fossem as políticas internas ou internacionais da União Soviética, em diversos momentos de sua história, elas nunca chegaram perto do rebaixamento que foi a verdadeira restauração do capitalismo na nação, ocorrida apenas em 1991.
Não nego que a República Popular da China cumpre a maioria dos atributos que usamos para caracterizar um país imperialista. Inclusive, a RPC invadiu militarmente e iniciou uma guerra contra o Vietnã, em 1979, se querem mais um check em suas listas. Porém, se tomarmos nossas decisões apenas por essas características dessas listas não conseguiremos superar a aparência das coisas, cometeremos os mesmos erros dos antigos grupos ditos marxistas que consideraram a URSS imperialista e, muito provavelmente, aprovaremos em nossa plenária final nacional esse paradoxo aprovado na plenária de São Paulo: a RPC ser um país imperialista ao mesmo tempo que não concluiu sua transição ao capitalismo.
Não me importo que a tese contrária à que defendo aqui vença o Congresso. Ter em nossas teses as afirmações de que a RPC é hoje um país capitalista e imperialista não será o fim de nosso Partido. Caso ela seja aprovada, defenderei essa tese o mais ampla e fortemente possível. Inclusive, como membro da redação de nosso Órgão Central, poderei escrever artigos e matérias defendendo e retificando-a. Faria isso mesmo considerando-a um erro.
O que me importa é que o Partido siga o marxismo-leninismo. Pois, o marxismo-leninismo é uma ciência e, como em toda ciência, seu critério da verdade é a prática. Assim, se eu considero que a tese de que a RPC é capitalista e imperialista errada, para que ela seja corrigida em congressos futuros, o melhor que posso fazer é defender e aplicar essa tese da maneira mais eficaz possível. Pois, quanto mais eficientemente aplicada, mais rapidamente suas consequências irão se manifestar. Se ela estiver verdadeiramente equivocada, como acredito, essas consequências nos trarão prejuízos que precisarão ser superados sem demora, o que nos obrigará a revisá-la.
Porém, não tenho capacidade de defender e aplicar uma tese que carece de teoria. Afirmar que a RPC é imperialista apenas porque ela preenche uma determinada lista de características não nos livrará da necessidade de uma teoria que explique esse “imperialismo chinês”. Precisaremos explicar não só como um país socialista pode ter se tornado imperialista, mas também porque nenhum outro país socialista nunca se tornou e, principalmente, como um país da base da cadeia imperialista conseguiu subir até seu topo? Até mesmo o Japão sofreu sanções e ataques econômicos quando começou a mudar sua posição nessa cadeia. Por que isso foi diferente com a RPC?
Enfim, camaradas, não me importo que discordem de mim. Só desejo que baseiem suas posições em uma teoria que se encaixe dentro do marxismo-leninismo e não só em um checklist de características que todos já cansamos de ouvir.