'Anti-KKE Pt.1: Uma introdução em defesa do socialismo real' (Gramscinho)

Esse silêncio pode ser profundamente nocivo porque, via de regra, causa falhas mortais de comunicação, ou de convencimentos que não ocorreriam caso a palavra fosse proferida; nossa política externa, nas pré-teses, é anti-comunista.

'Anti-KKE Pt.1: Uma introdução em defesa do socialismo real' (Gramscinho)
"De que consiste em nossa análise internacional? China é um país capitalista, portanto, é um país imperialista, porque todos os países capitalistas na era imperialista do capital são países imperialistas, e a atual disputa China x EUA é, desta forma, uma disputa interimperialista. Com isso, os interesses da classe trabalhadora não está em nenhum dos lados dessa disputa."

Por Gramscinho para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Não escrevo essa tribuna para aqueles que, juntos com o assim-chamado bloco revolucionário do MCI, já estão convencidos do “imperialismo chinês’. Escrevo essa tribuna para a grande maioria de nossa militância, que não têm tempo ou interesse para se debruçar sobre as questões internacionais e para mostrar de que as posições internacionais presentes no manifesto do PCB-RR não são, nem nunca serão, um consenso, no máximo, um voto vencedor – quer dizer, a menos que todos que compartilham minha de posição sejam expurgados.

Eu gosto de dizer coisas óbvias que muitas vezes não são ditas. Esse silêncio pode ser profundamente nocivo porque, via de regra, causa falhas mortais de comunicação, ou de convencimentos que não ocorreriam caso a palavra fosse proferida; nossa política externa, nas pré-teses, é anti-comunista: 4 das 5 experiências socialistas atualmente existentes serão renegadas.

Enquanto eu escrevia esta tribuna, percebi que ia necessitar de muito mais tempo e espaço do que inicialmente previ, tal sorte que, certamente, não daria tempo para concluir antes do fim do congresso. Desta forma, quero que o presente texto seja curto, de teor fundamentalmente agitativo, para dar um novo gás nos debates de nossa política externa.

De que consiste em nossa análise internacional? China é um país capitalista, portanto, é um país imperialista, porque todos os países capitalistas na era imperialista do capital são países imperialistas, e a atual disputa China x EUA é, desta forma, uma disputa interimperialista. Com isso, os interesses da classe trabalhadora não está em nenhum dos lados dessa disputa.

Camaradas, se a China for capitalista implica em, necessariamente, Vietnã e Laos também os serem. Porque a economia política dos três países é quase a mesma (no caso do Vietnã, inclusive está mais a direita do que a própria China!). Você pode falar “ah, mas eu não conheço Laos o suficiente pra concluir isso”, é claro que não conhece, você não conhece a China também, mas tudo bem, porque há propaganda sinofóbica dia sim e dia também para te ajudar a tomar as conclusões que toma, so que, agora, com uma gramática e estética aparentemente marxista. Desta forma, imediatamente temos 3 das 5 experiências socialistas em curso atualmente jogadas no lixo. Sobra apenas Cuba e o Norte da Coreia.

Ora, se a disputa sino-estadunidense é interimperialista, a iminente guerra em Taiwan é um reflexo dessa disputa. No entanto, camaradas, a questão de Taiwan está umbilicalmente ligada com a questão Coreana! Muitos de vocês podem não saber desse pequeno “detalhe” e, por isso, dou um resumo:

  1. A revolução chinesa assumiu controle total da china continental em 1949, com planos para concluir a guerra civil, conquistando Taiwan no ano seguinte;
  2. A guerra da coreia explodiu em 1950;
  3. Ao mesmo tempo que os estadunidenses invadem a coreia, mandam uma taskforce de sua marinha de guerra para Taiwan;
  4. As forças iniciais das tropas do Norte eram em torno de 150 mil, do Sul era em torno de 130 mil. As forças da ONU (que era basicamente os EUA) chegavam em torno de 300 mil;
  5. Os chineses viam o intervencionismo estadunidense como uma ameaça para sua revolução, que, derrotando Kim il sung, os estadunidenses os invadiriam pela Manchúria (região nordeste);
  6. Eles não entram oficialmente na guerra, mas mandam “voluntários” que, fim ao cabo, somavam mais de 1,4 milhões de soldados

Hoje em dia, a República Popular da China e a República Popular Democrática da Coreia tem um acordo militar, sem precedentes, do tipo que eles não têm com mais ninguém. Em um dos artigos desse acordo militar, podemos ler o seguinte:

“As Partes Contratantes comprometem-se a tomar conjuntamente todas as medidas para prevenir a agressão de qualquer país contra qualquer uma das Partes Contratantes. Quando uma das Partes Contratantes estiver sujeita a um ataque armado por qualquer país ou uma combinação de vários países e estiver, portanto, em estado de guerra, a outra Parte Contratante fará imediatamente o seu melhor para fornecer assistência militar e semelhantes”[1]

Note que não está juridicamente vinculativo algo do tipo “se um lado estiver em estado de guerra, o outro também tem que entrar”, mas algo mais próximo de enviar 1,4 milhões de soldados voluntários.

Desta forma, camaradas, se “os interesses da classe trabalhadora” não está em “nenhum dos lados” do conflito “interimperialista” entre eua-china na questão de Taiwan, também não estará no conflito norte-sul da Coreia.

Com esta política externa, portanto, só seria possível reivindicar a revolução cubana, cujo partido, inclusive, se declarou da seguinte forma no último encontro da eipco:

"Acolhemos e apoiamos as experiências na construção do socialismo dos Partidos Comunistas da China e do Vietnã, bem como do Partido Revolucionário Popular do Laos e do Partido dos Trabalhadores da Coreia

[...]

As experiências bem sucedidas dos Partidos Comunistas da China e do Vietnã na construção do socialismo constituem uma referência importante para todas as nossas organizações operárias e comunistas

[...]

Expressamos a nossa mais firme solidariedade ao Partido Socialista Unido da Venezuela e especialmente à Revolução Bolivariana, liderada pela união civil-militar liderada pelo presidente Nicolás Maduro Moros

[...]

A divisão e o sectarismo sempre favorecerão os interesses das forças que representam o capital financeiro internacional, a contra-revolução, o imperialismo e, mais recentemente, o fascismo, que está a ganhar uma força incomum em muitas das nossas sociedades, especialmente europeias e latino-americanas”[2]

Há quem chame esta política externa kkeista de “trotskista”, o que até faria algum sentido, visto que quase todas as forças que procuraram a gente, desde o racha, são organizações trotskistas, mas eu, particularmente, acho que seria uma ofensa aos nossos camaradas trotskistas. Por que eles, pelo menos, têm uma consistência teórica superior e levam seu anti-comunismo até as últimas consequências: inclui também a Albania de Enver Hoxha, a China do período maoísta, a União soviética depois e durante stalin etc. Nós, não. Nós, oportunisticamente reinvidicamos aquele passado para renegar o nosso presente.

Anexo

Esse é um esboço dos textos que eu gostaria de produzir futuramente, ou servir de inspiração para algum camarada escrever. Todos teriam no título “Anti-KKE Pt. X:”

  1. A frente unida do esquerdismo com oportunismo – Camarada Landi produziu um texto provando por A mais B que, em Lenin, não existe debate sobre “oportunismo esquerdista”. Estou completamente convencido pelo texto. Desta forma, eu diagnosticava o KKE como “esquerdista infantil”. No entanto, as atuais manifestações daquele partido sobre o atual genocídio em gaza me fizeram repensar esse problema
  2. Sobre o sistema interestatal – esse texto daria bases para discutir o caráter global da revolução, discutiríamos a historia do sistema interestatal a partir da paz de westphalia, sobre como o que entendia-se por “socialismo” em marx e Engels é diferente do que é entendido por socialismo a partir de stalin. Sobre a impossibilidade do socialismo (entendido por marx e Engels) em um só país e sobre a absoluta necessidade de sê-lo a partir do fracasso da revolução alemã;
  3. Ainda sobre o sistema interestatal – neste texto nós discorreríamos sobre as tensões geopolíticas que marcaram as relações internacionais no interior do bloco socialista, assim como o enterro das revoluções gregas e italianas no pós-guerra
  4. Sobre a PMAI – aqui eu lançaria minha hipótese de trabalho sobre como surgiu e quem financia a plataforma mundial anti-imperialista

[1] https://zh.wikisource.org/wiki/中朝友好合作互助条约 tradução livre

[2] https://www.pcc.cu/noticias/intervencion-del-jefe-del-departamento-de-relaciones-internacionales-del-ccpcc-en-el-xxiii. Tradução Livre