'BNCC do Comunismo: uma crítica ao SNFP' (Ive)
Para as disputas abertas, para que tenhamos o espírito de iniciativa, ter um centralismo democrático vivo, precisamos armar es militantes. E esse armamento é realizado por meio das formações teóricas e práticas.
Por Ive para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Para dar conta dos desafios que nos são impostos no momento, da criação de um novo partido (pois com sigla ou sem sigla, a nossa reestruturação nos princípios do marxismo-leninismo nos exige criar e entender o partido de outra maneira) é preciso uma intensa preocupação com a formação de todes camaradas.
Para as disputas abertas, para que tenhamos o espírito de iniciativa, ter um centralismo democrático vivo, precisamos armar es militantes. E esse armamento é realizado por meio das formações teóricas e práticas. O primeiro, é por meio de uma literatura comum ao partido, o segundo, é por meio do contato com as massas, os movimentos sociais, através de tarefas de panfletagens nas ruas, escrita para o jornal, dentre outros. Isso forja ê camarada para intervir na luta de classes. Essas duas categorias de formação, devem se entrelaçar, nunca sendo um preterido ao outro, para não cair num academicismo ou obreirismo.
Num de seus vídeos, o camarada Jones Manoel, ao comentar os déficits organizativos do partido, cita o avanço da juventude ao ter estabelecido um sistema de formação nacional, se referindo ao SNFP (Sistema Nacional de Formação Política). Contudo, a forma como ele foi elaborado e implementado possui diversos problemas e essas críticas precisam ser apontadas para servir de acúmulo para a estruturação de uma formação nacional do partido.
Hoje o SNFP é uma sequência de textos, de diferentes eixos temáticos, cada tema com seu texto referente, em três níveis, básico, intermediário e avançado. E temos o plano de formação de militantes e outro plano para dirigentes, que é meio fantasma, nunca vi sendo utilizado o segundo plano. No início eram 8 textos obrigatórios em cada nível, e depois houve uma certa flexibilidade de escolha entre os textos do módulo.
Acontece que não há documento com as justificativas e intencionalidades dos textos estarem organizados dessa forma, para que um seja classificado como intermediário ou básico, parecendo bastante arbitrário. Isso dificulta para a base entender porque estudar aquilo e como e tomar decisões mais conscientes e críticas, do que ler e no que se aprofundar, segundo suas tarefas e interesses pessoais.
Essa rigidez, com uma sequência infinita de textos, para seguir um cronograma, retira a análise necessária da conjuntura política de uma célula ou núcleo, para que se defina as formações e que se pense a formação de quadros e a especialização do trabalho. Perde-se o sentido da secretaria de formação, transformando em algo mecânico.
Por exemplo, com a crise estourando, os textos que estavam dispostos como de leitura obrigatória, em nada nos ajudava a compreender melhor a crise do partido. O que nos leva a perceber com maior clareza que a seleção de textos é uma disputa política, já que temos um livro inteiro do Mazzeo para ler no módulo básico e nenhum texto do Centralismo Democrático de Lênin, que fez parte do index proibido de livros nesses últimos tempos. O que me faz entender que o que são escolhas arbitrárias, na verdade seriam uma junção de diversos textos, enevoando as disputas postas, sem nenhuma preocupação de fato pedagógica.
Outro problema de nossas formações é que não temos uma linha política pedagógica definida pelo partido, que deve ser defendida (algo que descobri na etapa de núcleo do congresso da UJC e me choca ainda hoje). Assim, não temos claro como deve ser feita as formações e o estudo dos textos, nem temos caminhos claros de como realizar a profissionalização da formação de modo claro, já que estamos caindo numa curricularização da formação, sem saber o que entendemos por currículo, e aí cometemos o erro de simplesmente centralizar pela via da criação de uma BNCC do comunismo, com um cronograma a ser cumprido, que é a mesma coisa que defendemos de modo contrário nas políticas de educação.
Acredito que o caminho deva ser escolher no máximo 5 textos/livros obrigatórios a todes militantes, que possam em grande parte já serem abordados nos processos de recrutamento. Também, devem ser sistematizados textos por eixo temático, com algum comentário, que dê algum preâmbulo, indicando contexto histórico, como se conecta com algumas outras leituras, classificando em nível de dificuldade, a partir desses comentários, numa métrica clara, sujeita a críticas.
A escolha da obrigatoriedade de leitura de mais textos, podem ser sempre avaliadas pelos organismos, a nível nacional, estadual ou de célula, de acordo com a conjuntura atual, ou se devemos nos preparar para alguma tarefa, como o CONUNE ou o período congressual. Por exemplo, o livro “Imperialismo, estágio superior do capitalismo” deveria ser no momento, obrigatório, dado as disputas e discussões sobre a PMAI e da definição de imperialismo, independente do militante ser dirigente ou não. Mas a obrigatoriedade não se dá de forma sumária, mas na avaliação de que armas são necessárias para aquele momento, para que es camaradas possam intervir nas disputas, independente de suas tarefas e especializações na militância.
E devemos ter claro também que refletir e estudar sobre as questões de opressão é obrigatório a todes, e devemos criar mecanismos mais claros para a não setorização do debate das opressões e para romper com o "meninos leem Lênin, meninas leem Kollontai", quando não cai no pós-modernismo, como os debates LGBTs. Para compreender melhor o debate de opressões, é necessário compreender as bases do marxismo-leninismo e para compreender melhor como a luta de classes se dá no Brasil, é necessário compreender as questões de opressão, especialmente o racismo.
E não devemos nos enganar com leituras aparentemente fáceis, mas que acaba ignorando partes importantes da história e complexidades necessárias, como o caso da indicação de “Feminismo para os 99%: um manifesto”, pelo coletivo Ana Montenegro. Uma crítica muito bem elaborada foi enviada ao coletivo por uma camarada do meu núcleo, e nunca obtivemos retorno.
Precisa ser explícito também, que formação nenhuma se faz sozinho, apenas lendo. É pelo diálogo e conflito de ideias que se dá um entendimento mais profundo da temática estudada. É a partir do diálogo que se estabelece o vínculo da leitura com a conjuntura e as tarefas tocadas. É do diálogo que aparece o real armamento do militante, podendo compreender suas discordâncias e limitações. Assim, a real formação, se dá pela discussão, não pela leitura.
Isso também é válido para formações mais específicas e práticas, como fazer posts ou edições de vídeo, por exemplo, pois, além da questão técnica, há muito de elemento criativo e político, que são melhor aproveitados em situações coletivas, como a realização de oficinas para preparar materiais.
Temos que também levar em consideração a temporalidade e espacialidade das formações. Não faz sentido uma sequência enorme de textos obrigatórios, se os organismos conseguem fazer uma formação por mês (que acredito que seja o período satisfatório, para que todos possam ter tempo de ler). Entender essa temporalidade, permite criar métricas de acompanhamento melhores, para saber como está o andamento dos organismos e a cadência, até que todes possam ter concluído e debatido um certo assunto. A espacialidade, se dá em torno da organização do debate e onde, que deve ser priorizado formações presenciais, para maior qualidade do debate.
Entendendo a temporalidade e espacialidade, percebemos também a problemática que causa a separação de módulos. Com a entrada de novos camaradas, acaba sendo criadas “turmas”, pois os mais velhos já terminaram a etapa básica e já estão no intermediário, enquanto os recém recrutados, ainda precisam passar pelo módulo básico. Isso cria um entrave organizativo para a formação. Isso impede que haja uma maior interação entre camaradas novos e antigos, o que poderia provocar maior embate de ideias. Também pode-se criar a falsa ideia de que é preciso passar por todas as leituras para se formar enquanto quadro ou dirigente, desprezando outros elementos.
Engraçado que, mesmo com os módulos, vejo pouco a retomada de outros textos e formações, para ajudar a compreensão e estimular a discussão da formação seguinte. As formações são sempre vistas de modo individual, sem ligação entre as discussões, impossibilitando a percepção da abrangência das teorias estudadas. Isso é causado principalmente, pela separação temática, em que vemos um texto sobre a crítica da economia política no básico e outra leitura somente no nível intermediário, depois de não sei quantas formações entre elas. É necessário criar uma certa coesão, para facilitar conexões entre as formações. Isso é um problema decorrente do modo de escolarização atual, que separa as temáticas em caixinhas, as disciplinas, sem relações entre elas.
Devemos tomar cuidado com a escolarização da formação de maneira pouco crítica e reflexiva, como os cursos ou o SNFP. Cuidado com a separação de níveis, entre militantes e dirigentes, para não causar uma boa capacitação critico-reflexiva apenas aos dirigentes, segregando es militantes. Devemos ter bem claro quais são as necessidades básicas formativas, para que todes possam intervir e participar da disputa política, e quais são referentes às especializações do trabalho.
Ao mesmo tempo que devemos garantir uma base comum, também devemos garantir uma certa dinamização e escolha aos organismos. Assim como sempre identificar os objetivos para cada formação e orientar como devem ser feitas, sistematizando diferentes estratégias, experimentadas pelos organismos, que estimulam maior participação des militantes.