Breve história da luta pela redução da jornada de trabalho
Uma reivindicação que coloca em choque os interesses mais elementares da burguesia contra os interesses mais elementares do proletariado em luta por dignidade, permitindo fazer avançar o grau de organização e de consciência de classe dos trabalhadores assalariados.
Por Redação
“A consolidação de uma jornada de trabalho normal é o resultado de uma luta de 400 anos entre capitalista e trabalhador. Mas a história dessa luta mostra duas correntes opostas.” (Karl Marx, O Capital, p. 343)
A luta em torno da duração da jornada de trabalho acompanha o movimento operário - o movimento dos trabalhadores assalariados modernos - desde os seus primeiros passos. Essa luta se inicia, na aurora do modo de produção capitalista, entre o século XVI até meados do século XVII, por meio da resistência ao prolongamento da jornada de trabalho. Os estatutos ingleses do trabalho deste período testemunham um processo de ampliação compulsória da jornada de trabalho, revelando o quanto a burguesia se utilizou da força estatal para impor a “liberdade” de venda da força de trabalho a preço de miséria pelos trabalhadores. Em 1802, quando finalmente foi aprovada na Inglaterra a legislação que limitava a 12 horas diárias a jornada de trabalho infantil (!), as jornadas de trabalho dos adultos ainda beiravam as 16 horas por dia.
Somente a partir do intenso movimento grevista ocorrido na Grã-Bretanha entre 1833 e 1847 (associado ao nascimento do movimento cartista, um marco na história da luta do proletariado por reformas das relações laborais) que finalmente foi aprovada, em 1848, a Lei das 10 Horas. Acerca dessa batalha, Marx comentou:
Esta luta acerca da restrição legal das horas de trabalho enfureceu-se tanto mais ferozmente quanto, à parte a avareza assustada, ela se referia, na verdade, à grande contenda entre o domínio cego das leis da oferta e da procura que formam a economia política da classe média e a produção social controlada por previsão social, que forma a economia política da classe operária. Deste modo, a Lei das Dez Horas não foi apenas um grande sucesso prático; foi a vitória de um princípio; foi a primeira vez que em plena luz do dia a economia política da classe média sucumbiu à economia política da classe operária.
Mas o proletariado, enquanto uma classe internacional, não demoraria a elevar essa luta inglesa a um patamar mundial, generalizando e unificando cada vez mais a luta pela redução da jornada de trabalho em um número crescente de países. Nos EUA, tão logo foi vencida a luta pela abolição da escravidão negra, o movimento operário se mobilizou como um rastilho de pólvora, levantando a bandeira da jornada diária de 8 horas. A brutal repressão da famosa greve de Chicago, no 1º de maio de 1886, foi noticiada pelos jornais operários de todo o mundo, popularizando ainda mais a palavra de ordem que seria então, em 1899, abraçada pela II Internacional Socialista e transformada em uma reivindicação presente em todos os países em que nasciam partidos proletários.
No Brasil, por exemplo, já em 1890, os estatutos da Liga Operária de Pernambuco sustentavam a centralidade da luta pela jornada diária de 8 horas. Neste ano, greves simultâneas e comícios foram organizados em mais de 20 países - não apenas na Europa, onde o capitalismo já consolidava seu amadurecimento, mas também na cidade do México e em Cuba, à época ainda colônia espanhola.
Sob essa bandeira, o proletariado internacional se uniu entoando o mote dos “três oitos”: 8 horas de trabalho, 8 horas de repouso e 8 horas para a instrução e o cultivo do corpo - ou, como registrava um cartaz estadunidense da época, “8 horas para o prazer”. O que estava em jogo, sob diversas formas, era a garantia de 8 horas além do repouso para a realização subjetiva dos trabalhadores para além do campo de sua atividade produtiva.
Vale destacar que boa parte da força desse movimento veio do fato de que os movimentos operários nos mais diversos países defendiam uma mesma reforma, uma mesma limitação da jornada de trabalho, a despeito das mais diversas situações das legislações laborais nacionais. Com exceção da Austrália, na véspera da Primeira Guerra Mundial, nos países industrializados, a duração da jornada de trabalho estabelecida por lei, quando esta existia, era de 10 horas ou até mesmo de 12 ou 14 horas, como na França. Mas a luta pela redução do tempo de trabalho nem por isso se limitou aos países mais industrializados, e também se desenvolveu na periferia da Europa, como na Grécia e na Rússia, por exemplo.
No entanto, dada a desigualdade do desenvolvimento capitalista internacional, não é de espantar que a vitória desta luta também tenha se dado em ritmo desiguais em cada país. Além de uma efêmera aplicação da jornada de 8 horas nos centros urbanos da Rússia, ao longo da Revolução de 1905-1907; e da aplicação localizada de tal jornada para algumas poucas categorias profissionais (como os mineiros ingleses, desde 1908), foi apenas com o cataclisma político-econômico produzido pela Primeira Guerra que finalmente o movimento operário se ergueu à altura das condições para impor tal demanda. Uruguai, Finlândia, México, Bélgica, Peru, França... uma a uma, as legislações trabalhistas avançaram na redução da limitação da jornada diária de trabalho a 8 horas. Com a assinatura do Tratado de Versalhes, e em especial com o advento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, o tema deixou em definitivo de ser um monopólio dos movimentos revolucionários dos trabalhadores, se tornando inclusive uma concessão reconhecida como necessária pelas burguesias como modo de, por um lado, conter o esgotamento absoluto da força de trabalho e, por outro lado, como forma de conter a potência radical destes movimentos reivindicatórias.
No Brasil, cujo movimento operário já desde a Greve Geral de 1917 defendia de modo generalizado tal bandeira, a vitória viria apenas em 1932, consolidada na legislação varguista. Em 1939, a jornada de 8 horas, em nome da qual tantos operários sangraram e morreram nas mãos da repressão burguesa, se tornaria uma realidade legal na maior parte dos países.
Desde então, o modo de produção capitalista percorreu um longo caminho de desenvolvimento de suas forças produtivas. Esse desenvolvimento refletiu-se em uma acumulação sem precedentes para os monopólios capitalistas. Como resultado do crescente aumento do capital constante (em especial da maquinaria) em face do capital variável (a força de trabalho) na composição orgânica do capital, esse desenvolvimento das forças produtivas refletiu-se em uma tendência à queda da taxa de lucro e, simultaneamente, no aumento da pressão pela diminuição da oferta de postos de trabalho. Quando um trabalhador passa a produzir em 8 horas o mesmo que antes apenas dois trabalhadores juntos poderiam produzir, a tendência natural do capitalismo é a ampliação do desemprego. Essa ampliação do exército industrial de reserva se expressa, ao mesmo tempo, tanto no rebaixamento do nível salarial dos trabalhadores empregados quanto na proliferação de ocupações em condições das mais precárias.
Durante todo esse período, a luta pela redução da jornada de trabalho foi posta de lado pelos movimentos operários reformistas, sendo raros os casos de países em que novas reduções foram legisladas (a lei das 35 horas semanais na França, promulgada em 1998, é uma exceção solitária). Mas após quase um século dessas grandes batalhas pela jornada de 8 horas, em uma época de acirramento das lutas entre as classes da sociedade capitalista, de ampliação do desemprego e de deterioração das condições de vida do proletariado, volta a se difundir entre os trabalhadores a mesma velha bandeira, sob novas formas: a proibição das escalas de trabalho extenuantes, como a 6x1; a ampliação do número de dias de repouso em escala 4x3; a redução da jornada semanal para 30 horas etc.
O que significa então, no atual estágio da luta de classes, avançar a palavra de ordem pela redução da jornada de trabalho? Significa apontar para uma gritante contradição do capitalismo contemporâneo: a contradição entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria. A palavra de ordem pela redução da jornada de trabalho é, portanto, uma reivindicação voltada ao mesmo tempo para o combate ao desemprego e voltada para a melhora das condições de vida dos já empregados. Uma reivindicação que coloca em choque os interesses mais elementares da burguesia contra os interesses mais elementares do proletariado em luta por dignidade, permitindo fazer avançar o grau de organização e de consciência de classe dos trabalhadores assalariados. Uma reivindicação com potencial para unificar à escala planetária a classe operária em uma luta não apenas por conceções menores, mas por um verdadeiro passo adiante no sentido da reorganização da economia em função das necessidades da maioria trabalhadora da sociedade.
Neste ano de 2025, está nas mãos da nossa classe trabalhadora brasileira a possibilidade de oferecer ao movimento proletário internacional uma vigorosa contribuição, que poderá inspirar toda uma escalada de lutas internacionais pela redução da jornada de trabalho!