Carta para Bogdánov e Gusev

Precisamos de forças jovens. Eu sou a favor de fuzilar no ato qualquer um que tente dizer que não há ninguém à disposição. Na Rússia há uma legião de pessoas, tudo o que temos a fazer é recrutar jovens de forma mais ampla e ousada, e novamente de forma mais ampla e mais ousada, sem temê-los.

Carta para Bogdánov e Gusev
Lênin e manifestação (1919), de Isaak Brodsky

Vladímir Ilitch Uliánov Lênin

Escrita em 2 de fevereiro de 1905. Transcrito da coletânea O Centralismo democrático de Lênin, Lavrapalavra, 2021, p. 159-163.


11 de fevereiro de 1905

Rakhmetov, Khariton [1]

Ontem enviei um telegrama sobre meu consentimento às suas alterações, embora discorde enfaticamente com o que pude deduzir de sua carta. Mas estou tão farto dessa procrastinação, e suas perguntas pareciam tanto uma zombaria, que simplesmente desisti, pensando: se ao menos eles fizessem alguma coisa! Se ao menos dessem notícias do Congresso, qualquer tipo de notícia, desde que o fizessem, ao invés de apenas falar sobre isso. Você ficará surpreso com o meu uso da palavra zombaria. Mas pare e pense: há dois meses, enviei meu projeto a todos os membros do Bureau. Nenhum deles se interessa ou acha necessário discuti-lo. E agora – [estamos] por um fio... Que bonito: falamos de organização, de centralismo, embora na verdade haja tanta desunião, tanto amadorismo até entre os camaradas mais próximos do centro, que dá vontade de largar tudo com nojo. Basta olhar para os Bundistas: eles não tagarelam sobre o centralismo, mas cada um deles escreve para o centro semanalmente e, portanto, o contato é realmente mantido. Você só precisa pegar o Poslednie Izvestia [2] para ver este contato. Nós, no entanto, estamos emitindo o sexto número sem que ainda um de nossos editores (Rakhmetov) tenha escrito uma única linha, seja sobre ou para o Vperiod. Nosso povo “fala” de extensas conexões literárias em São Petersburgo e em Moscou, e das jovens forças da maioria, enquanto nós aqui, dois meses após o lançamento do convite à colaboração (o anúncio de Vperiod e uma carta relacionada a ele), não vimos ou ouvimos nada deles. Os comitês russos (Cáucaso, Níjni-Nóvgorod, para não falar da região do Volga ou do sul) consideram o Bureau um “mito", e com plena razão. Nós “ouvimos” de estranhos sobre algum tipo de aliança entre o Comitê da Maioria de São Petersburgo e um grupo de mencheviques, mas de nosso próprio povo nenhuma palavra. Recusamo-nos a acreditar que os bolcheviques possam ter dado um passo tão imbecil e suicida. “Ouvimos” de estranhos sobre uma conferência de social-democratas e a formação de um “bloco”, mas nenhuma palavra do nosso próprio povo, embora haja rumores de que se trata de um fait accompli [fato consumado]. Evidentemente, os membros da maioria estão ansiosos para serem sobrepujados novamente.

Nossa única força reside na franqueza aberta, na solidariedade e na investida enérgica. Mas as pessoas, ao que parece, amoleceram agora que temos uma “revolução”! Em um momento em que a organização é necessária cem vezes mais do que nunca antes, elas se cegam para os perturbadores. É evidente a partir das mudanças propostas no projeto da declaração e na convocação do Congresso (apresentadas na carta de forma tão vaga que chega a ser quase incompreensível) que a “lealdade” foi colocada em um pedestal. Papasha [3] na verdade usa essa palavra, acrescentando que se os centros não forem mencionados, ninguém virá ao Congresso! Pois bem, senhores, posso apostar que, se for assim que vão agir, nunca farão um congresso e nunca escaparão das garras dos bonapartistas do Órgão Central e do Comitê Central. Convocar um congresso contra os órgãos centrais, nos quais se expressou a falta de confiança, convocar este congresso em nome de um bureau revolucionário (que, se quisermos prestar homenagem servil às regras leais do partido, é inexistente e fictício), e reconhecer o direito incondicional dos nove bonapartistas, da Liga (ha! ha!) e das criaturas bonapartistas (os comités recém-formados) de comparecer a esse Congresso, significa nos tornarmos ridículos e perdermos todo o direito ao respeito. Os centros podem e devem ser convidados, mas conceder-lhes o estatuto de voto é, repito, uma loucura. Os centros, é claro, não virão ao nosso Congresso de qualquer maneira; por que dar a eles outra chance de cuspir na nossa cara? Por que essa hipocrisia, esse jogo de esconde-esconde? É uma vergonha! Proclamamos uma divisão, chamamos os vperiodistas para um congresso, queremos organizar um partido vperiodista e estamos rompendo, cindindo imediatamente toda e qualquer conexão com os desorganizadores – mas eles ainda falam em lealdade, fingem que um congresso conjunto do Iskra e do Vperiod é possível. Que farsa! Logo no primeiro dia, na primeira hora do Congresso (se ele ocorrer), sem dúvida irá se fechar a cortina sobre esta farsa; mas até lá, tal engano pode nos causar danos incalculáveis.

Muitas vezes penso que 9/10 dos bolcheviques são na verdade formalistas patéticos, absolutamente incapazes de lutar. De bom grado daria todos eles para Mártov. Ou devemos reunir todos os que estão dispostos a lutar em uma organização realmente forte e com este partido pequeno, mas forte, aniquilar aquele monstro em expansão, os elementos heterogêneos do novo Iskra, ou provaremos por nossa conduta que merecemos ser afundados por sermos formalistas desprezíveis. Como é que as pessoas não entendem que, antes do Bureau e antes do Vperiod, fizemos tudo o que podíamos para preservar a lealdade, para salvar a unidade, para salvar os métodos formais, ou seja, superiores de resolução de conflitos?! Mas agora, depois do Bureau, depois do Vperiod, a divisão é um fato. E quando a separação se tornou um fato, tornou-se evidente que materialmente éramos muito mais fracos. Ainda temos que converter nossa força moral em força material. Os mencheviques têm mais dinheiro, mais literatura, mais meios de transporte, mais agentes, mais “nomes” e um quadro maior de colaboradores. Seria uma infantilidade imperdoável não ver isso. E se não queremos apresentar ao mundo o repulsivo espetáculo de uma velha solteirona ressecada e anêmica, orgulhosa de sua estéril pureza moral, então devemos entender que precisamos da guerra e de uma organização de combate. Somente depois de uma longa batalha, e somente com a ajuda de uma excelente organização, podemos transformar nossa força moral em força material.

Precisamos de fundos. O plano de realizar o Congresso em Londres é extremamente ridículo, pois custaria o dobro. Não podemos suspender a publicação de Vperiod, que é o que implicaria uma longa ausência. O Congresso deve ser simples, breve e com poucos participantes. Este é um congresso para a organização da batalha. Claramente, vocês estão alimentando ilusões a esse respeito.

Precisamos de pessoas para trabalhar em Vperiod. Não somos suficientes. Se não conseguirmos duas ou três pessoas extras da Rússia como contribuintes permanentes, não há sentido em continuar tagarelando sobre a luta contra o Iskra. Panfletos e brochuras são necessários, desesperadamente necessários.

Precisamos de forças jovens. Eu sou a favor de fuzilar no ato qualquer um que tente dizer que não há ninguém à disposição. Na Rússia há uma legião de pessoas, tudo o que temos a fazer é recrutar jovens de forma mais ampla e ousada, mais ousada e ampla, e novamente de forma mais ampla e novamente mais ousada, sem temê-los. Este é um tempo de guerra. Os jovens – os estudantes, e ainda mais os jovens operários – decidirão o desenlace de toda a luta. Livre-se de todos os velhos hábitos de imobilidade, de respeito hierárquico e assim por diante. Forme centenas de círculos de vperiodistas entre os jovens e incentive-os a trabalhar a todo vapor. Amplie o Comitê em três vezes, aceitando jovens nele, estabeleça meia dúzia ou uma dúzia de subcomitês, “coopte” toda e qualquer pessoa honesta e enérgica. Permita que cada subcomissão escreva e publique panfletos sem qualquer burocracia (não há mal nenhum se eles cometerem um erro; nós no Vperiod iremos corrigi-los “gentilmente”). Devemos, com velocidade desesperada, unir todas as pessoas com a iniciativa revolucionária e colocá-las para trabalhar. Não tema a sua falta de formação, não tema com a sua inexperiência e falta de desenvolvimento. Em primeiro lugar, se você deixar de organizá-los e incitá-los à ação, eles seguirão os mencheviques e os Gapons [4], e essa mesma inexperiência deles causará cinco vezes mais danos. Em segundo lugar, os próprios eventos os ensinarão em nosso espírito. Os eventos já estão ensinando a todos precisamente no espírito do Vperiod.

Em suma, por todos os meios organizar, organizar e organizar centenas de círculos, empurrando completamente para o segundo plano a estupidez do comitê (hierárquico) usual. Este é um tempo de guerra. Ou vocês criam organizações de combate novas, jovens, frescas e enérgicas em todos os lugares, para o trabalho social-democrata revolucionário de todos os tipos, entre todos os estratos, ou vocês afundarão com as glórias de burocratas de “comitê”.

Escreverei sobre isso no Vperiod [5] e falarei sobre isso no Congresso. Escrevo para vocês em mais uma tentativa de evocar uma troca de ideias, para induzir uma dúzia de círculos de jovens e novos operários (e outros) a estabelecer contato direto com o Conselho Editorial, embora... embora, cá entre nós, não acalento a menor esperança de que essas ideias ousadas sejam cumpridas. Talvez, daqui a dois meses, você me peça para telegrafar se concordo com tais e tais mudanças no “plano”. Digo de antemão que concordo com tudo. Até o Congresso.

Lênin

P.S. Vocês devem tornar seu objetivo revolucionar a entrega de Vperiod à Rússia. Façam propaganda generalizada de assinaturas de São Petersburgo. Permitam que os alunos e especialmente os operários assinem e que centenas de cópias sejam enviadas para seus próprios endereços. É um absurdo ter medo disso em tempos como este. A polícia jamais poderá interceptar todas as cópias. Metade ou um terço chegará, e já é muito. Sugiram essa ideia a qualquer círculo de jovens e ele encontrará centenas de maneiras próprias de fazer conexões no exterior. Distribua os endereços mais amplamente, tão amplamente quanto possível, para a transmissão de cartas para o Vperiod.


Notas

[1] Alexander Malinovski (mais conhecido pelo sobrenome Bodánov, que adotaria posteriormente) aderiu aos bolcheviques em 1903, rompendo após o V Congresso. Seu primeiro codinome, Rakhmetov, era uma referência ao revolucionário ficcional do romance de 1863, Que fazer?, de Nikolai Tchernichevski. Khariton (do grego “caridoso”) era o codinome do bolchevique Sergei Ivanovich Gusev, que assumiu entre dezembro de 1904 e maio de 1905 o posto de secretário do Bureau dos Comitês da Maioria. Foi transferido do Comitê de São Petersburgo para o de Moscou em janeiro de 1906, lutando ao lado de Lênin contra o otzovismo e o liquidacionismo, nos anos posteriores.

[2] “As últimas notícias”.

[3] O bolchevique M. M. Litvinov.

[4] Georgi Gapon foi um padre ortodoxo russo que, em janeiro de 1905, liderou a manifestação pacífica que pretendia ser recebida pelo czar Nicolau II no Palácio de Inverno e entregar uma petição por melhores condições de vida. A manifestação foi reprimida pelos soldados russos, que dispararam sobre a multidão. Em resposta, a classe operária de São Petersburgo ergueu barricadas pela cidade, e iniciou-se a Revolução de 1905. O próprio Gapon muito rapidamente oscilou em direção a posições radicais, profundamente decepcionado pela repressão – sem, contudo, adotar qualquer visão marxista. Em seu texto O Começo da revolução na Rússia (1905), Lênin registra os dizeres de Gapon, então: “Já não temos czar. Um rio de sangue separa o czar do povo. Viva a luta pela liberdade!”.

[5] Novas tarefas e novas forças (1905).