'Caracterizar o PT!' (L. Kicillof)

O programa do PT se criou coerente com essa política de sua figura máxima, um programa burguês. Lênin dizia que a “política tradeunionista” era a política burguesa da classe trabalhadora. Apenas com a ruptura total com estas ideologias constrói-se um programa proletário.

'Caracterizar o PT!' (L. Kicillof)
"Que Lula não é comunista, ora, isso ele nunca escondeu, mas o que ele esconde é que ele foi ativamente contra os comunistas, ajudou ativamente a montar a armadilha da democracia burguesa. Como dizer que poderíamos levar esta figura à reboque para a esquerda se ele a combatia, estava à direita dos centristas."

Por L. Kicillof para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Cordialmente envio essa tribuna após a sugestão de colegas que estão atualmente compondo a “Reconstrução Revolucionária” e seus coletivos. Com o intuito de debater o que parece ser o “elefante na sala de cristal” da conjuntura política nacional, trago elementos que, ao menos de um ponto de vista externo, me parecem estar faltando na análise do atual governo de Lula e na análise frente ao Partido dos Trabalhadores em geral. Análise que entendo como, no mínimo, confusa entre os “comunistas”.

Esse texto é uma versão resumida de um argumento que, num futuro próximo, publicarei com mais detalhes em algum outro lugar.

Tomei a liberdade de ser econômica nas citações (embora, claro, indique as que eu eventualmente usar) e de utilizar uma linguagem mais direta.

Introdução

No contexto atual, a conjuntura política do país se apresenta com o chavão da “polarização”, na divisão entre dois blocos que orbitam a figura de Luís Inácio Lula da Silva e a de Jair Bolsonaro. Ainda acredito, assim como imagino que os companheiros, que as ferramentas que melhor explicam a situação atual são aquelas que se inspiram no trabalho de Marx e nos seus sucessores, levando em conta a situação das classes sociais fundamentais no modo de produção capitalista: o proletariado e a burguesia.

É comum, presente inclusive no Caderno de Teses para a proposta de congresso do próprio PCB-RR, a caracterização de estarmos sobre um governo de “conciliação de classes”. Estes seriam aqueles “que se escamoteiam sob discursos progressistas e fomentam em meio à classe trabalhadora a crença na democracia burguesa e ilusão na possibilidade da realização por meio exclusivamente dela das lutas pela elevação de suas condições de vida” (Sobre a atitude frente aos governos petistas, §40). A princípio, essa afirmação está correta, é exatamente o que o PT fez durante todos os anos de sua existência. Mas essa caracterização também precisa ser esmiuçada com mais atenção, pois corre-se o risco de perder de vista o caráter classista do governo, além de ser uma situação totalmente distinta dos clássicos governos de conciliação de classes na história do movimento operário internacional (Allende, Kerensky, etc).

Para iniciar, primeiro, comecemos pelo próprio PT.

O PT mitológico das origens

Todos, de uma forma ou de outra, já se depararam, e muito provavelmente aderem em algum grau, à seguinte narrativa com relação ao PT: O PT foi importante na redemocratização e por ser uma ferramenta de representação política da classe trabalhadora, algo que foi inexistente nos 21 anos de Ditadura Civil-Militar. Esse partido, fundado com base em diversos elementos como o “sindicalismo autêntico/novo sindicalismo”, as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as organizações revolucionárias que se juntaram, seja como tendência seja como por meio dos militantes individualmente, etc, representou um avanço na política brasileira (e aqui, esse avanço é relativizado dependendo do interlocutor).

Esse partido seria a princípio de esquerda, ou pelo menos de centro aglutinava elementos radicais da classe trabalhadora, continha elementos centristas e alguns à direita, e foi possível de ser disputado durante alguns anos, seja por meio do apoio a candidatura de Lula em 1989, ou a chapa Lula-Brizola em 1998, por exemplo. Uma direção de esquerda do PT levaria todos esses elementos “atrasados” à reboque.

Nos anos 90 já apareciam fraturas com os revolucionários, à exemplo da expulsão da Convergência Socialista, que tornou-se o PSTU. Corrente essa que havia fundado o PT e (ao meu ver, de maneira profundamente equivocada) apoiado sua formação desde os primeiros momentos de articulação deste.

Conforme os anos passaram, Lula cada vez mais “adaptou-se” à burguesia, deixando de ser o sindicalista preso pela ditadura e tornando-se o “Lulinha paz e amor”. Quando chegamos a 2002, a famosa “Carta aos Brasileiros” toma destaque Lula não entraria em conflito com a burguesia e realizaria sua política “popular” dentro de um marco consensual entre seu governo e os patrões. Aqui se encontra a base dos discursos de Lula onde ele diz, parafraseando, que seus governos “melhoraram a vida da população sem tocar no lucro dos banqueiros!”.

“Quem tem medo da democracia? Da pequena burguesia? Da burocracia?” questionam.

De certa forma o PT, e Lula, seriam centristas, possíveis de serem levados à esquerda conforme a situação. A forma como realizar essa política variou com o tempo (dentro do partido, em diálogo com ele por fora, etc) mas sempre partindo desse pressuposto.

Mesmo que o PT tenha “adaptado-se” ao governo burguês, talvez no auge com o segundo mandato de Dilma, após o Impeachment de 2016, com o retorno deste à oposição, a tarefa em parte tornou-se combater a narrativa burguesa frente ao PT e o golpismo. Quando o PT esteve em baixa, a esquerda como um todo, pelo menos fiel ao seu argumento, correu para seu socorro.

Os problemas históricos da narrativa petista

É necessário apontar que essa narrativa tem furos do início ao fim, e não se sustenta com uma análise mais direta.

Comecemos pela “origem”, no final dos anos 70 e início dos 80. Vamos abstrair nesse momento o fato que a forma mais avançada de organizar um partido que represente os interesses mais profundos do proletariado, que defenda seu programa histórico, baseia-se numa linha diretiva clara e numa dialética entre a legalidade e ilegalidade, como aprendemos em 1850 com Marx e Engels e em 1903 com a cisão Bolchevique e Menchevique (imagino não ser necessário explicar a posição de se alinhar com a fração bolchevique) e como aprendemos na traição da II Internacional no contexto da Primeira Guerra Mundial, etc. Seria lógico que apoiar uma forma histórica superada de partido seria errado. Mas vamos dar o benefício da dúvida.

Pressupomos que nosso objetivo é organizar uma Revolução Proletária, que destrua o estado burguês e construa um estado operário, transitório, e que este sirva como instrumento para construir o Socialismo e o Comunismo. Assim, me parece lógico que devemos nos posicionar de maneira que traga a revolução mais próxima da realidade/do presente, nos opondo então aqueles que atrapalham/travam o movimento de auto emancipação do proletariado. Esse critério, embora exposto de forma um tanto esquemática, é objetivo, e o que torna um revolucionário… revolucionário.

Frente à esses pressupostos, de que maneira podemos entender quando, por exemplo, como mostra Lincoln Secco em seu “História do PT”, Lula intervém no curso de Madureza do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema por ser organizado (ou no seu vocabulário, “aparelhado”) pela “extrema esquerda” (militantes de partidos como o PCB, PC do B, MR8) (2011, p.48-49). Como podemos entender que os padres das Comunidades Eclesiásticas de Base fortaleceram o PT justamente por ele não ser “comunista” ou “extremista”, para não dizer que só o apoiariam com essa condição? Como podemos justificar que os revolucionários que compunham o Partido tinham um papel subordinado, dirigido, tendo sua atuação incentivada apenas nas regiões onde nenhuma outra força interna do PT tinha presença relevante (e até políticos atolados até a boca do parlamento falso da ditadura militar eram preteridos que esses militantes)? Estes não são mais que “discordâncias”? Não são parte de um combate ativo contra os comunistas?

Isso pode ser explicado, a princípio, pela caracterização “centrista” que mencionei, ou seja, estes seriam resultados das suas características “à direita” e, quando se discursava pelo “socialismo” e etc, estes seriam os seus momentos à esquerda. Pode ter sentido, mas pergunto-lhes, qual tem mais peso? Quando a história bater na porta, qual prevalecerá?

As greves do ABC

Não precisamos avançar no tempo para compreendermos a resposta, mas sim podemos analisar o movimento do qual o PT foi produto: as greves no ABC paulista no final da década de 70.

Aqui é importante derrubar outra concepção: a da existência de dois pólos em conflito, o sindicalismo “pelego”, ligado ao estado ditatorial, e o sindicalismo “autêntico” ou “novo”.

Essa concepção apaga o árduo trabalho de anos que os revolucionários fizeram nas mesmas fábricas que Lula apareceu pro mundo. Ao mesmo tempo que lutavam (corretamente) para a legalização dos sindicatos, os operários organizavam comissões de fábrica independentes, impulsionados pela Oposição Sindical Metalúrgica (OSM). Baseando-se claramente na tradição marxista, onde a construção de mecanismos proletários de governo nos locais de trabalho era a base do futuro estado operário, como Lenin defendeu para a Rússia, ao exclamar “todo poder aos sovietes!”.

Também coerentes com a tradição marxista, essas comissões eram independentes do sindicato. Como Gramsci escreveu em artigo da década de 20 ““os conselhos de fábrica têm sua lei em si mesmos, não podem e não devem aceitar a legislação dos organismos sindicais, já que têm a finalidade imediata de renovar fundamentalmente tais organismos” (Gramsci, 2004, p.410), e neles “o operário faz parte do conselho de fábrica enquanto produtor, ou seja, em conseqüência de sua característica universal, de sua posição e de sua função na sociedade, do mesmo modo como o cidadão faz parte do Estado democrático parlamentar” (Gramsci, 2004, p.354).

Mas Lula, pelo contrário, dizia que “as comissões dentro do sindicalismo livre teriam de existir subordinadas a uma coordenação ampla do sindicato.” E assim ele seguiu argumentando que “entendo que podem existir quantas comissões, quantos grupos de trabalhadores forem, mas tudo voltado para dentro do sindicato: ou para tirar a diretoria do sindicato ou para fazer o dirigente trabalhar. Mas repito, voltado para dentro do sindicato, desde que queira mudar o sindicalismo" (Revista Cara a Cara, jul/dez, 1978). O que é isso se não “aparelhar”?

A comissão se subordina ao sindicato que subordina-se à criação de um Partido Social Democrata, que subordina-se à burguesia e ganha de recompensa uma parte da verba do seu estado. Essa era a fórmula. A manobra consistiu em canalizar a energia da Classe Trabalhadora para criar um partido da ordem burguesa, ao invés de criar instrumentos de classe para a construção de uma nova ordem.

Que Lula não é comunista, ora, isso ele nunca escondeu, mas o que ele esconde é que ele foi ativamente contra os comunistas, ajudou ativamente a montar a armadilha da democracia burguesa. Como dizer que poderíamos levar esta figura à reboque para a esquerda se ele a combatia, estava à direita dos centristas.

Concluindo, seria um exagero irresponsável acreditar que o Brasil estava numa situação pré-revolucionária, mas acredito que estas experiências teriam sido importantes para o amadurecimento política da classe trabalhadora, caso essa tivesse condições de ter resistido ao aparelhamento burocrático dos “autênticos”, que eram naquele momento funcionais à burguesia, mais até que os pelegos. E o peso dessa responsabilidade deve estar principalmente atrelado à vanguarda revolucionária que se omitiu ou até apoiou que essa artimanha fosse bem sucedida. Isso implica que desde a origem Lula distanciou o proletariado da auto emancipação, independente do que este possa ter feito de “progressista”.

O programa do PT se criou coerente com essa política de sua figura máxima, um programa burguês. Dizia Lênin em O que fazer? que “não há meio termo” numa sociedade de classes entre ideologias burguesas e proletárias. Assim a “política tradeunionista” era a política burguesa da classe trabalhadora (Lênin, 1974, p.433). Suas variantes pequeno-burguesas no fim tornam-se, justamente, burguesas. Apenas com a ruptura total com estas ideologias constrói-se um programa proletário.

Recomendo a leitura da caracterização por Lenin no texto “Imperialismo e uma cisão no socialismo”, sobre o ‘Partido Operário Burguês’ (disponível em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/10/imperialismo.htm) baseado na formulação do bürgerliche Arbeiterparte de Friedrich Engels.

E Lula na Presidência?

Após essa querela do “PT das origens”, Lula tornou-se presidente, e governou num momento de alta do ciclo econômico (que encerraria em 2008 globalmente, embora apenas tenhamos sentido os efeitos alguns anos depois). Assim distribuiu frações de riqueza para os trabalhadores, especialmente aqueles mais empobrecidos.

Importante lembrar que essas frações são ínfimas se comparadas, primeiro, aos lucros que a burguesia teve na época e, segundo, aos recursos públicos investidos diretamente nos negócios da burguesia, como os “campeões nacionais” de Lula, o agronegócio (!), os grandes grupos de educação, etc.

Em 2005 tivemos o Mensalão, em 2010 a eleição de Dilma e em 2013, as Jornadas de junho. Ali a débil vanguarda revolucionária (incapaz historicamente de superar a burocracia sindical da CUT, Força e afins) não se firmou como alternativa, não se mostrou como resposta factível aos problemas que surgiam na vida dos trabalhadores.

Quem o fez, explorando o chauvinismo, o preconceito, e tudo de mais podre que a sociedade capitalista carrega consigo, foi a chamada “nova” direita, e por fim, Bolsonaro. Esses elementos aproveitaram o caos e a falta de legitimidade de toda a casta política para lançar-se para o mais alto escalão dos parasitas. Deixaram de receber os restos; queriam o coração do espólio.

Mas da mesma maneira que Bolsonaro escala à presidência baseado na queda do PT, sua própria incapacidade de administrar o aparelho do Estado e de garantir as condições de vida dos trabalhadores (vacinas, crise, etc) foi o pressuposto do retorno de Lula.

Incapacidade essa que incomoda não só os trabalhadores, que sentem quando têm que lidar com ainda mais que o já violento cotidiano de explorado, mas a burguesia, que deseja o máximo de “coesão” e “paz social” para tocar seus negócios em paz.

Bolsonaro tentou seu aventureirismo golpista, consequência natural do seu deslumbramento estúpido de político nanico e pequeno burguês. Mas foi sumariamente derrotado pelo congresso, que administra o orçamento do governo federal com uma autonomia sem precedentes na história brasileira, e pelo STF, que se fortaleceu nessa entidade demiúrgica que lidamos hoje. Até o Banco Central, Bolsonaro largou de mão! Repartiu parte dos poderes do executivo para se manter no poder (lógica que Lula nem ousa em questionar!).

Hoje está inelegível, e caso necessário será reabilitado, assim como os “golpistas” do passado abraçam Lula, que os abraça entusiasmadamente de volta! Ele não o faz por “inocência”, e é tudo menos estúpido. O faz como quem evita o impulso de colocar a mão na bola numa partida de futebol- conhece as regras do jogo.

Aqui afirmo o que penso ser fundamental sobre esse governo, ele é de fato para arrumar a casa. Mas para arrumar a casa da democracia burguesa, do perverso balcão de negócios que é o congresso. Arrumar a casa da violência, da exploração do trabalho, do capitalismo, enfim.

Lula abandonou o Impeachment de Bolsonaro1, pois ele seria construído no terreno incerto das ruas e da luta de classes, e bandeou-se para o terreno mais seguro para a burguesia, as eleições, tudo com o auxílio da burocracia sindical (os pelegos!). Foi eleito e coesiona as facções da burguesia de maneira que só foi vista antes de 2013, talvez comparável à época do Mensalão, embora com evidentes especificidades históricas. Isso já era denunciado por partes da própria esquerda revolucionária durante os próprios atos. Pergunto-os: quando viram no Brasil consenso social tão estreito quanto aquele imediatamente criado após o 8 de janeiro? Se é que já viram. Agora está posta uma situação onde os trabalhadores não veem alternativa factível a Lula e Bolsonaro. Esperam que sejam os próprios ou algum fantoche. A depender da conjuntura, ora virá um, ora outro. Como apontam, Lula “renuncia ao presidencialismo”, então cada vez mais o papel dessa alternância será o da ilusão. O congresso e o chamado centrão, os políticos burgueses e vulgares, dormem cada dia mais tranquilos.

O objetivo expresso de Lula é defender o regime que é mais coerente com o capitalismo. Como diz Lênin:

A onipotência da “riqueza” funciona, portanto, melhor em uma república democrática, uma vez que não depende de determinados defeitos do mecanismo político, do mau invólucro político do capitalismo. A república democrática é o melhor invólucro político possível para o capitalismo; por isso, o capital, tendo se apoderado (por meio dos Paltchínski, dos Tchernov, dos Tseretéli e cia.) desse melhor invólucro, fundamenta seu poder de modo tão sólido, tão seguro, que nenhuma substituição na república democrática burguesa, nem de pessoas nem de instituições, tampouco de partidos, abala esse poder (Lênin, 2017, p. 36-37, grifo meu).

Enfim, é dever do comunista esclarecer a verdade, e não cair nas ilusões burguesas. Lula-Alckmin, assim como Lula-Alencar e Dilma-Temer, é um governo burguês, portanto inimigo dos trabalhadores.

Enfim, é dever do comunista esclarecer a verdade, e não cair nas ilusões burguesas. Lula-Alckmin, assim como Lula-Alencar e Dilma-Temer, é um governo burguês, portanto inimigo dos trabalhadores.

Adendo sobre o esquerdismo

Inevitavelmente será posta a questão de se Lula, embora burguês, não é uma alternativa melhor que Bolsonaro. A resposta partirá de responder 1) se ele representa melhores condições de luta para os trabalhadores, 2) se de fato há risco expresso e factível de uma mudança de regime que prejudique a organização dos trabalhadores. (Talvez inclusive essa questão seja datada, mas é lamentável a falta de rigor que ela foi tratada em 2022) . Como dizem Marx e Engels, “marchar com ela [os democratas pequeno burgueses, dos quais, tomo a liberdade de dizer, penso que o PSOL está muito mais análogo que o PT] na luta pela derrubada daquela fração cuja derrota é desejada pelo partido operário; marchar contra ela em todos os casos em que a democracia pequeno-burguesa queira consolidar a sua posição em proveito próprio.” (MARX & ENGELS, “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas”. Grifo meu.)

Digna de nota é então, nesse espaço de debates, a tribuna assinada por Gabriel Lazzari, onde, ao relembrar daquele momento de lutas do Fora Bolsonaro, diz que “é demarcar o quanto estamos, com a palavra de ordem do impeachment, aprofundando a ilusão institucionalista nas massas” (grifo do autor) e que então “preciso que o Partido, nesse delicado momento, não auxilie na disseminação de preconceitos democrático-burgueses já tão arraigados na classe trabalhadora por sua própria posição na produção e pelo bombardeamento dos aparelhos de hegemonia da burguesia”. Justifica que “Bolsonaro não renunciará e que o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, da base governista, não vai iniciar um processo de impeachment” e “os únicos que têm uma alternativa democrático-burguesa a essa situação são justamente as forças reformistas, que já têm dado seu indicativo claro de que essa alternativa são as eleições de 2022”. A tribuna assinada por Leonardo Vinhó vai numa mesma direção, quando diz que:

O manifesto da Reconstrução Revolucionária traz a crítica ao caminho de fato equivocado: a adoção da tática parlamentar do “Fora Bolsonaro e Mourão!” — isto é, de apostar no impeachment do ex-presidente — por parte do PCB, e da tática de “apelar ao TSE pela cassação da chapa de Bolsonaro e Mourão, em vez de assentar sua agitação exclusivamente na palavra de ordem por uma Greve Geral como o único caminho tático adequado para o proletariado”. Estas táticas do PCB, sim, apresentam mais coerência com uma análise que considere o Congresso o espaço principal das lutas, tendo a direita partidária como principais adversários e um bloco de centro “disputável”. Assim, tanto essa análise subjacente quanto as táticas são flagrantemente contrárias à estratégia do poder popular, reforçando ilusões nas instituições e a legitimidade delas, conforme também aponta Gabriel Lazzari em sua tribuna escrita já à época do XVI Congresso (Grifos do autor).

Aparentemente essas duas posições se destacam pela radicalidade, por abandonar a luta “parlamentar” em prol de uma luta nos locais de trabalho. Porém isso não se sustenta ao escrutínio lógico.

A lógica de Lazzari parte de um pressuposto curioso quando menciona Lira, como se o próprio (que um ano depois já estava acenando e sorrindo para Lula) não fosse capaz de jogar Bolsonaro no lixo para garantir o funcionamento normal das coisas.

Mas destaco que, ao defender o abandono pela luta do Impeachment, Vinhó e Lazzari na prática alinham-se com o PT, que, como já dito aqui, preferia a eleição às ruas. E conseguiu o que queria, com o consentimento dos “revolucionários”. Lula foi eleito no dia que a vossa santidade, o TSE, definiu, no calendário normal e nas circunstâncias mais normais (Bolsonaro só não passou a faixa para Lula por conta do seu patético auto exílio, mas poderíamos muito bem ter visto uma cena parecida com CFK rindo com seu novo amigo Javier Milei). Não parecem se atentar ao fato que a burguesia, é claro, temia mais um impeachment em tão curto espaço de tempo, e trabalhou para podar todas as pontas soltas que poderiam atrapalhar o domínio burguês.

Mas alinhar-se com o PT não pode ser usado como um problema a priori (embora em 95% dos casos seja um problema gravíssimo). Então levemos sua proposta de Vinhó a sério. Vamos executar uma Greve Geral: qual a inserção do PCB nos locais de trabalho, principalmente nos setores mais dinâmicos da economia? Os trabalhadores já organizaram-se em prol das lutas econômicas e perceberam a necessidade de uma tomada de poder político? Os trabalhadores ouvem e levam a sério o PCB? Respostas: baixíssima para a primeira questão, não para a segunda e muito pouco para a terceira. Numa situação como a que mencionamos no início do texto, a palavra de ordem da Greve Geral tem nexo, como uma tentativa de levar adiante uma luta já em vias de radicalizar-se. Mas em 2021? Agora? É uma proposta distante da realidade, frágil, impossível. Quem iria executar a greve e tomar as decisões decisivas não seriam os que a chamam. Rigorosamente falando, nunca houve greve geral no Brasil, nem em 1917, nem em 1978, pois esse é um prelúdio da tomada de poder pelo proletariado, onde os trabalhadores ficam vários dias parados e organizam-se de maneira quase militarizada.

Não se faz greve geral gritando greve geral e torcendo para que lhe escutem. Se faz greve geral quando, no momento correto, se mobiliza uma base forte de trabalhadores que confiem na direção do partido, confiança essa adquirida só com a prova de fogo da história. É como um país de terceiro mundo comprar briga com os

EUA sem ter ninguém na retaguarda. Será uma curiosa nota de rodapé da história, nada mais.

Lazzari traz um argumento curioso quando diz que é uma ilusão parlamentar apoiar a derrubada de Bolsonaro. Não me parece que ele acredite que estávamos numa situação favorável que tivéssemos o luxo de escolher qual batalha travar e de que forma.

Ademais, imagino que o companheiro esteja familiarizado com a tática de frente única, apresentada nos primeiros congressos da III Internacional, mas nem precisamos ir longe, a Mensagem de Marx e Engels a Liga dos Comunistas dá a fórmula sem grandes mistérios. Parece que o caminho escolhido foi o contrário, e só se marcha quando os democratas pequeno-burgueses tiram proveito do movimento de rua.

Familiarizados também deveríamos estar com os danos significativos que se isentar da tarefa de organizar uma Frente Única causaram para o movimento operário- dois exemplos seriam as vacilações esquerdistas do início da década de 20 na Alemanha e a política da IV Internacional em relação à resistência francesa na década de 40.

Estes sim, não os companheiros que buscam inspiração nos abstencionistas de Nápoles, são o caso cristalino do esquerdismo. Explico. A frente única é uma aliança com base numa proposta concreta. “Bater junto, marchar separado”. Ou seja, é pontual, não se trata de uma aliança de longo prazo, muito menos de uma fusão, etc (por isso é tão diferente das Frentes Populares stalinistas). E, parece óbvio, palavras de ordem são coisas que defendemos de verdade. Se vamos para a rua dizer Fora Bolsonaro, queremos que Bolsonaro saia. Se vamos para a rua pedir o fim do genocídio em Gaza, queremos que o genocídio acabe, então apoiamos e saudamos o Presidente Lula quando este banca as denúncias internacionais contra Israel, independente de eu escrever uma exaustiva crítica a tudo que ele representa. Quando os Bolcheviques pediam “paz, pão e terra” e “assembleia constituinte” eles estavam com o objetivo de conquistar essas duas coisas. Pois entendiam que essas vitórias dariam um ganho tático para a revolução.

Colocar a revolução mais perto da realidade.

Quando tratamos com desdém nossas propostas, não ganhamos a confiança de ninguém, o povo é sábio, sabe que uma revolução seria um processo custoso, mesmo que resulte na sua definitiva libertação. Sabe que não é por qualquer liderança que ele iria se sacrificar.

Ao lutar pelo Impeachment de Bolsonaro (assim como o de Temer), lutávamos por um objetivo imediato que iria melhorar as condições de luta. Bolsonaro fora, desmoralizado e a democracia ainda mais instável: o que poderia ser mais interessante para nós? Mesmo que Lula fosse eleito, seria sem o circo da frente “ampla”, sem poder escorar-se num combate antifascista.

Mas pode-se argumentar que desistir era um ato realista, pois as forças do PT e sua órbita largaram a luta. Ora, outro ponto importante da tática da frente única é justamente o ganho político com a denúncia da traição. Ora, denunciemos em alto e bom som: “preferem manter vocês morrendo que tirar o genocida do poder!”.

Um bom jeito de ser ouvido é falando a verdade com clareza.

Porém não, o PCB e a “esquerda” retirou-se da luta, cabisbaixa, à reboque dos social-democratas, dos pelegos, justamente aqueles que o comunista deveria forçar que tomasse posições de seu interesse.

Como podemos perder uma oportunidade histórica dessas? Parece que ela até foi generosa demais, mas nos recusamos todas as vezes. Quando o PT precisou de nossa independência, aceitamos, e quando ele precisou de nosso socorro, aceitamos.

Ser visto como linha auxiliar do PT não tem a ver com um sequestro estético, tem a ver com falta de projeto independente. Enfim, sigo, Lazzari propõe

não nos deixemos seduzir pela conjuntura adversa. Soubemos demarcar muito corretamente nossa linha revolucionária e nossa estratégia socialista, que aponta para a Revolução Socialista no país, que faz a autocrítica do etapismo, que defende abertamente a necessidade de construção de um Estado Operário na forma da Ditadura do Proletariado, durante os anos de governos reformistas. Não podemos abrir mão de nossa estratégia, que advém não do momento conjuntural, mas da formação social brasileira, da contradição entre capital e trabalho, mesmo tendo total flexibilidade tática para desenvolver essa estratégia. Garantir, neste momento, que nosso Partido não se desviará desse rumo (como tem se desviado em parte) é uma das tarefas fundamentais dos delegados, suplentes e membros do CC, em geral, e dos delegados, em particular, até nosso XVI Congresso Nacional.

Ou seja, abandonamos a luta que criaria mais caos e mais incerteza na burguesia, além de tirar o miliciano de Brasília, e nos “fortalecemos em nossa estratégia”. Nos encastelamos nas nossas convicções. Devemos largar um óbvio ganho tático para fortalecer uma estratégia? Que tipo de grande estrategista militar faria uma coisa dessas? Talvez seja minha ignorância o problema.

Mas como são apresentadas as coisas parece que não temos, de verdade, estratégia. Se for o caso, essa é a principal tarefa de uma “Reconstrução Revolucionária”. É a principal tarefa do movimento comunista como um todo.

Tenho por fim curiosidade de saber qual foi a posição dos companheiros na determinação de apoio a Lula no segundo turno de 2022. Óbvio que eles não tem obrigação nenhuma, inclusive tem o direito legal de não me responder nesse questionamento. Entretanto, se a posição foi contrária, pelo menos ainda guardam coerência, se foi favorável, parece que são realmente conduzem um estranho zigue zague.

Quem foi seduzido pela conjuntura adversa? Quem ficou em casa como a CUT mandou ou quem seguiu nas ruas em plena pandemia?

Conclusão

A culpa principal dos comunistas não conseguirem estabelecer-se como alternativa política é justamente eles não apresentarem alternativa. Dei dois exemplos disso. Acredito que essa confusão que deriva da pouca clareza em quando devemos ou não utilizar de determinada tática ou não- por desconhecermos as táticas em si e como elas foram usadas na história- e essa incerteza passa por não termos um estudo sistematizado da conjuntura atual, seja do modo de produção capitalista no

Brasil, seja da conjuntura política, seja do maior partido político do Brasil (!). Mas afinal o que é o PT? Poucas coisas parecem ser tão mistificadas hoje pela esquerda. Entender quem são nossos inimigos e como eles nos enganam e saber quando aproveitarmos a força deles para bater em quem queremos que ele bata, mas sem nos subordinar, é a tarefa dos comunistas. Ela não é simples, pois ela depende ao mesmo tempo de um realismo completo, ser aqueles que apresentam os problemas de maneira mais clara para a população, e os mais radicais utópicos- aqueles que buscam ampliar o horizonte de possibilidades que a realidade permite. Agir com o PT (e com qualquer outro partido burguês) é apenas nos casos onde podemos manter nossa independência (veja bem, não nossa “pureza ideológica” mas sim nossa capacidade de agir em prol de nossos objetivos) e com ganho tático. São alianças baseadas numa demanda específica, não alianças com objetivo incerto e futuro indeterminado. Verão os comunistas junto do PT na rua, idealmente, quando convergir de ambos lutarem pela defesa dos trabalhadores, contra a perda de direitos por exemplo, ou pela derrubada de alguma medida autoritária, enfim. Mas nunca verá um comunista apoiando um regime que serve para manter a espoliação e a exploração funcionando. Quem faz isso não é comunista

Os partidos não são nada a priori, nem a definição de esquerda e direita está além das classes sociais.

O PT não é essencialmente de esquerda, ele o seria se agisse colocando o trabalhador em primeiro lugar, que significa, à rigor, sua auto emancipação. Não o fez. Por isso é tão grande, por isso abraça Alckmin, Meirelles, Sarney, e até o diabo se ele manter a camarilha no poder.

Por isso é nosso inimigo.

O PT é um partido burguês, independente dos seus sindicatos, dos operários, de Lula ter como ocupação “torneiro mecânico” no TSE, etc, pois seu programa é de manutenção da ordem burguesa, e ele responde diretamente aos interesses dela. Clareza. Lula é inimigo dos trabalhadores! O que mais falta para dizermos a verdade? Precisamos de mais sinais?


[1] 1Alguns materiais da época sobre o assunto, da mídia tradicional: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-16/por-que-lula-prefere-que-bolsonaro-chegue-politicament e-vivo-as-eleicoes.html;https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-escolhe-bolsonaro-como-ad versario-diz-nao-crer-na-terceira-via-e-promete-estado-forte/.

Inclusive os figurões do PT defendem-se da acusação que sustento no texto que você está lendo, mas não explicam porque suas filiais resolveram desmobilizar os atos. (Além que, mesmo que seja verdade que eles não estavam contra o Impeachment, isso não muda o fato que era melhor para a estabilidade do regime a eleição em 2022, sem nenhum percalço no caminho. Pouco me interessa o íntimo de Lula). Funciona assim: caso exista mobilização de classe, eles a parasitam e instrumentalizam para se eleger. Caso não haja, tudo normal, os lucros se mantém. Como disse um companheiro: aos trabalhadores, imposição de uma disciplina de aço, A imposição de uma disciplina de aço, qualquer passo lateral - como a de construir uma alternativa política - visto como o mais evidente ato de sabotagem ao governo, tratarão de dar combate e a destruir tais lutas.Aos burgueses? Oras, vamos aos negócios!


Bibliografia:

BARROS, Celso Rocha. PT, uma história. São Paulo: Companhia das Letras. 2022. BATISTONI, M.R. Entre a fábrica e o sindicato: os dilemas da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (1967 – 1987). São Paulo: PUC/SP, 2001. (Tese de doutoramento);

GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, vol 1;

ENGELS, Friedrich, MARX, Karl. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas. Disponível em:

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