Austeridade fiscal inviabiliza políticas de prevenção a enchentes e desastres climáticos

Essa política de austeridade, além de barrar qualquer ação imediata, contradiz a própria ideia de responsabilidade fiscal, uma vez que os gastos com reconstrução após as tragédias foram sete vezes maiores do que os investimentos em prevenção nos últimos anos.

Austeridade fiscal inviabiliza políticas de prevenção a enchentes e desastres climáticos
Pessoas caminham em uma rua inundada devido a fortes enchentes no bairro propenso a inundações de Jardim Pantanal, em São Paulo, Brasil, 4 de fevereiro de 2025. Foto/Reprodução: REUTERS/Tuane Fernandes.

Por Redação

Enchentes devastadoras em São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais, em fevereiro deste ano, evidenciam os impactos da crise climática no Brasil, que atingem principalmente a classe trabalhadora. Em São Paulo, o Rio Tietê registrou um volume de água cinco vezes acima do normal, deixando tanto ruas quanto metrôs da capital submersos; em Santa Catarina, quatro municípios declararam situação de emergência; e, em Espinosa (MG), 260 famílias perderam suas casas.

Especialistas alertam que ações reativas não são suficientes e defendem investimentos planejados, monitoramento contínuo de áreas de risco e o fim do teto de gastos, para que os recursos públicos possam ser direcionados ao enfrentamento de eventos climáticos extremos.

O aumento dos desastres ambientais decorrentes da crise climática é a consolidação mais que contundente de que as políticas neoliberais adotadas pelo Governo Federal, estados e municípios jamais conseguiriam resolver as questões climáticas.

De acordo com reportagem da Agência Pública, com dados levantados pelo Governo Federal, aproximadamente 73% da população (ou seja, 3 em cada 4 pessoas) vive em 1.942 municípios com alto risco de desastres causados por chuvas, representando 34,9% das cidades do país. O estudo também ranqueia os estados com mais municípios suscetíveis a desastres: Minas Gerais com 238 municípios, Santa Catarina com 207, São Paulo com 172 e Rio Grande do Sul com 142 municípios vulneráveis.

A negligência e a falta de ações por parte dos governos estaduais e municipais têm agravado os impactos das enchentes em diversas regiões do país. A ausência de um planejamento adequado para mitigar desastres inclui falhas na revitalização de córregos, preservação de áreas verdes, investimento em sistemas de drenagem, coleta de lixo, implementação de sistemas de alerta e monitoramento, restauração de ecossistemas e políticas habitacionais. Além disso, a participação popular nos debates e decisões sobre essas questões são inexistentes e quando acontecem são limitados.

Em São Paulo, por exemplo, o governo se reuniu com lideranças de 53 municípios para discutir planos de drenagem, mas nenhuma resolução relevante foi apresentada. O coronel Hengel Ricardo, responsável pela Defesa Civil do estado, declarou que a população deve se adaptar para enfrentar as mudanças climáticas, como se não fosse responsabilidade constitucional do governo garantir condições mínimas de sobrevivência e segurança à população diante de eventos extremos. 

Os planos de drenagem existentes têm se mostrado insuficientes para escoar o volume de água das chuvas intensas, especialmente em grandes centros urbanos que crescem de forma desordenada. Essa realidade atinge principalmente a população mais pauperizada, que vive com até dois salários mínimos e já compromete grande parte de sua renda com aluguéis em áreas precarizadas e com despesas básicas, como alimentação. Sem opções dignas de moradia e trabalho, essas famílias ficam ainda mais vulneráveis a condições laborais desumanas, perpetuando um ciclo de exploração. 

As enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado e em São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais em fevereiro deste ano são exemplos disso. No RS quase 80 mil pessoas ficaram desabrigadas em abril de 2024; só em fevereiro deste ano, em SP, foi registrado um volume de água 5 vezes acima do normal no Rio Tietê; em SC, 4 municípios declararam situação de emergência, e, por fim, no município de Espinosa em MG, cerca de 260 famílias ficaram desabrigadas por contas das enchentes.

Sob o pretexto de responsabilidade fiscal, o Novo Arcabouço Fiscal do Ministro Fernando Haddad, deteriora o orçamento para políticas sociais e inviabiliza qualquer projeto de prevenção de desastres climáticos. Assim, não leva em consideração a tragédia ambiental em curso, a degradação dos ecossistemas, e abandona a responsabilidade socioambiental em detrimento das regras fiscais.

Dados do próprio governo demonstram que desde 2003 o orçamento destinado ao Ministério do Meio Ambiente foi sendo reduzido gradativamente. Além disso, o Brasil segue preso a uma lógica extrativista liderada pelo agronegócio que recebe vultuosas quantias do Plano Safra, bem como ao setor rentista cujo único objetivo é a espoliação de ganhos.

Essa política de austeridade, além de barrar qualquer ação imediata, contradiz a própria ideia de responsabilidade fiscal, uma vez que os gastos com reconstrução após as tragédias foram sete vezes maiores do que os investimentos em prevenção nos últimos anos. Em matéria para o Intercept Brasil, o economista David Deccache aponta que não é possível ter responsabilidade fiscal sem responsabilidade ambiental. Em relação às queimadas no ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, concedeu créditos extraordinários para a resolução de problemas, mas essa prática é apenas paliativa, compromete a fiscalização e deixa brechas para desvios e falta de transparência.

Ao optar por reduzir investimentos em saúde e prevenção de desastres, o Governo Federal assume uma postura utilitarista que naturaliza perdas, como se fossem inevitáveis. O ponto central, no entanto, é que o que está sendo afetado, alagado, enlameado e soterrado é a classe trabalhadora, cada vez mais empobrecida e vulnerável.