Aneel aprova concessão da Amazonas Energia com repasse de R$ 14 bilhões para as contas de luz

Decisão foi tomada após decisão judicial e aprovação unilateral do diretor da Aneel. A transferência ocorreu devido à má gestão anterior e à Medida Provisória 1.232/24, resultando em um repasse bilionário aos consumidores.

Aneel aprova concessão da Amazonas Energia com repasse de R$ 14 bilhões para as contas de luz
Reprodução/Foto: Junior Matos/A Crítica.

Por Redação

Em um movimento que simboliza as tragédias sociais e econômicas causadas pela privatização do setor elétrico no Brasil, a transferência da Amazonas Energia para o grupo J&F – controlado pelos irmãos Wesley e Joesley Batista – foi concretizada sob a sombra de uma Medida Provisória (MP 1.232/2024) e decisões judiciais que jogam, mais uma vez, o custo de má gestão e acordos escusos nas costas da classe trabalhadora.

A decisão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) foi tomada pelo seu diretor Sandoval Feitosa, que autorizou a transferência sem passar pela  diretoria colegiada da agência. Isto escancara o modelo de conivência entre o Estado e grandes empresas em detrimento dos interesses populares. Não por acaso, esse processo foi conduzido a portas fechadas e com recomendações contraditórias entre técnicos da Aneel. A operação, que envolve um repasse de R$ 14 bilhões ao longo dos próximos 15 anos, será integralmente custeada pelos consumidores de energia elétrica por meio das contas de luz, gerando um impacto direto na vida de milhões de trabalhadores.

Um legado de privatização desembocam em R$ 14 bilhões na conta da classe trabalhadora

Privatizada em 2018, quando ainda estava sob o controle da Eletrobras, a Amazonas Energia foi vendida para o grupo Oliveira Energia, que, desde então, não conseguiu cumprir suas obrigações. A empresa enfrentava um cenário devastador, com endividamento superior a R$ 10 bilhões, furtos de energia na casa dos 120%, e uma taxa de perdas não técnicas que ultrapassava o volume total de fornecimento para todo o mercado de baixa tensão no estado. Mesmo após cinco anos de controle privado, os problemas se multiplicaram.

Em 2024, a MP 1.232 foi publicada oferecendo mais flexibilizações regulatórias e facilitando o processo de transferência e assegurou que a transferência do controle acionário da Amazonas Energia ocorresse sem grandes resistências, oferecendo à J&F uma flexibilização das metas regulatórias e dos custos operacionais por 15 anos — exatamente o período em que os consumidores de energia estarão pagando a conta.

O plano que viabilizou essa transferência assegura um subsídio de R$ 13,96 bilhões, a ser transferido via a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), um encargo pago em todo território nacional nas contas de luz, de forma estadualizada. Ou seja, enquanto o grupo empresarial assume o controle da distribuidora a preço simbólico, os custos da operação deficitária e da reestruturação da empresa serão repassados à classe trabalhadora ao longo de 15 anos em sua conta de luz mensal, através de aumentos progressivos nas tarifas de energia.

Áreas técnicas da Aneel solicitam indeferimento de transferência

As áreas técnicas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recomendaram o indeferimento da transferência de controle da Amazonas Energia ao grupo J&F, destacando que o plano proposto pelos irmãos Batista não atende aos requisitos da Medida Provisória 1.232/24. Segundo a Nota Técnica nº 188/2024, publicada em 24 de setembro, a proposta não garante a recuperação da concessão em até 15 anos, além de falhar em minimizar o impacto tarifário para os consumidores, que já enfrentam uma situação de alta nas tarifas. As áreas técnicas também apontaram preocupações sobre a capacidade técnica do grupo no setor de distribuição, sugerindo que, se a transferência for aprovada, a concessionária deveria contratar profissionais qualificados para garantir o equilíbrio operacional.

Outro ponto crucial levantado foi o endividamento da Amazonas Energia, que, segundo a análise da Aneel, não seria solucionado com a simples transferência de créditos da Eletrobras para o grupo J&F. A proposta, que transfere a dívida de um credor para outro, não equaciona o problema e poderia gerar um aumento no serviço da dívida, acarretando juros anuais de mais de R$ 1,2 bilhão. As áreas técnicas ainda ressaltam que, sem uma solução adequada para o equilíbrio econômico-financeiro da concessionária, a sustentabilidade da empresa estaria em risco, comprometendo a continuidade do serviço de distribuição de energia e agravando ainda mais a crise do setor elétrico. Em contraste, a NT nº 167/2024, também publicada nesta terça-feira, dá aval para a conversão dos contratos das termelétricas adquiridas pela J&F da Eletrobras em CERs (Contratos de Energia de Reserva), nos termos da mesma MP.

Ainda que a Aneel tenha expressado sua insatisfação e anunciado medidas jurídicas para tentar impedir o avanço do processo, a assinatura do termo de transferência, concluída às vésperas da meia-noite de 10 de outubro de 2024 mostra que o poder econômico dos irmãos Batista prevalece sobre os interesses públicos e a soberania do setor elétrico.

Privatização e seus impactos: quem paga a conta?

A privatização da Eletrobras e a saída da estatal do segmento de distribuição não só precarizou o serviço oferecido à população como também aumentou o custo de vida dos trabalhadores. No caso da Amazonas Energia, o cenário é ainda mais trágico. As promessas de melhorias e eficiência trazidas pela gestão privada não se concretizaram e agora o governo empurra a conta de sua má gestão e da corrupção para as classes populares.

A transferência da Amazonas Energia é mais um exemplo do modelo neoliberal que subordina serviços essenciais aos interesses do grande capital. Não se trata apenas de uma questão técnica ou jurídica, mas de uma escolha política: sacrificar a classe trabalhadora em prol do lucro de poucos. O resultado é o aumento das tarifas de energia, o agravamento das desigualdades e a transferência de recursos públicos estratégicos para conglomerados empresariais.

Para a classe trabalhadora, o que resta é a luta contra esse modelo de privatizações que aprofunda as injustiças sociais em prol da nacionalização e do controle público de recursos estratégicos. A energia, assim como a água, o transporte e a saúde, deve ser tratada como um bem público, administrado de forma coletiva e sob controle popular, não como uma mercadoria nas mãos de grandes corporações.