Após recuo, projetos anti-aborto seguem na agenda do Congresso

Mobilização nacional fez Lira adiar articulação anti-aborto, mas o movimento deve ser permanente para barrar a articulação do bolsonarismo, centrão e bancada evangélica

Após recuo, projetos anti-aborto seguem na agenda do Congresso
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Por Redação

No primeiro semestre deste ano, uma mobilização nacional freou o avanço do PL do Estupro (1904/2024). Esse projeto de lei foi uma resposta da Câmara ao STF, representado por Alexandre de Moraes. Em maio, o ministro suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia médicos de realizar a assistolia fetal (método de aborto em gestações mais avançadas).

O PL do Estupro visava equiparar o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio. A legislação atual permite o aborto em apenas três casos: fetos sem cérebro, gestação fruto de estupro ou risco de vida de quem gesta. Fora desses cenários, pessoas são obrigadas a gestar – em um processo semelhante à tortura – ou a buscar alternativas clandestinas, seja em caras clínicas de aborto ou em práticas caseiras, colocando suas vidas em risco. A insegurança impacta principalmente as pessoas pobres e negras, geralmente alienadas de seus direitos sexuais e reprodutivos, tendo menos acesso a métodos contraceptivos, educação sexual e ao aborto legal (ou clandestino seguro).

Além das restrições vigentes, que tiram a autonomia sobre o corpo de quem gesta, o PL do Estupro e a resolução do CFM integram um movimento ideológico contra o aborto, que voltou a ganhar força com o crescimento da extrema-direita internacionalmente na última década. Parte do que a mídia chama de “pauta de costumes”, a criminalização do aborto se soma a temas que unem bolsonarismo, direita tradicional, centrão e bancada evangélica.

A tática dos movimentos de extrema-direita em diversos países é clara e repetida: construir um pânico moral sobre temas capazes de gerar comoção, como aborto, sexualidade, infância e gênero. Esse pânico sustenta uma ofensiva sobre direitos garantidos nas últimas décadas. A rejeição da parcela mais conservadora da população a esses temas é catalisada pela desinformação disseminada em mídias sociais, grupos de WhatsApp e portais de notícias que formam as redes desses movimentos.

A ameaça continua no Congresso Nacional

O PL do Estupro teve forte apoio de Arthur Lira (PP/AL), presidente da Câmara. Isso ficou evidente na aprovação do requerimento de urgência, que atropela os ritos da casa, como o debate em comissões. A postura de Lira em apressar a aprovação do PL faz parte de um acordo com a bancada evangélica, num momento em que articula sua sucessão na presidência da casa.

O resultado foi uma ampla mobilização nacional em defesa do direito ao aborto. Ocorreram atos em todo o Brasil, organizados por movimentos sociais, coletivos feministas e entidades de profissionais de saúde. O PCBR e a UJC compuseram atos nas mais diversas cidades. No portal da Câmara dos Deputados, o PL foi o mais visualizado desde 2002, com uma enquete de mais de um milhão de votos, tendo maioria contrária.

Preocupado com a opinião pública e seu impacto na articulação da sucessão da mesa diretora e com a proximidade das eleições municipais, Lira recuou, vendo seu nome associado ao projeto e à revolta nas ruas e nas redes sociais. A tramitação do projeto foi adiada, sob o pretexto da criação de uma “comissão representativa”.

A vitória da mobilização popular e o adiamento da votação não significam o fim da ofensiva. Pelo contrário: foram criados pelo menos três novos projetos que, de diversas formas, avançam sobre o direito de abortar e buscarão respaldo na comissão criada por Lira para após as eleições. Na correlação de forças estabelecida no Congresso, com ampla maioria de parlamentares conservadores e contrários aos direitos sexuais e reprodutivos, não se pode esperar qualquer resultado positivo dessa comissão.

Resta reforçar a importância de um caráter permanente das mobilizações em torno do tema, como aponta Mariana Amaral, diretora do Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP) e militante do PCBR: “O recuo em relação ao PL não é nenhuma garantia de que não haverá retrocesso. É necessário continuar nas ruas, organizando um calendário nacional de mobilização permanente em torno da pauta. E mais: é preciso dar um passo além, e levantar a bandeira da luta pela legalização do aborto sem restrições, com amplo acesso ao procedimento seguro e gratuito, para todas as pessoas que gestam”.