'Um chamado às feministas classistas do PCB' (Portolani, Pelucci e Cohan)

[..] Infelizmente, ainda pode dizer-se de muitos camaradas: ‘Raspa um comunista e encontrarás um filisteu!’ Evidentemente, deve-se raspar no ponto sensível: em sua concepção sobre a mulher.”
Vladmir I. Lênin

Por Maria Fernanda Portolani, Erica Pelucci e Natascha Cohan para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

O partido passa por uma crise incontornável. A degeneração do centralismo-democrático com vistas a efetivar um projeto político muito aquém do deliberado no congresso, ao mesmo tempo em que reforça lugares de poder intra partidários, pode ser sentido cotidianamente pelas militantes feministas classistas do complexo partidário. Seja pelas denúncias de assédio moral e sexual que são congeladas quando o assediador é um dirigente importante, seja pelas formações feministas abertas ao complexo serem esvaziadas ou consideradas de menor importância já que muitos a entendem como reivindicações identitárias nas pautas de luta da classe trabalhadora ou pela forma como se expressam as relações com as mulheres dentro do organismo partidário.

Ao nos debruçarmos com mais cuidado sobre o último item em questão, é imperioso observar que as relações de poder estabelecidas no seio da classe trabalhadora, também se explicitarão dentro do complexo partidário. Como um partido de vanguarda, enquanto um operador político necessário para a construção de um destacamento da classe trabalhadora com uma contínua consciência para si (com menores inflexões da consciência como são observadas na massa da classe trabalhadora), sua função primordial é a educação de sua classe. Para isso, a forma organizativa partidária é de suma importância para uma consciência de classe avançada dentro do complexo partidário.

O centralismo-democrático prevê uma democracia total do debate político, desde que este não interfira na unidade de ação. É através do debate franco e fraterno, no qual se leva em consideração o argumento e não quem o proferiu, que se formulam sínteses novas, favorecendo o avanço cada vez maior da consciência para si.

Quando o centralismo democrático se degenera, é sintomático o recuo da consciência do destacamento da nossa classe. Deixamos de ser um partido de vanguarda, para ter em nossas fileiras, em maior ou menor grau, esse destacamento da classe com uma consciência parecida ao da massa da classe trabalhadora, se diluindo o sentido de vanguarda.

Se a forma organizativa está resguardada, é possível avançar na formulação da teoria e prática marxista em relação à luta das mulheres trabalhadoras, além de proporcionar a oportunidade de se construir novas formas de relações internas em que as condutas machistas e pequeno burguesas sejam cada vez menores dentro do complexo partidário.

Quando o centralismo-democrático das organizações está degenerado, o que temos é o esvaziamento do diálogo com as bases e, com isso, um espaço político propício à reprodução do machismo e misoginia. Podemos identificar facilmente o fato, quando as mulheres têm suas falas cerceadas frequentemente, quando são desconsideradas ou mesmo tuteladas por figuras consideradas com prestígio político dentro do complexo partidário.

Devemos lembrar que a luta das mulheres trabalhadoras é também pela construção do seu protagonismo político, o que deve ser garantido por um partido que se diz revolucionário.  Essa luta não deve ser resumida a apenas uma das pautas importantes que temos de enfrentar como classe trabalhadora. O partido deve garantir que suas instâncias proporcionem esse protagonismo. As mulheres devem ter liberdade para construir sua participação política na história da classe trabalhadora, através de debates democráticos, sem ter que provar a todo instante que sua luta está relacionada com as demandas de sua classe.

Sabemos que a classe tem raça e gênero, e quando falamos sobre as mulheres trabalhadoras estamos falando em duplas e triplas jornadas de trabalho, incluindo um trabalho doméstico não visto e não pago, trabalho de cuidado com todas as pessoas da família, opressões múltiplas, riscos de feminicídio em um país que mais mata mulheres como o nosso, assédios sexuais e morais em todos os ambientes (incluindo o de trabalho), adoecimentos mentais, e não obstante, a desconsideração de seu trabalho político e sua formação.

Para nós, comunistas, essa luta é uma luta de toda classe.

Por isso, camaradas, fazemos um chamado a todas vocês. Apesar de fazermos história, não a fazemos como queremos. A crise está instalada e promove mudanças. Todas nós sabemos o tanto que lutamos e por quanto tempo lutamos. Quantas foram expulsas, afastadas, tiveram sua saúde mental extremamente abalada, foram isoladas politicamente, para que nada mudasse. Passamos por tudo isso por entendermos que a luta interna era possível. Mas a contradição chegou a tal intensidade que a instalação da crise foi inevitável. Não há outra forma de luta das mulheres da classe trabalhadora, que não seja como parte protagonista da história. E a faremos reconstruindo um instrumento político tão importante. Se temos a chance de reconstruir uma organização partidária, que esta leve verdadeiramente a luta feminista classista em suas veias vermelhas. Nós não perderemos mais nenhuma de nós.

PELA RECONSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA DO PCB!