Brigada Militar do RS diz que não houve racismo e indicia criminalmente a vítima por desobediência à prisão
A sindicância diz que, em vez de racismo, houve "trangressão disciplinar" dos policiais, pois deixam o agressor circular livremente até sua casa para pegar seus documentos e por não terem chamado uma nova viatura para levá-lo no porta-malas.
Corregedoria da Brigada Militar do Rio Grande do Sul (BM) concluiu que "não houve racismo" na abordagem dos policias contra o motoboy Everton Henrique da Silva, que sofreu uma agressão à faca de Sérgio Camargo Kupstaitis, morador do bairro Rio Branco, zona de classe média alta e composto de mais de 90% de pessoas brancas (IBGE, 2010). Na ocasião, Everton - um homem negro e vítima - foi algemado e levado à delegacia no porta-malas da viatura, enquanto Sérgio - um homem branco e o agressor - foi tratado com parcimônia e levado no banco da frente.
Em depoimento, o agressor admite ter deferido um golpe de canivete contra o motoboy, que aguardava pedidos num ponto de espera comum da categoria. Kupstaitis diz ter se sentido incomodado com o fato do motoboy estar aguardando em sua rua, motivo que o levou a agredir o motoboy. A polícia, ao chegar no local em função da briga, começa a puxar e empurrar a vítima e o algema à força por não se conformar com a situação e o tratamento que recebe dos policiais. "Não me pega assim, quem tá errado é ele, quem tá errado é ele!", denunciou Everton enquanto era algemado. Todos os policiais envolvidos na abordagem eram brancos.
Além de concluir que não houve racismo na abordagem, a vítima foi indiciada por lesão corporal e por desobediência à prisão. O agressor, por sua vez, foi indiciado apenas por lesão corporal. A sindicância diz que, em vez de racismo, houve "trangressão disciplinar" dos policiais, pois deixam o agressor circular livremente até sua casa para pegar seus documentos e por não terem chamado uma nova viatura para levá-lo no porta-malas. A Corregedoria tem oito dias para notificar os policiais, que, então, poderão apresentar suas defesas.
Os policiais, que foram movidos para funções administrativas durante a sindicância, podem ou cumprir detenção, ou voltar às ruas normalmente, a depender do entendimento da Corregedoria.
O que a Brigada Militar qualifica como "trangressão disciplinar", na verdade, esconde o conteúdo desta transgressão. É um subterfúgio retórico e legal para não assumir o que fica evidente: a "transgressão" foi uma escolha dos policiais, que dão o pior tratamento para a vítima e o melhor para o agressor. A diferença essencial entre os dois, é que o primeiro é um homem negro e trabalhador, e o segundo, um homem branco residente de um bairro classe média alta. Priorizaram tratar o motoboy negro com truculência e desrespeito, tomando-o como errado na situação e colocando-o na "cachorreira" da viatura, enquanto deixaram o agressor livre e confortável no banco da frente.
Por sua vez, o governador Eduardo Leite (PSDB) segue em sua tentativa de acobertar a ação dos PMs, e denuncia o que chama de "preconceito contra a polícia". Ao fim, apenas legitima esta violência e racismo policial - faces da mesma moeda - historicamente utilizados para reprimir a população negra e pobre das cidades.
Esta situação, longe de ser uma exceção, é parte do cotidiano da Brigada Militar, cuja própria corporação já admitiu ter na cor de pele um dos fatores determinantes das abordagens. A luta por justiça deve continuar, unindo a denúncia do caso com um profundo questionamento da história e da prática da Brigada Militar, pois o racismo e a repressão da população marginalizada está no seu cerne.