'Aos que travam a luta antirracista no PCB' (Maísa)
Não esqueço nem invizibilizo a nossa luta antirracista, que construímos a duras penas, sem financiamento, nem incentivo partidário. Me refiro apenas, nesse momento, à luta hegemônica do PCB que não nos inclui.
Por Maísa para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Dirijo essa contribuição a camaradas que, de forma contracorrente, inserem em sua formação teórica e em sua atuação práxica a questão racial e de gênero - o que infelizmente não abrange todo o conjunto da militância.
Sabemos as estatísticas de mortes e violência dos nossos em decorrência de racismo, feminicídio, transfobia, opressões fundantes e estruturantes do capitalismo. Sabemos que nossa força de trabalho, especialmente na periferia do capital, é superexplorada, que somos nós o exército industrial de reserva e a força de trabalho reprodutiva não paga que mantém o sistema. Sabemos que em momentos de crise, o reforço de nossa desumanização e submissão não é opcional, é essencial para a manutenção das taxas de lucro. Sabemos, também, que a nossa revolta e libertação significaria o fim do modo de produção como conhecemos.
Para nós, a revolução comunista não é apenas uma palavra de ordem, um grito de torcida, uma identidade e uma estética a ser adotada. Não é uma carreira a ser seguida para alcançar uma posição de prestígio, escrever livros e fazer palestras pra autoconstrução. A luta para nós é uma urgência e uma necessidade. Construímos a luta revolucionária porque não temos outra opção. A liberdade é uma luta constante.
É doloroso, portanto, quando construímos organicamente um partido marxista-leninista, dedicamos horas de descanso e de reprodução da nossa força de trabalho, aceleramos nossos processos de desgaste e adoecimento físico e mental em prol de uma luta coletiva que não nos inclui. Será que a luta travada hoje vai garantir a sobrevivência dos camaradas negros até o pós revolução? Não esqueço nem invizibilizo a nossa luta antirracista, que construímos a duras penas, sem financiamento, nem incentivo partidário. Me refiro apenas, nesse momento, à luta hegemônica do PCB que não nos inclui.
A luta dos teóricos carreiristas que, sentados em suas poltronas, usufruem do reconhecimento do trabalho construído pela invisível coletividade da militância e pelas condições materiais que o permitem dirigir o partido. Me refiro a luta dos academicistas essencialistas que enxergam apenas o amálgama da classe trabalhadora tida como universal, não racializada, não bigenerificada. Me refiro a luta suja daqueles que quebram militantes reproduzindo violências e que continuam impunes na direção do partido. A luta atual hegemônica do PCB não nos inclui.
Começo pelas resoluções do partido, colocadas no processo de recrutamento sem nenhuma adequação ao nível de estudo e ao desenvolvimento do processo de consciência dos mais oprimidos. Passo, nessa análise, pela cotização progressiva não aplicada, pelas políticas artesanais de finanças e pela atuação sem liberação militante, permitindo que militem e dirijam apenas aqueles que têm condições materiais. Passo pela inexistência de políticas de cuidado coletivo voltadas a camaradas mães solo para que elas possam, em condições igualdade, iniciar os processos de superação do patriarcado que nos forjou. Encerro, enfim, pontuando a terceirização do debate racial e de gênero aos coletivos, sem nenhuma apropriação das formulações desses organismos para a atuação central, a do partido.
Precisamos, para ontem, avançar na radicalização de nossas táticas em prol de uma estratégia revolucionária. Não temos tempo para brincar de disputas com outras forças ou brincar de sindicatos de categorias elitizadas. Sem tempo pra conciliação de classes. Temos plena consciência que o fim das nossas opressões só virão com o fim do capitalismo.
Peço, portanto, que enfoquemos no debate, discussão política e formulação para superação da tática social-democrata. Coloquem a luta de classes com toda sua complexidade na centralidade de seus posicionamentos. Foquem na construção de um partido que recorra à teoria antirracista revolucionária para a construção de uma práxis que nos inclua.
Peço, com isso, que considerem a urgência da reconstrução de um partido realmente marxista, que use o materialismo histórico e dialético para diagnosticar os problemas candentes da nossa realidade. Um partido realmente leninista, com democracia interna, disciplina militante, políticas de formação de quadros, profissionalização da militância, divisão revolucionária de tarefas. Um partido efetivamente dirigido pela maioria e com eficácia na unidade de ação. Esse partido não existirá sem a destruição do velho partido. Precisamos da reconstrução revolucionária para que o novo possa nascer.