'As Disputas Vazias no Estado de São Paulo e a Direção Imóvel' (Bia L e Danilo B)

Assim, o centro da nossa crise não seria problemas de democracia interna na relação entre o CR e as bases, como a camarada Jaq e o camarada GDL colocavam, mas sim devido a ausência do CRP-SP enquanto sintetizador e direcionador da intervenção do Partido nas lutas de classes.

'As Disputas Vazias no Estado de São Paulo e a Direção Imóvel' (Bia L e Danilo B)
"É preciso enfatizar com todas as letras que não defendemos que a democracia interna é um elemento secundário para um partido leninista. Acreditamos que ela não deve andar sozinha, que deve se desenvolver enquanto se desenvolve também a unidade ideológica dentro do partido e por meio da intervenção na luta de massas. E acreditamos que os últimos meses no CRP foram capazes de provar que isso é verdade."

Por Bia L e Danilo B para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Enquanto membros do Comitê Regional Provisório de São Paulo, decidimos nos dedicar a escrever essa tribuna como uma tentativa de estabelecer um horizonte para a disputa que se desenha em nosso estado. A partir do diálogo com as tribunas da camarada Raquel e da camarada Ju Sieg, fizemos aqui uma tentativa de ampliar e aprofundar esse debate no contexto específico de São Paulo. O debate com as bases sobre a democracia interna e a unidade ideológica em nosso partido não pode ser deixado para depois se quisermos construir um congresso forte e que consiga apontar os rumos dos comunistas até a revolução. Ao fim, é exatamente disso que estamos falando: se seremos capazes ou não de construir um partido que dê conta da tarefa histórica e hercúlea de organizar toda a classe trabalhadora para tomar o poder da burguesia.

Em um primeiro momento, partiremos da tribuna da camarada Ju Sieg, especialmente quando diz que com a desestruturação do trabalho com as massas, o trabalho "de fora para dentro" é o que prevalece é o "de dentro para fora": disputas internas centradas em pontos de vista meramente individuais ou de pequenos grupos, que se digladiam uns contra os outros sem que seja possível avançar em formulação sobre a realidade da classe trabalhadora no estado. Essa perspectiva, no momento em que nos encontramos agora, é ainda mais crucial, e explicamos o porquê.

O CRP, há alguns meses, passa por um desmonte de seus trabalhos. Se antes os membros da instância conseguiam minimamente se inserir em espaços estadualizados das grandes mobilizações que vinham acontecendo no último período, essa capacidade já se perdeu. O trabalho prático que resta é muito pouco. Porém, curiosamente, a instância não deixou de ter muitas coisas para fazer e de ter membros extremamente sobrecarregados.

Esse problema já havia sido debatido no penúltimo pleno do CRP SP em Fevereiro, e desde então, as discordâncias começaram a se expressar no debate. Existiam os camaradas que defendia que precisamos deixar trabalhos de lado e aceitar que não podemos dar conta de absolutamente tudo e os camaradas que defendiam que, por trás desse problema, existia algo ainda mais grave e menos simples de resolver: estamos sobrecarregados porque não tocamos tarefas que fazem sentido, que tenham conexão com a realidade e que com o trabalho que a própria base está tocando. Precisaríamos, então, não necessariamente reduzir o número de trabalhos, mas escolher e priorizar a inserção em trabalhos que são capazes de mobilizar politicamente a nossa estrutura partidária, em especial em um momento de crise, para não desmoronar. Ou seja, seria necessário tornar a instância uma instância dirigente de fato.

Nos parece, camaradas, que esse debate se conecta muito com o que a camarada Ju trouxe na sua tribuna e continua extremamente relevante. O que ganhamos nos últimos meses desde que esse debate aconteceu? Conseguimos barrar a sobrecarga dos militantes do CRP e fazer com que os camaradas parassem de se desligar e se afastar da instância? Isso é responsabilidade meramente de não termos conseguido "deixar de lado" certas tarefas?

Voltando ao presente, no Comitê Regional Provisório de São Paulo (CRP-SP), a tribuna da camarada Raquel suscitou uma discussão que dividiu a direção estadual em duas posições. No geral, todos os militantes concordaram com a validade da crítica, mas uma parte dos militantes colocavam que a questão da democracia interna era central no momento, enquanto outra parte colocava que a falta de intervenção do Partido nas lutas de classes do estado era a raíz do nosso problema, sem deixar de reconhecer a importância de avançar cada vez mais na democracia interna.

A primeira linha que se colocava, defendida principalmente por ês camaradas Jaqueline (Jaq) e Gustavo Di Lorenzo (GDL), defenderam que se abrisse uma investigação em cima da denúncia da Raquel, com o objetivo de juntar mais informações sobre e de responsabilizar os envolvidos, e defenderam também uma autocrítica coletiva da instância. A posição pode ser bem representada em uma frase que o camarada GDL colocou no email “Discutir a Sabesp é importante, mas com quem e em que termos, precede.”

A segunda linha no debate, e que defendemos nessa tribuna, defendeu que no estado estamos em situação de crise devido a falta de unidade da nossa militância, que risca causar um esfarelamento no estado após o Congresso, e que a unidade deveria ser construída pela ação externa, buscando criar uma unidade ideológica e política como a principal fundação do nosso partido. Assim, o centro da nossa crise não seria problemas de democracia interna na relação entre o CR e as bases, como a camarada Jaq e o camarada GDL colocavam, mas sim devido a ausência do CRP-SP enquanto sintetizador e direcionador da intervenção do Partido nas lutas de classes.

É preciso enfatizar com todas as letras que não defendemos que a democracia interna é um elemento secundário para um partido leninista. Acreditamos que ela não deve andar sozinha, que deve se desenvolver enquanto se desenvolve também a unidade ideológica dentro do partido e por meio da intervenção na luta de massas. E acreditamos que os últimos meses no CRP foram capazes de provar que isso é verdade. 

Vejam camaradas, este CRP direcionou diversos esforços para o aprofundamento da nossa democracia interna: Revertemos a posição sobre delegação nata a partir de críticas da base, criamos um Boletim Interno onde uma das diretrizes é as direções estaduais sempre que possível responder as críticas que recebe da base, descemos para as base pedidos para que contribuíssem sobre a metodologia eleitoral do Congresso, descemos para as bases que avaliassem a atuação dos assistentes, fornecendo inclusive a possibilidade de realizar críticas de forma anônima, todas essas iniciativas puxadas inclusive por militantes do segundo lado. E mesmo com todas essas iniciativas, não conseguimos consolidar a unidade dos militantes de SP: Por que? Porque sem a ação conjunta, qualquer espaço democrático é apenas simbólico. O CRP-SP pode ter construído diversos espaço democráticos, mas falhou em organizar ação contra a privatização da SABESP, falhou em girarmos e orientarmos nossa militância para o trabalho sindical e trabalho nas periferias, está falhando em denunciar a corrente Operação Verão que já assassinou dezenas dos nossos na Baixada Santista, etc., e, assim, falhou em dar conteúdo político para esses espaços democráticos e criar unidade na nossa militância.

No mesmo sentido, a unificação dos CRs em São Paulo foi um tema polêmico e cabe, sim, um grande balanço sobre esse processo. Mas debatê-la sem tocar nos pontos de se foi benéfica ou não para a organização dos nossos trabalhos e estruturação do partido enquanto ferramenta da classe trabalhadora, é um erro tremendo.

Isso não significa que as “conversas de corredor” não são um problema, mas em meio a falta de unidade política e, sobretudo, ideológica, a disputa em torno da democracia interna se torna vazia e moralizante. Por exemplo, se entedíamos que as perseguições e articulações no PCB-CC eram consequências do conflito entre a linha do leninismo versus a linha do multipolarismo, conflito ideológico que se intensifica com o acirramento dos conflitos inter-imperialistas, como vemos pela Guerra da Ucrânia, então quais as linhas políticas que dividem a militância e explicam tamanho conflito? Se não há, se a disputa interna não determina nossa intervenção na realidade, então ela é apenas uma disputa moral, e não deve ser tratada como central em nosso Partido.

Podemos concluir que o problema parte, portanto, do fato de que o CRPSP não consegue ser, de fato, um corpo dirigente. Então, o que deve ser um corpo dirigente? Deve não apenas ser capaz de fazer a síntese das linhas em nosso partido e dos trabalhos da nossa base, mas deve ser uma instância que construa esses trabalhos de forma a torná-los possíveis. Que consiga intervir no movimento de massas a nível regional, em seus mais variados setores, para que a nossa base também tenha condições de fazê-lo a nível local. É o que não conseguimos fazer hoje, e portanto não conseguimos dar sentido algum para que a militância construa o partido. Escrevemos essa tribuna como uma esperança de que, no congresso, consigamos construir alguma unidade ideológica, para que ainda exista um partido em São Paulo daqui uma semana. 

Isto não é uma defesa do CRP-SP, pelo contrário, é uma crítica das mais graves. A nossa direção estadual falha repetidamente em dar soluções aos trabalhadores do estado, e ousa limpar sua consciência repetindo para si mesma que “não damos conta”. Estamos vendo diversos trabalhos estaduais escorrendo em nossas mãos, enquanto a instância responsável por eles apenas se reúne para discussões formais. Os principais trabalhos estaduais que estamos tocando todos acontecem apesar do CR enquanto instância, dependendo excessivamente de alguns poucos dirigentes estaduais em comissões que bem poderiam ser células próprias, tamanha a falta de conexão entre os trabalhos.

Camaradas, não temos mais tempo. A cada segundo que nos furtamos da luta de classes, a burguesia avança na exploração e morte da classe trabalhadora: cada segundo é uma jovem morrendo em clininicas de aborto clandestinas, é um estudante passando fome na faculdade, é uma travesti violentada nas ruas, é um jovem trabalhador preso injustamente, é um trabalhador levado a exaustão, enfim. É nosso, e apenas nosso, o dever de organizar a classe para enfrentar esse massacre. Se concordamos com Lenin que “fora do poder, tudo é ilusão”, então entendemos que alinhemos esse mote na prática: que todas as nossas discussões tenham a tomada do poder como elemento central.