'Balanço final do Comitê Regional Provisório do RS - Erros e acertos' (Comitê Regional Provisório - RS)

[...] desde a eleição de Lula, a esquerda [...] entrou em um profundo refluxo e dispersão, em função do governismo do setor hegemônico da esquerda. Também [...] não existe um campo de Oposição de Esquerda ao governo, o que contribui para a paralisia geral frente à ofensiva operacionalizada por Lula.

'Balanço final do Comitê Regional Provisório do RS - Erros e acertos' (Comitê Regional Provisório - RS)
"Esta constatação não é feita para “amenizar” nossos erros, mas para colocá-los em perspectiva de um processo de reconstrução Movimento Comunista que só está começando no Brasil e no mundo. Esta tarefa – absolutamente – não é fácil. Porém, ela é possível, necessária e tem na coragem e sacrifício de todos os e as comunistas a sua maior chance de ser bem-sucedida."

Por Comitê Regional Provisório - RS (cessado na Etapa Estadual) para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Para realizar um balanço do PCB-RR no RS e de seu Comitê Regional Provisório (CRP), seria necessário um profundo e amplo resgate de todo processo de reorganização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no estado, a fim de entender todos os métodos de direção, conflitos e concepções que perduram até hoje – até porque, não se pode falar do PCB-RR sem falar do PCB. No entanto, com intuito de ser mais breve e focar no balanço desta “gestão” recente do Partido, tomaremos como marco o início factual da cisão no estado, em particular o Ativo Estadual, considerando alguns aspectos anteriores importantes do processo. 

A forma inicial do processo de cisão foi marcada pela clandestinidade, tanto nacional (com o lançamento de um manifesto apócrifo), quanto estadualmente. Este elemento alavancou uma “crise de confiança”, o que colocava em xeque a legitimidade do PCB-RR desde seu princípio. Foram vários os elementos da desconfiança: desde um subjetivismo egoísta de parte da militância até legítimas reclamações de subestimação política do tal “grupo clandestino” em relação à base. Além disso, o conflito evidente entre os coletivos partidários no RS, particularmente o Coletivo Negro Minervino de Oliveira e a UJC (donde saíam a maioria dos quadros que articulavam a cisão), contribuiu para minar ainda mais a legitimidade do processo. Independentemente do motivo, esta desconfiança implicou em uma necessidade incontornável de constituir a legitimidade da cisão e de seu grupo dirigente. 

Como não poderia ser diferente, foram múltiplos os motivos da cisão. Porém, ainda mais heterogêneo foram as motivações que levaram cada militante a aderir a ela. Em momento algum se observou uma homogeneidade, uma unidade ideológica absoluta, nem mesmo relativa. Se, por um lado, o Manifesto lançava uma série de princípios sólidos, cujas contradições com o PCB-CC haviam se tornado inconciliáveis, por outro, a militância aderiu à cisão por diferentes e, às vezes, frágeis motivos (inclusive, pessoais, individualistas etc.). Apesar de não se manifestar com força logo no início do processo de cisão, estas contradições passam ao primeiro plano assim que o racha se consolida. 

O ativo estadual é o momento em que se condensam todas as contradições e insuficiências da cisão e seu grupo dirigente. Ali, para além de escolhas equivocadas quanto à forma de apresentar à militância de todo estado a existência de um grupo paralelo de articulação, sobre o qual já havia muitas suspeitas, também se incorreu em erros crassos no método de organização do debate, que prejudicou – e muito! – a qualidade da discussão, comprometendo ainda mais a unidade no processo de cisão. Estes erros foram fatores que, em vez de acalmar o estresse natural do momento e distensionar a desconfiança, os agravaram, afetando diretamente a subjetividade dos militantes e tornando o espaço mais uma plataforma para externalizar frustrações e angústias pessoais do que preparar os próximos passos da Reconstrução Revolucionária do PCB. 

Diante da necessidade de constituir legitimidade, o processo de eleição da nova direção exigiu uma ampla costura, a fim de assegurar os interesses diversos e contemplar as divergências e críticas. Desse modo, para responder aos problemas de regionalismo (divisão capital e interior), ausência de quadros negros, mulheres, etc., se estabeleceu como critérios a região de origem, a cor e o gênero dos quadros. Apesar da relevância de se considerar estes fatores (que também têm dimensão política) e, além disso, da necessidade incontornável de dar uma resposta imediata a todas contradições que saltavam à superfície no momento de erupção da cisão, se conformou, no quadro diretivo, uma colcha de retalhos mal costurados. No entanto, era o possível e necessário para assegurar a unidade naquele momento. 

Contudo, o resultado não poderia ser outro senão um Comitê Regional Provisório (CRP) inchado, cheio de pessoas incertas de sua posição e até distantes do cotidiano da direção. Além disso, também se constituiu uma qualidade e integração política-ideológica muito desnivelada. Não por outro motivo, nos primeiros três meses da cisão, o número de militantes orgânicos no CRP foi reduzido pela metade (de 43 para cerca de 20). Muitos nunca atuaram, outros se afastaram e/ou desligaram por motivos diversos (alguns pessoais, outros políticos). 

O início da gestão deste CR, tal qual sua fundação, foi marcado por erros significativos. Mesmo que sua composição tentasse dar conta do problema de legitimidade, não era suficiente. Mais que isso, era preciso se provar, imediatamente, superior à direção do PCB-CC. Qualquer erro ou repetição de erros anteriores seriam cobrados com a faca no pescoço, sob o julgamento de ser “igual ao PCB-CC”. Movidos por uma mistura da necessidade de diferenciação, reflexões críticas acerca do método organizativo e ansiedade por mudar tudo do dia para a noite, a primeira tarefa que o CR colocou para si foi elaborar uma grande reforma organizativa – antes mesmo de debater a situação do PCB-RR no estado e a luta de classes na região, ou seja, antes mesmo de definir um plano político. 

Demoramos para criar um secretariado, subestimamos o papel das assistências e ficamos sem elas durante meses. Apesar de termos tentado criar um Comitê da Região Metropolitana (cuja necessidade era sentida no cotidiano do CRP, a quem ficava a responsabilidade de organizar as demandas da RM), preocupados com a questão da legitimidade, condicionamos sua criação a um longo e demorado processo, em vez de indicar sua criação provisória e imediata, processo que não foi bem sucedido e, depois, abandonado. Também, perdemos o contato com as bases do Partido e nos afastamos das lutas práticas (apesar de este último ponto ter a ver com a imobilização da esquerda num geral). Esta situação contribuiu para agravar a desconfiança da base, para afastar ainda mais os indecisos e dar razão aparente aos detratores. A falta de lucidez sobre a inevitabilidade da permanência de métodos de direção, fluxos de comunicação nocivos e erros táticos no momento imediato após a cisão contribuiu para alimentar uma ilusão com data de validade curtíssima.

Tendo perdido os primeiros dois meses dessa forma, houve a primeira autocrítica em relação a estes erros, o que nos levou a iniciar um planejamento político, a partir do qual se faria a discussão organizativa (e não o contrário, como havíamos tentado). Apesar de construir um planejamento baseado em dados econômicos relevantes e reflexões políticas pertinentes, também cometemos erros metodológicos, teóricos e práticos no seu processo. Primeiro, porque superestimamos as condições da nossa militância após a cisão, o que nos levou a prospectar objetivos em locais nos quais sequer tínhamos militância orgânica e disposta a agir. Segundo, porque elaboramos um planejamento carente de uma análise da dinâmica da luta de classes no estado, limitado à análise fria de dados socioeconômicos e algumas experiências empíricas. Terceiro, porque, novamente, tentamos criar um método organizativo completamente diferente, a ponto de elaborar um organograma que sequer foi compreendido pelo próprio CR (e, por óbvio, nunca foi executado).

Ao fim desse processo, mesmo com um planejamento político em mãos, entramos em um momento de depressão organizativa profundo. Os quadros do Comitê Regional Provisório se mostravam exauridos, poucos atuavam com consistência e os que faziam sentiam seu trabalho ser em vão. A distância da base ainda se fazia sentir, o que levou a direção ao erro de projetar o seu próprio ânimo nas bases (“se estamos assim, a base deve estar também”), ignorando um potencial reprimido de um grupo residual de militantes que, a despeito dos problemas e do seu tamanho, ainda nutriam disposição e vontade de atuar. O desânimo parecia a tônica da nossa militância.

Este período de desânimo e refluxo do movimento, num contexto de fim de ano, resultou em uma operação lenta e protocolar do CRP. O secretariado, apesar de manter uma atividade constante com reuniões semanais, passou a concentrar inúmeras tarefas e cumprir um papel de “despachante”. Nas reuniões, lidava com os diversos problemas e urgências que apareciam, ficando os debates políticos e análises da luta de classes ausentes das suas pautas. Para piorar, identificamos que, desde a pandemia, instaurou-se uma lógica de funcionamento interno ultra dependente das plataformas digitais, o que se agrava quando num período de inação prática. A soma desses fatores pareceu ter reduzido o Partido a uma “burocracia virtual”. 

Nesse momento, passamos a perder muitos militantes, cujas saídas pareciam ter um efeito dominó. A frustração com a inexistência de uma mudança “da água pro vinho” de nossa organização figurava como o principal motivo. Não cabe fazer um único julgamento sobre isso, pois, apesar de existirem elementos comuns, cada um tem sua particularidade, ainda que, como dito anteriormente, é normal que as divergências floresçam com mais intensidade após se consolidar a cisão, a qual nunca teve uma unidade ideológica sólida. De todo modo, durante um tempo, nossa atenção ficou voltada a responder às saídas públicas e a, de alguma forma, manter e reanimar nossa militância, deixando de lado a tarefa vital de realizar novos recrutamentos.

A inexistência de um debate político consistente sobre a luta de classes no estado desarmou o Comitê Regional Provisório, tornando o Partido – novamente – refém dos acontecimentos que eclodem abruptamente. Apesar de termos recuado na proposta de uma reorganização profunda do método organizativo, o que simplificou um pouco mais nosso funcionamento e atribuições, continuamos a cometer um grave erro de direção: não soubemos eleger tarefas prioritárias. Se não se analisar a luta de classes concreta, não se identifica quais são os elementos dinamizadores do movimento de massas, dos quais se pode extrair mais frutos positivos para perseguir os objetivos estratégicos do Partido. Isso implica em uma dispersão das nossas já parcas forças. 

Esse erro ainda se agravou dada a insistência em um outro grave erro de direção, historicamente impregnado em nossos métodos, que é a dificuldade de delegação das tarefas e o desenvolvimento de um trabalho que envolva todo o coletivo. Com um distanciamento significativo em relação à base, um desânimo generalizado na direção, a ausência de tarefas prioritárias definidas, a espontaneidade e a concentração de tarefas tomaram proporções insustentáveis. O resultado foi que alguns dirigentes faziam muito (principalmente, tarefas burocráticas) e se exauriam, enquanto parte da base aguardava no silêncio por orientações e tarefas. 

Porém, mesmo acumulando diversos erros, também tivemos importantes acertos e avanços. O principal deles se deu em nossa estrutura financeira, cujo trabalho de construção foi definido como uma prioridade no planejamento. Com a política de concentração estadual do caixa, tivemos um salto grande na gestão financeira, avanços na regularização das cotizações e o estabelecimento do cálculo progressivo sobre a renda, honramos nossas contas mensais com a sede e atingimos, finalmente, a liberação de uma camarada dirigente (Juh Guerra). Em relação à formação, boa parte das metas estipuladas no planejamento também foram alcançadas, apesar de ainda estarmos longe de uma estrutura de formação teórica consistente, constante e ampliada a todo estado. 

Outro ponto importante é que, em nenhum momento, nos colocamos em conformidade com os erros cometidos. Mas, ao contrário, mesmo diante da exaustão, não renunciamos à autocrítica constante e honesta, o que nos permitiu retificar erros, reorganizar e retomar os trabalhos práticos e debates conjunturais, como tem acontecido nas últimas semanas (mas que ainda precisa avançar muito). Além disso, realizamos a organização da etapa estadual do Congresso no prazo definido nacionalmente (ainda que com prejuízo de qualidade nas etapas locais, por erro deste Comitê Regional cessante), com uma qualidade infraestrutural muito boa e assegurando alimentação e integração saudável entre a militância. Quanto à qualidade do debate político das teses, serão os próximos dias de Plenária Final que dirão o quão bom foi o trabalho de sistematização e organização das polêmicas realizado pelo CRP.

Por fim, cabe ressaltar que a situação do PCB-RR no RS não é uma ilha isolada do resto do Brasil. O processo de Reconstrução Revolucionária do PCB tem sido difícil e árduo em todos estados, os quais apresentam maior ou menor grau de organização e trabalho prático. Além disso, observamos que, desde a eleição de Lula (e até antes), a esquerda brasileira entrou em um profundo refluxo e dispersão, em função do governismo do setor hegemônico da esquerda. Também, hoje, não existe um campo de Oposição de Esquerda ao governo, o que contribui para a paralisia geral frente à ofensiva burguesa operacionalizada por Lula.

Esta constatação não é feita para “amenizar” nossos erros, mas para colocá-los em perspectiva de um processo de reconstrução Movimento Comunista que só está começando no Brasil e no mundo. Esta tarefa – absolutamente – não é fácil. Porém, ela é possível, necessária e tem na coragem e sacrifício de todos os e as comunistas a sua maior chance de ser bem-sucedida.