'Carta de desligamento do CR RR/RS' (Daniele Mereb)
Crítica fraterna não inclui tolerar ou acobertar canalhice e muito menos aceitar que se use das contradições impostas pelo sistema capitalista para justificar perpetuar tais práticas.
Por Daniele Mereb para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas,
Parte de mim fica em dúvidas de como começar essa carta, porque me perco nas várias memórias horrorosas que surgem, dos sucessivos abusos e violências praticados por este Comitê Regional. Bom, no dia 29/10/23 recebi uma carta desabafando sobre o imobilismo e a visível falta de direção por parte do organismo regional. Mesmo eu estando perdide no volume intenso de mensagens tanto por Próton como por Telegram, somado à “ótima tradição” de reuniões exageradamente longas resumidas em planejamento e linha política imposta pelo secretariado, fiz o possível para respondê-le:
“[...]
A forma como a cisão foi coordenada aqui no RS foi do pior jeito possível e isso deixou consequências graves que a gente está tentando lidar até agora sem ter um horizonte porque o próprio Comitê Nacional Provisório não sabe o que fazer conosco, ao mesmo tempo que, aquelus que tocaram a cisão pelas nossas costas apenas reconheceram como tudo foi orientado por uma tese de clandestinidade (que ao meu ver é sem cabimento algum), com intenção de blocar o estado inteiro (o que tem inúmeros problemas, desde a vaga noção de convencimento até a unidade vazia internalizada), atravessado por vários velhos vícios que somos críticos, isto é, agiu-se por federalismo e sem transparência, usou-se da tática de vencer por exaustão/desgaste, acelerou e atropelou o processo todo, e ficou por isso mesmo. E a gente que arque com a desconfiança em todo o estado. Sendo sincera, nem eu confio mesmo assumindo o compromisso como parte do CR agora, o CR vai ter que fazer por merecer a confiança de todo o estado, incluindo de sues própries membres.
Dito isso, no que tange o CRUJC-RS e o CR RR RS, o cenário é o seguinte:
Como foi reportado na reunião do CR do dia 07/10/23, a assistência do Comitê Nacional Provisório que articulou e orientou a cisão no estado e também colocou enfaticamente que não temos qualquer autonomia para dissolver a estrutura da UJC e sua direção eleita, pouco depois não respondeu mais e foi trocada sem qualquer balanço. O que eu sei é que a proposta aprovada nessa reunião é de que essa direção exista formalmente mas dentro de uma Comissão de Juventude do CR. No entanto, no dia 15/10 foi informado que camaradas colocades nessa Comissão de Juventude estavam tentando marcar reunião para elaborar o conteúdo político da proposta e daí marcar a reunião com a CNUJC. Hoje (29/10), perguntei em que pé isso estava e fui informada que a proposta ainda está sendo elaborada em diálogo com o Comitê Nacional Provisório.
Existem vários fatores que estão dificultando tudo, mas já cito alguns: Essa reunião aí atropelou tudo, em vez de definir prioridades e organizar o trabalho, saiu abrindo comissões a rodo, definindo um secretariado e tacando gente para dentro sem ver nada. Um resultado disso, por exemplo, é eu já ser da Comissão Organizadora do BID-RS e nessa reunião ter sido colocada em mais 3 outras comissões distintas (e nessa última reunião que ocorreu ontem (28/10), fui provisoriamente colocada em mais uma). Todo o CR RR RS está assim, um caos! E les membres da Comissão de Juventude não são exceção, que para além da falta de especialização são 3 camaradas com muita dificuldade de bater os horários.
Descrevestes muito bem em "estado caótico que parece ter se afobado no processo de cisão e não consegue parar, respirar, olhar para si mesmo e com calma, restabelecer novamente seus trabalhos", porque é isso e são os mesmos problemas que seguem perpetuando até no Comitê Nacional Provisório. Acrescento também que essa insatisfação não é só aqui no estado, estou vendo isso em outros estados também, a diferença é que a forma como a cisão foi tocada aqui escancarou tudo, enquanto em outras regiões onde o Comitê Nacional Provisório tem maior presença isso ficou nebuloso e só estão percebendo agora.
Está saindo um planejamento legal nesse meio tempo mas também sinto, em parte, que não sabem o que fazer e simplesmente decidiram apostar todas as fichas no jornal, sentar e esperar que o 17º Congresso resolva. Porém, o país está pegando fogo e essa bomba não parece que vai esperar pelo 17º Congresso.
Espero que essa minha visão a partir do CR ajude o debate em qualquer nível que seja.
Está difícil, camarada, me solidarizo contigo.”
No entanto, esta carta não consegue abranger a dimensão do problema que é este organismo, quem dera eu poder cuspir tudo sem qualquer filtro. Porém, desde que fui recrutade, acumulei calade receios em apontar diretamente os nomes e sua série de práticas nocivas ao debate e à decisão coletiva que tanto a cúpula, ops, o secretariado da instância de base como o do comitê, utilizaram ou foram coniventes. Cansei de contar as vezes que: Minhas propostas e apelos foram falsamente ouvidas, falsamente pois eram sumariamente ignoradas para imporem a linha política decidida pelo secretariado; Minhas ideias foram mal-recebidas por todes até que le membre do secretariado repetia a mesma coisa e aí sim ela era aceita (de nada, pode ficar com o mérito da contribuição, esse tipo de moeda não paga meu almoço); Meu direito de resposta às réplicas infundadas foi bloqueado pelo secretariado dando a palavra final usando do controle das inscrições; Fui constantemente acusade e taxade de “espontaneísta”, “comportamento anarquista” e “descentralizade”; E etc. Usei do gênero neutro, mas estamos falando de uma maioria que são homens, brancos e cisgêneros, confiarei que não preciso ensinar o padre a rezar e apontar o nome de cada uma dessas coisas.
Ato em defesa da Palestina
De princípio, o secretariado decidiu se concentrar exclusivamente em organizar às pressas e de qualquer jeito um ato em defesa da Palestina em Porto Alegre/RS “porque o momento é agora e não pode ser perdido”, o que ao meu ver é problemático já que militância que depende de ondas alheias para surfar é o mais puro movimentismo. Seguiram falhando várias vezes na articulação porque não se tem nada, nenhuma inserção que se traduza em força-motriz para qualquer movimento que se queira puxar, e por isso, não pensaram 2 vezes em apelar novamente para estar à reboque de organização pelega e social-democrata.
Tal decisão não foi por falta de proposta alternativa, eu sugeri e defendi que se fizesse uma ofensiva colando lambes específicos nas portas de uma empresa que é fachada local das Forças Armadas de Israel, apontando que Israel não só extermina o povo palestino como também sustenta o genocídio brasileiro, com presença de picho e tinta vermelha pelo chão também, em momento anterior ao ato para reforçar o caráter burguês, mostrar onde e como esses inimigos estão presentes na nossa realidade, procurando irritar este setor burguês e agitar uma propaganda direta para que o ato seja bem-sucedido. O que um grupo anarquista qualquer faz com menos de 5 pessoas sem nem fazer esforço, nossa organização não só não foi capaz, como priorizou novamente ficar à reboque de social-democracia por medo de polícia e justiça burguesa, e adiou essa intervenção para depois do ato “pois a ordem não altera o resultado”.
Israel é um Estado com caráter expansionista. Essa postura que vejo camaradas pelas redes sociais gastarem a língua cobrando que o governo brasileiro tenha hoje, era a postura do governo 10 anos atrás, que Israel trabalhou constantemente para desmanchar e poder estabelecer sua expansão para dentro do território brasileiro, através de sanções e acordos, pautando e importando ativamente produções até de universidades federais brasileiras para desenvolver sua estrutura militar, fundando empresas fornecedoras de serviços em cada região para explorar nosso povo e atuar enquanto fachada de sua expansão. E nada fazemos quanto a isso, só se chora pelos cantos reclamando das frustrações ao tentar levantar um movimento coeso em defesa da Palestina, como se o problema fosse nosso povo não ser capaz de ser solidário ou se interessar.
Kasa Okupa Jiboia
No dia 19/10/23, enquanto membres de secretariado se estendiam no tópico ao lado discutindo e articulando miseravelmente o ato em defesa da Palestina, explodiu uma repressão muito violenta da prefeitura de Porto Alegre contra a ocupação Jiboia, camarada que estava no local não só avisou que nossa organização foi convocada para ajudar como lançou vários informes rápidos e apelos pedindo ajuda em outro tópico. Camaradas secretáries (que aliás, eram da mesma cidade) viram e nada fizeram, apareceram só para dar algumas moedas para pagar marmita e depois para mandar recuar. E continuaram sua discussão infinita quanto ao tão sonhado ato em defesa da Palestina que não se realiza nunca.
Sem qualquer liberação e sobrecarregade, só consegui me inteirar disso no dia seguinte e me chocou o contraste das prioridades do secretariado deste Comitê Regional, sua incapacidade de compreender as demandas imediatas da classe e também o hábito de ser omisso, repetindo tudo o que o PCB-CNPJ vergonhosamente sempre fez. Em nenhum momento o secretariado demonstrou interesse, não se fez presente pessoalmente e não solicitou informações imediatas da ocupação para procurar formas rápidas de ajudar.
Creio que não seja necessário ter que me estender para explicar por quais motivos assentamentos e ocupações são importantes para o movimento comunista. Prefeituras pelo país todo já estão se movendo para aprovar políticas para demolir ou penhorar o local irregular, independente da presença de pessoas, sem qualquer notificação. Ao mesmo tempo, temos cada vez mais pessoas sem-teto e assentamentos sendo criados. Pergunto-me até quando ficaremos sem pensar em desenvolver capacidade de resposta, resistência, defesa, solidariedade e também de construir as próprias ocupações/assentamentos. Muites de nós estávamos ou ainda estamos há 1 pessoa branca de distância de ficar sem teto e o que comer.
Poucos dias depois, o Comitê Regional recebeu uma carta que contextualizou a ocupação e estabeleceu críticas sérias e fundamentais ao secretariado. No entanto, o caráter das respostas enviadas quando não faziam pouco caso das questões centrais, faziam uma leitura extremamente mecanicista, atravessada por oportunismo, atitudes opressivas (repetir o que camarada diz para validar é o que mesmo?) e ouso dizer, fundamentada até em noção bem equivocada da literatura leninista.
Já comentei publicamente que não consigo confiar em váries camaradas a tarefa de atuar no campo ou na vila, e isso engloba assentamento, ocupação e até mesmo a tarefa de liderar ou apoiar movimento social em geral, independente do contexto. A postura urbana e academicista na roupa e na fala é uma expressão bem mais complexa, se apresenta até na forma como le camarada observa a conjuntura, a contribuição e a crítica, e isso se explicita na forma como trata ou intervém no espaço, por exemplo.
Dito isso, vários pontos me incomodaram, tentarei citar alguns:
- Existe uma leitura abstrata onde se sugere que os critérios para o movimento comunista estar presente numa pauta, luta ou comunidade, é se “é estratégico” e “terá ganho político”, se omitindo quando não é "lucrativo" para a organização. Por exemplo, se for uma ocupação com influência anarquista, para que ajudar a defender seu único teto se isso não resultará em recrutar sues membres, não é mesmo?
- Um grave equívoco sobre o espontaneísmo: Não faz sentido tratar a espontaneidade como algo errado, a ser evitado ou impedido, ocorrerá de uma forma ou de outra e é impossível controlar. A espontaneidade que militantes apresentam é a mesma da classe, é a tomada de ação ou tarefa não prevista e nem organizada que surge por necessidade, uma manifestação direta dela. Lênin não trata a espontaneidade da classe como algo essencialmente negativo ou sem propósito, pelo contrário, entende como uma causa e efeito que deve ser observada, estudada e aprendida para ser usada de forma planejada no futuro ou compreendida para ser melhor direcionada no momento. Camaradas que não compreendem isso não são capazes de serem dirigentes e muito menos assumirem a liderança de movimentos de massa.
- Há um problema de princípios quando se prioriza o ato em defesa da Palestina que é tão sólido nacionalmente que se apela à pelegues para tentar concretizá-la, em detrimento de ajudar a defender uma comunidade que estava prestes a perder seu teto na base da escavadeira, bomba de gás e bala de borracha. Argumentou-se que a luta internacional vai além da luta local, porém, por que na prática a luta local foi tratada como oposição à luta internacional? Por que ambas não se conectaram? A burguesia israelense não tem nada a ver com a burguesia brasileira?
- Assume-se que militar sem ter definições táticas cai em ativismo. No entanto, pergunto-me duas coisas: Para ficar à reboque de pelegues temos definição tática, mas se um grupo bem proletarizado correr risco de ficar sem teto e nos chamar, não temos? Devemos deixá-lo sem teto porque nos inserir ali não nos levará à construção de um novo regime político?
Comissão de Organização e Comissão de Finanças
A reunião marcada no dia 28/10/23 para discutir o planejamento produzido pelo secretariado sem qualquer diálogo com a base e sem qualquer definição de prioridades prévia, não atingiu quórum. Eu defendi que se deveria adiar a reunião, concentrar os esforços na Comissão de Organização para fazer um mapeamento completo de camaradas e priorizar a liberação delus para garantir quórum em próximas reuniões. No entanto, membre do secretariado ignorou e decidiu seguir a reunião mesmo assim para debater e encaminhar ao menos a estruturação financeira pois “era urgente”.
Durante o debate, sugeri que posso fortalecer a Comissão de Finanças depois que assegurar o mapeamento de todes na Comissão da Organização. Eis que camarada diz que não é necessário pois a pasta, que é uma das que faço parte e não apresentou nenhuma movimentação e nem tarefas, já estava tocando o mapeamento e por isso eu estava liberade para tocar a Comissão de Finanças.
Apresentei muitas divergências com o planejamento, e as propostas para cotização progressiva e circulismo me pareceram descabidas, aprovaram uma meta de arrecadação total de R$5.000,00 e um circulismo onde cada instância deve arrecadar o equivalente a R$50,00 por militante, sem nem confirmar quantos de fato somos e a nossa capacidade cotização. Além de que não tinha sequer sentido debater e encaminhar isso tudo sem rediscutir a reunião que atropelou tudo.
Por conta do desligamento de camarada que o secretariado colocou para coordenar a Comissão de Finanças, camarada que dirigiu a reunião decidiu que eu assumiria a coordenação provisória da pasta e eu aceitei contando que uma nominata seria informada ao pleno até quarta-feira (01/11/23), eu propus e defendi que a Comissão de Finanças pudesse fazer isso, enquanto o secretariado defendeu que apenas ele poderia fazê-lo “para desafogar a comissão”, e assim ficou.
Nos encaminhamentos finais, le camarada que dirigiu a reunião, numa postura explicitamente impositiva, me cobrou a sinalização de que entendi que devo cumprir exatamente o que foi decidido ali, independente das discordâncias apresentadas, como se eu tivesse 5 anos.
Assumi provisoriamente a Comissão de Finanças, diga-se de passagem que é uma pasta que não tenho experiência nenhuma, mas fiz todos os repasses necessários. No entanto, o secretariado não cumpriu o prazo para apresentar a nominata para o pleno, mas decidiu colocar mais 2 camaradas “para acelerar os processos” e desde então le camarada da organização começou a me cobrar que a comissão se operacionalizasse o mais rápido possível (sem nem ter o resultado de um mapeamento concreto para aplicar a cotização progressiva e muito menos acesso uniforme do pleno ao drive) porque já havia célula coletando cotização, eu argumentei que o aprovado era cotização progressiva e não de qualquer-jeito-porque-já-tem-célula-se-adiantando. E, em seguida, le camarada entrou no grupo da Comissão de Finanças e começou a atropelar sucessivamente minha coordenação.
Apesar de eu ter comentado no início desta carta que o Comitê Regional todo estava um caos pois muites estavam em mais de uma comissão, acabei sendo o único nome que mais acumulou comissões (quatro). Com isso, decidi me ausentar de todas as tarefas, independente do que o secretariado impôs, para escrever esta carta.
É difícil confiar em Comitê Nacional Provisório que opera a cisão se utilizando do federalismo e sem transparência nenhuma, não confiaram na base e cobraram nossa confiança, nos destrataram e abandonaram neste mar de merda como se não fosse de sua responsabilidade mais. Além disso, me desligo deste Comitê Regional porque não vejo qualquer respaldo nele, não dá para chamar de camarada e nem considerar general quem na primeira arma apontada para a nossa classe vai preferir fugir, não tenho razões para ser tratade como tropa dessus generais que sequer reconheço. Reconstruíram o organismo como uma cópia barata do PCB-CNPJ, só que sem a legenda. Proponho que este Comitê Regional pare imediatamente de patrolar tudo, pensem de verdade nes camaradas do estado inteiro e construam uma plenária que de fato contemple todes. Ou parem de tentar enganar todes com esse comunismo de aparência e assumam que só se tem um falso compromisso com a Reconstrução Revolucionária.
Para finalizar, um aviso: Crítica fraterna não inclui tolerar ou acobertar canalhice e muito menos aceitar que se use das contradições impostas pelo sistema capitalista para justificar perpetuar tais práticas.
Saudações comunistas (espontaneístas para algumes).
NOTA DO EDITOR
"Retiramos essa Tribuna do ar por entender inicialmente que o debate não seria pertinente a uma Tribuna Pré-Congressual. Em avaliação do OC e reavaliação da CPN, entendemos que o texto é pertinente e o recolocamos no ar."