'Contra o art.4º §2º, contra o fracionismo!' (Camarada ΔV)

É necessário que se faça uma estrutura organizativa sólida e que não quebre militantes, é necessário que se faça uma estrutura de finanças com polos produtivos, é necessário que haja comunicação interna, é necessário que o nosso Jornal saia às ruas [...] e para a mão da classe trabalhadora.

'Contra o art.4º §2º, contra o fracionismo!' (Camarada ΔV)
"A resolução de todas essas pendências consegue melhor evitar um racha na nossa organização do que o infame e infantil Art. 4º §2º."

Por Camarada ΔV para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

“Art. 4º O Congresso do Partido é seu fórum máximo de deliberação. Será convocado preferencialmente de três em três anos, em caráter ordinário, ou a qualquer momento, em caráter extraordinário, pelo Comitê Central. O Congresso do Partido tem como funções: (a) aprovar o balanço das atividades do Partido desde o Congresso anterior; (b) aprovar as Resoluções do Partido para o período até o próximo Congresso; e (c) eleger o Comitê Central.

§1º O Comitê Central deverá convocar um Congresso extraordinário se for solicitado formalmente por Comitês cujas jurisdições representem mais da metade dos militantes do Partido.

§2º Se o Comitê Central se recusar a convocar um Congresso extraordinário nas condições do §1º, os Comitês que o solicitarem deverão eleger uma Comissão Organizadora Nacional com poderes para convocar um Congresso Extraordinário.” 

(Proposta de Estatuto do Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária)

Camaradas, escrevo esta breve tribuna para me colocar na mais diametral das oposições à disposição do Art. 4º §2º da proposta de Estatuto que consta no Caderno de pré-teses ao XVII Congresso Nacional Extraordinário do PCB-RR.

Entendo que este documento como um todo vem de um contexto extremamente traumático que engendrou a Cisão de 2023 e é inegável  que muitos destes traumas estão relacionados ao papel burocrático e antileninista que o Comitê Central do PCB exerceu no período anterior ao racha. Deste modo, é de todo esperado que as propostas organizativas, políticas, formativas e financeiras se mostrem como reflexos desses nossos traumas e busquemos a todo custo ultrapassá-los para “não repetir os erros dos nossos pais”. Este é o mais singelo sentimento de camaradagem e abnegação que eu posso imaginar! Contudo, camaradas, não podemos dar um passo maior que a própria perna ao propor soluções desesperadas e extremamente rasas para problemas que são muito mais profundos que se pode imaginar e que também refletem os vícios da sociabilidade capitalista.

O que este artigo estatutário propõe é, em palavras muito diretas, a legalização do fracionismo.

Camaradas, o que aprendemos com a Cisão de 2023? A disputa interna também é pautada por narrativas, ainda mais no caso do velho PCB em que os problemas de comunicação interna e de relacionamento entre direção e base eram extremamente latentes. Diversas foram as vezes que eu conversei com camaradas da minha célula e de outras que a gente não sabia ao certo quem estava com a razão naquele momento em que teve a maré de denúncias vindas de diversos camaradas Brasil afora. Muitas vezes eu também estive incerto quanto a veracidade das narrativas. E qual é a verdade, afinal? Para quem não tem contato com as direções ou com camaradas mais experientes e inseridos nos mais diversos espaços do Partido pode ser algo muito difícil de enxergar. Foi o meu caso, foi o caso de vários camaradas. Eu tenho certeza que diversos camaradas aderiram ao PCB-RR sem ainda ter certeza absoluta de quem tinha razão nas disputas de narrativas que engendrou o racha. 

O que eu quero dizer com isso é que a verdade, apesar de existir, nunca é clara aos olhos. Já dizia o velho barbudo que se aparência e essência fosse a mesma coisa, então não teria razão de fazermos ciência. As aparências nunca são iguais às essências. Isso quer dizer que a verdade esteve em disputa na Cisão de 2023 e estará em disputa em qualquer racha, haja vista que muitos militantes só têm acesso às aparências. Não vai ser um dispositivo estatutário que vai mudar esta realidade. 

É bem correto que o Comitê Central não soube gerir essa crise e dar uma saída unitária mediante um XVII Congresso do PCB, mas eu entendo que isso foi uma gota d’água. Mais correto ainda é dizer que as espúrias coalizões entre as alas estabelecidas no Partido no contexto do XVI Congresso Nacional foi um erro que não deveria ter sido cometido. Faltou aos nossos camaradas que hoje exercem tarefas no Comitê Nacional Provisório a intransigência de não capitular frente a desvios crassos, e isso é em si um desvio. E aí entra a questão: em que seria útil um Art. 4º §2º para apaziguar esse balaio de gatos que se formou no Partido naquele momento? Se tivermos a unidade como objetivo, não serviria de nada, já que o próprio germe do racha se encontra no dispositivo ao legitimar o não reconhecimento das direções para tarefas que lhes compete.

Por muito tempo estive contemplativo sobre quais seriam as possíveis consequências deste parágrafo. Cheguei a conclusão, dados pressupostos já ditos, que só serviria para haver um fundamento de disputa ao legado e às identidades do PCB-RR. Basicamente serviria só para dizer se é a fração A ou a fração B que pode se chamar “PCB-RR”. Este é o nosso objetivo organizativo, camaradas? Francamente, acabamos de sair de um racha e já estamos nos preparando para outro? Eu entendo que neste momento devemos nos preocupar com a nossa unidade em termos interdisciplinares. É necessário que se faça uma estrutura organizativa sólida e que não quebre militantes, é necessário que se faça uma estrutura de finanças nacional com polos produtivos, logísticos, é necessário que haja comunicação interna, é necessário que o nosso Jornal saia às ruas e vá para bancas e para a mão da classe trabalhadora. A resolução de todas essas pendências consegue melhor evitar um racha na nossa organização do que o infame e infantil Art. 4º §2º. 

Mas e se o Comitê Central incorrer em desvios mandonistas novamente? O que eu posso garantir é que nenhum desvio mandonista será resolvido com uma disposição estatutária e negar isso é a expressão mais clara do idealismo juridicista. Não acreditamos que a estrutura da nossa sociedade possa ser alterada com medidas legais, mas entendemos que o nosso partido mudará com um instrumento estatutário? Assumir isso é, inclusive, esquecer que todas as práticas antileninistas, burocráticas e mandonistas que ocorreram no velho PCB em todas as instâncias, do Comitê Central aos Secretariados de Células e Núcleos, estavam em desconformidade com as disposições do Estatuto do PCB sobre processo disciplinar. Houve a fundação de institutos penais novos (desrecrutamento e afastamento preventivo), destruição de processo disciplinar, e o que fez o Estatuto para nos proteger? Nada! Ademais, a prática mandonista não é um desvio que surge sozinho e toma as suas proporções problemáticas sozinho. Digo isso porque alguém elegeu um Comitê Central antileninista no XVI Congresso do PCB. Quem elegeu? Por que elegeu? Digo isso porque a gente ainda amarga em diversos espaços de atuação do Partido a chaga do tarefismo. 

Eu fico realmente muito cético com esse tratamento do Comitê Central como o maior demônio de um Partido Comunista, não enxergo nenhum elemento positivo nessa simplificação rasteira dos fatos. Se a gente ainda quer fazer uma revolução temos que desmistificar e deixar de demonizar o Comitê Central. Deixo claro que não teremos uma Revolução de caráter socialista no Brasil em que o PCB-RR esteja na vanguarda se não tivermos um Comitê Central capaz e confiável. As intrigas sem base concreta não são atitudes de camaradagem e tomar a desconfiança como pressuposto das nossas relações internas só nos levará ao buraco!. O que eu proponho, camaradas, não é um sectarismo acrítico às direções nacionais, o que eu proponho é simplesmente a nossa centralização.

Saudações Comunistas!