'Apontamentos sobre o Movimento LGBT e as Teses' (Yuri)
Apesar de acertadamente descrever como obrigação des comunistas o combate à lgbtfobia, penso que falta aprofundar bastante para que a relação entre comunistas e LGBT+ não seja colocada em termos que flertam com certo paternalismo.
Por Yuri para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Saudações, camaradas! Gostaria de propor algumas reflexões sobre o movimento LGBT à luz do caderno de teses. Apesar de acertadamente descrever como obrigação des comunistas o combate à lgbtfobia, penso que falta aprofundar bastante para que a relação entre comunistas e LGBT+ não seja colocada em termos que flertam com certo paternalismo.
O fato de ficar em torno de descrever como LGBT+ trabalhadores são vítimas da direita, ou que a revolução socialista pode pôr fim a lgbtfobia, faz a relação entre comunistas e LGBT parecer ser uma questão de princípios morais ou éticos, onde comunistas travariam uma luta contra essas injustiças, mas que em última instância dizem muito pouco sobre a situação de camaradas cis-hetero, um tipo de concessão do seu tempo e espírito combativo por benevolência. Eis aqui a relativa aproximação com um paternalismo. Comunistas devem lutar contra a lgbtfobia não porque se trata de uma injustiça, não porque é uma arma nas mãos da direita para fragmentar a classe trabalhadora, embora possamos concordar com isso, sobretudo o uso que a direita faz. Mas sim porque, como é rapidamente mencionado, a violência lgbtfóbica é funcional ao modo de produção capitalista, é estruturante dele.
Como é desenvolvido na obra traduzida pelo Coletivo LGBT Comunista, “Sexualidade e Socialismo”, não dá pra falar da família nuclear, igualmente importante para a compressão desenvolvida pelo feminismo classista da opressão de gênero, sem falar da lgbtfobia. O trabalho reprodutivo executado de forma generificada pressupõe a opressão que reafirme todo tempo os padrões de gênero e sexualidade que se conformam à perpetuação dessa unidade produtiva que é a família nuclear; o que por sua vez demarca a pertinência dessa família ao capital, via trabalho não pago e invisibilizado executado dentro dela que o exime de qualquer responsabilidade significativa na reprodução das condições de vida da classe trabalhadora.
Diante dessa compreensão da origem da lgbtfobia, se torna necessário enfatizar como, feito as demais opressões, estamos falando de algo que se conforma para a perpetuação da exploração da classe como um todo. Não se trata de uma especificidade que comunistas devem abordar porque há trabalhadoras LGBT, mas porque diz respeito a exploração em si. Aqui muitas vezes persiste um método onde fazemos uma análise da economia política, operando em alto grau de abstração, pensando insistentemente numa “exploração” indiferenciada, universal, e depois contrapor isso à uma análise da opressão de pessoas LGBT+, às mulheres, pessoas racializadas. Algo se perde nesse método, e é exatamente esse o mérito reconhecido nas teses sobre o feminismo marxista quando se fala da noção de reprodução social, pois esta dá conta de unificar a exploração e opressão sem reducionismos. Desde o início da análise da economia política, a generificação, a racialização, precisa ser considerada, e só assim vemos a capacidade do capital de ao mesmo tempo impor a toda a classe trabalhadora a exploração e articular as opressões de maneira orgânica e funcional a ela, integrando toda a heterogeneidade possível dentro do seio da classe.
Acredito que, para além de fornecer táticas e estratégias mais acertadas e efetivas, só o reforço e insistência nessa compreensão sobre a origem da lgbtfobia e sua relação com o capitalismo, e portanto, como diz respeito à classe trabalhadora inteira não sendo primariamente questão de uma aliança tática contra a direita nem de princípios morais superiores, pode dar conta de superar tendências a tornar a luta LGBT+ secundária no movimento real, prático, eliminando eventuais oportunismos que rifem tais pautas em nome de ganhos políticos aparentemente maiores.