Após decisão do STF, Santa Catarina aprova lei que prevê multa para usuários de maconha

A lei catarinense simula um ilícito administrativo, mas cria um ilícito penal que, pela constituição, só poderia ser tema para a câmara federal. Ou seja, a lei é inconstitucional e não deveria existir dentro do aparato jurídico burguês.

Após decisão do STF, Santa Catarina aprova lei que prevê multa para usuários de maconha
Jessé Lopes (PL), autor da lei. Foto: Rodolfo Espínola/Agência AL

Por Redação

Com a conhecida alegação de combate às drogas ilícitas, o Projeto de Lei (PL) 475/2021, de autoria do deputado Jessé Lopes (PL), foi aprovado na Alesc no começo de julho e sancionado em lei pelo governador Jorginho Mello (PL) no último dia 16. O valor da multa é um salário mínimo na primeira ocorrência e dois em caso de reincidência, e os valores arrecadados serão distribuídos da seguinte forma: 50% para o Fundo Estadual para Melhoria da Segurança Pública; 25% para o Fundo Estadual Antidrogas; 25% para o Fundo Estadual da Saúde.

A decisão ocorre logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizar usuários que portarem de até 40g de maconha ou seis plantas fêmeas. Porém, mantendo o porte dentro desses limites como ato ilícito administrativo. A lei catarinense simula um ilícito administrativo, mas cria um ilícito penal que, pela constituição, só poderia ser tema para a câmara federal. Ou seja, a lei é inconstitucional e não deveria existir dentro do aparato jurídico burguês. Mas, como aprofundamos na sequência, ela foi criada para atender aos interesses dos políticos envolvidos e da burguesia.

O governador disse que a lei “significa proteção à família". Em contraste, outro projeto de lei aguarda aprovação do governador e ampliará o horário de venda de cerveja dentro dos estádios e arenas esportivas, passando de meia hora para duas horas antes e depois do início do evento esportivo. Trata-se do PL 143/2024, que conta com ampla aceitação da direita catarinense. Fica evidente que a direita catarinense não tem problema algum com o uso de drogas em espaços públicos e a suposta “proteção às famílias” não passa de discurso demagógico.

 A legislação se aplica exclusivamente a drogas ilícitas em espaços públicos, enquanto o uso das mesmas substâncias em locais privados não é alvo desta medida. Ao mesmo tempo, o estado catarinense é reconhecido nacionalmente por ter muitos locais privados para o uso de drogas ilícitas. Estes locais incluem baladas regadas a cocaína e raves com drogas sintéticas, frequentados pela pequena burguesia e pela burguesia nacional. Não é por descuido que nenhum desses locais nunca foi nem será alvo do combate às drogas da direita catarinense, que inclusive tem várias figuras envolvidas com o tráfico de drogas.

 Ao mesmo tempo, a classe trabalhadora só pode fazer uso de drogas ilícitas, fora de seu local de moradia, em espaços públicos como praias e os poucos parques e praças, normalmente localizados nas regiões mais caras das cidades de Santa Catarina. Para esses usuários o deputado autor da proposta deixa claro como ela vai funcionar: “Quem aqui de vocês, que tem família, que tem filhos, que vão andar na praia, que vão andar em seu horário de lazer num parque, vão a igreja e tem que se depara com um desgramado maconheiro fumando aquela porcaria e constrangendo você, a família e todo mundo ao seu redor com aquele fedor ainda por cima”. Note que o usuário não precisa fazer absolutamente nada para o membro do Partido Liberal para que seja constrangido com sua presença e o cheiro é secundário.

Assim, a direita culpa os usuários proletários, dependentes químicos ou não, pelos problemas sociais gerados pelo vício e por décadas de guerra às drogas, e finge lidar com o problema ao criar uma lei inconstitucional para oprimir a classe trabalhadora. Na prática, a criminalização reforça a lógica da guerra às drogas. Porém, o que os deputados oportunistas realmente querem ao defender a lei é se beneficiar eleitoralmente, pois esse discurso moralista agrada os eleitores que desconhecem o assunto e que foram levados a concordar com a repressão pela propaganda mentirosa de que a guerra às drogas beneficia a classe trabalhadora.

Como seria de se esperar, as defesas do projeto de lei na ALESC variam do bizarro ao medonho. O autor da proposta, também alegou que o problema das drogas estariam associados ao judiciário não impedir o tráfico, ao STF legislar e ao governo Lula ter cortado o dinheiro das comunidades terapêuticas. Já a deputada Ana Campagnolo alega, e supostamente comprova com manchetes sensacionalistas de jornais, que o PT teria sido o maior agente do narcotráfico no Brasil. Durante a defesa, vários deputados da direita afirmaram que a lei era um sinal para Lula e o STF.

Os deputados estaduais do PT presentes, Luciane Carminatti e Fabiano da Luz, declararam apoio ao PL que criminaliza usuários, para a surpresa de poucos. Carminatti destaca a importância da prevenção à dependência química e de ter mais recursos para educação e para assistência social, que são medidas acertadas apesar de serem insuficientes para resolver o problema. Porém, a deputada ainda se disse preocupada com a falta de policiais para fazer valer a lei, nas palavras dela “para que, de fato, a lei não seja apenas um quadro na parede, pra gente comemorar”.

Fica claro que os sociais liberais do PT não defendem a classe trabalhadora contra o punitivismo burguês, que aqui se apresenta como multar os trabalhadores usuários pobres. O único deputado estadual que se declarou contrário à proposta na seção da Alesc foi Marquito (PSOL), que deixou claro ser por conta da inconstitucionalidade da lei. De qualquer forma, nenhum desses oportunistas agitou a questão para a classe trabalhadora, pois temem que isso leve a perda votos de seus eleitores, tanto dos que discordam da repressão quanto dos eleitores que concordam com a repressão, mas não gostam dessa posição vacilante. Mas o maior exemplo de oportunismo foi o deputado Fabiano da Luz (PT), que ao subir na tribuna para declarar apoio ao projeto higienista deu uma lição de moral na “direita marqueteira” que não era “séria” e não estaria “preocupada com o resultado” do PL. Fabiano usou essa fala em um vídeo pro seu instagram onde defende o combate às drogas sem informar que a lei em questão era para multar usuários pobres e expulsar eles de locais públicos. Exatamente o que faria um oportunista de direita.

Vivemos numa sociedade capitalista onde a opressão da classe capitalista aos trabalhadores usuários é feita pelo estado através da guerra às drogas e é apoiada pela mídia e partidos burgueses, de esquerda e de direita. Essa guerra é tão fraudulenta que cinco décadas dela não diminuiu os problemas associados à dependência química, mas fortificou o aparato repressor do Estado e, inclusive, fortaleceu o tráfico, garantindo novos membros para o crime organizado através do encarceramento em massa. É necessário que os trabalhadores se organizem para somar suas forças na luta pela conscientização, contra a farsa da guerra às drogas, pela legalização de todas as drogas e para que a dependência química seja tratada como um problema social e de saúde pública. Só com muita luta vamos conquistar o fim da repressão policial.