América Latina se posiciona frente às políticas anti-imigratórias de Trump

Enquanto Colômbia ordena aumento de tarifa contra importações dos EUA em 25%, Brasil se reserva a criar um grupo de trabalho com a Embaixada dos EUA em Brasília para trocar informações sobre brasileiros deportados e a operacionalização dos voos de deportação.

América Latina se posiciona frente às políticas anti-imigratórias de Trump
Reunião restrita com o Presidente da República da Colômbia, Gustavo Petro. Reprodução/Foto: Palácio do Planalto.

Por Redação

A mobilização do governo brasileiro se deu após um voo de deportação de origem dos EUA com 88 brasileiros com destino a Belo Horizonte ter desrespeitado os Direitos Humanos dos cidadãos, em que passageiros horas algemados o tempo inteiro, houveram relatos de agressões dos agentes estadunidenses aos indivíduos deportados, privação de comida e de acesso a banheiro, sem contar com os problemas técnicos que, para além de prejudicar o funcionamento do ar condicionado da aeronave, levaram a paradas não previstas na rota original. Na conexão em Manaus (24/01), a Polícia Federal determinou que as algemas fossem retiradas, assim como a realocação para uma aeronave da Força Aérea Brasileira, para a completude do percurso até a capital mineira. Esta foi a primeira leva de muitas que virão desde a política de tolerância zero com a imigração ilegal nos EUA, em vigor a partir deste segundo mandato de Donald Trump.

A resposta diplomática da Secretaria de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores foi tímida: resumiu-se em uma reunião com o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, com tema acerca da deportação de brasileiros. Embora a convocação pelo Palácio do Itamaraty seja um gesto diplomático de descontentamento, pode-se afirmar que existem outros gestos dentro da política externa que podem demonstrar o mesmo sentimento com maior veemência.

O presidente da Colômbia, primeiro presidente de esquerda a comandar o executivo do país, Gustavo Petro, ordenou o aumento das tarifas de importações dos EUA em 25%, em retaliação a uma medida equivalente do governo americano. A imposição de tarifas de 25% contra produtos colombianos se deu após Gustavo Petro se recusar a receber pessoas deportadas em aviões militares dos EUA. Após a medida, Gustavo Petro afirmou que o governo ajudará a substituir os produtos dos EUA pela produção nacional.

Os dois incidentes que marcaram o cenário doméstico e internacional da América Latina na última semana de janeiro se devem às políticas de Donald Trump no que se refere à migração. Vale ressaltar que Trump tomou posse no dia 20 de janeiro de 2025, dando início a um governo de extrema direita mais abertamente facista do que o seu primeiro mandato. Desde que Donald assumiu o cargo, foram anunciadas uma série de medidas executivas relacionadas à imigração, caracterizando-se pela repressão de imigrantes sem documentação.

No total, foram mais de 21 medidas executivas que começaram a reformular partes do sistema migratório dos EUA, incluindo os processos relativos à deportação. Os esforços da Casa Branca já começaram com uma onda de deportação de imigrantes não documentados em massa, tendo sido realizadas por aviões de carga militar. Para além da deportação em massa, a fronteira dos EUA com o México também é alvo de medidas do governo. Foi anunciado o envio de 1500 soldados da ativa para o sul dos EUA em adesão aos funcionários já presentes, representando um aumento em 60% de tropas do Exército no local.

Ademais, Trump, por meio de uma ordem executiva, interrompeu o processo de entrada de migrantes e solicitantes de asilo – os agentes de patrulha de fronteira foram instruídos a não conceder audiências que poderiam levar à possibilidade de asilo legal. Neste contexto, Trump também suspendeu o programa de reassentamento de refugiados dos EUA, assim como revogou o status de proteção para venezuelanos. Em entrevista à Fox News, o chefe do Departamento de Segurança Interna de Trump disse que os americanos querem “tirar para fora esses sacos de lixo”.

Embora medidas contra migrantes não documentados ocorram ao longo de toda a história dos EUA, seja nos governos democratas como o de Obama, em que foram cerca de 1,56 milhão de deportados por mandato, ou nos governos republicanos como o de Bush, em que tiveram certa de 1 milhão de imigrantes deportados, a desumanização da figura do migrante que ocorre no governo de Trump não tem precedentes.  A imigração sempre foi um dos principais meios para o crescimento populacional dos EUA ao longo de sua história, sendo um fator determinante para a construção social, política e econômica do país, assim como para seu imaginário e para a narrativa do “sonho americano”. Parte da construção dessa imagética se dá pelo próprio processo histórico da colonização. A partir daí que se constrói a imagética do pobre trabalhador que sai de sua terra natal e encontra na América sonhos, prosperidade e oportunidade: o famoso “sonho americano”.

O “sonho americano” faz parte do imaginário coletivo que constrói a ideia de EUA como terra da liberdade e da oportunidade - terra da imigração, dos colonos de todo o mundo que buscam na América melhores condições. Como Cecília Azevedo aponta em seu texto “Imigração e identidade nacional nos EUA: notas sobre um debate”, a imigração é peça importante para o mito da excepcionalidade, que sustenta o discurso identitário estadunidense.

O mito da excepcionalidade traz para os EUA todas as potencialidades do Novo Mundo, tendo um contorno espiritual para além do físico, construindo-se como uma profecia a se cumprir. Embora as leis americanas revelam uma perspectiva diferente, marcadas pelo viés discriminatório, a excepcionalidade protestante presente nos livros escolares de crianças estadunidenses prega que os EUA nunca foram colonialistas porque a conquista do Oeste era acompanhada da incorporação dos indivíduos e dos territórios como Estados em igualdade de direitos, assim como os EUA seriam abertos a imigração, já que qualquer um poderia se americanizar ao adquirir a cidadania depois de cinco anos de residência no país. Essa vertente, adotada pela democracia liberal, que associa o americanismo ao pluralismo cultural, é paralela a uma segunda vertente que temia a “diluição” da matriz cultural e racial anglo-saxã, que era considerada o verdadeiro estadunidense. 

É importante, portanto, ressaltar que as novas políticas migratórias de Donald Trump se sobressaem não por serem duras políticas migratórias em um governo dos EUA – afinal, dentro dessa temática, o democrata Barack Obama foi o presidente responsável pelo maior número de deportações dentro de um mesmo mandato – mas pela mudança narrativa e cultural que acompanham a decisão do atual presidente dos EUA. Assim, as mudanças das políticas de imigração de Donald Trump representam uma mudança do discurso sobre a identidade nacional estadunidense.

Todavia, mais uma vez, é importante ressaltar que a perseguição e o cerceamento à figura do migrante não é algo novo na política estadunidense. A nova Lei de Imigração de 1924 nos EUA já estabelecia a exigência não só de um certificado médico para pedido de visto, como interrogatório e procedimentos sanitários na fronteira que, como afirma Cecília Azevedo, para os mexicanos - e apenas os mexicanos - incluía a inspeção do imigrante nu. Nos anos 1920 é criada a US Border Patrol, que marca o início da política de deportação. O recrutamento dessa unidade policial voltada para o controle de fronteiras foi feito a partir de vaqueiros e pequenos ranchos, fazendo com que os policiais não tivessem experiência militar prévia e, não raramente, fossem membros da Ku Klux Klan. Nos anos 1930, os imigrantes foram responsabilizados pelo desemprego, aumentando assim o número de deportações. O tom hostil contra os imigrantes retorna com o governo de Ronald Reagan, quando o presidente afirma que os EUA estavam sendo invadidos por imigrantes ilegais - nesse contexto surge a Immigration Reform and Control Act, legislação que dava maiores recursos ao patrulhamento das fronteiras, sancionava empregadores de imigrantes ilegais e estabelecia um programa de anistia para imigrantes ilegais que provassem sua residência nos EUA há muitos anos.

Dessa forma, é possível concluir que em maior ou menor grau a hostilidade contra os imigrantes é uma política amplamente utilizada pelos governos estadunidenses, seja republicanos ou democratas, em especial em momentos de crise. O “alien”, o estrangeiro, o outro é o culpado perfeito de todas as mazelas que a terra prometida da América pode estar sofrendo.

E, por fim, mesmo com a mudança do discurso sobre a identidade nacional estadunidense, voltando-se para um viés ainda mais racista, ainda mais xenofóbica e ainda mais chauvinista, a obra de Sergio Arau se faz cada dia mais atual: Se Trump conseguir cumprir sua promessa de deportar até 11 milhões de imigrantes irregulares, o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA reduziria em até 8%. Afinal, o país é dependente de seus imigrantes, sejam eles documentados ou não. Segundo o American Immigration Council (AIC), as famílias de imigrantes contribuíram com quase um sexto de todos os dólares arrecadados em impostos no país, cerca de US$ 580 bilhões em 2022. Além disso, 25% das empresas estadunidenses são constituídas por imigrantes, segundo dados do governo dos EUA. Mesmo que, como aponta Gallup, 25% dos estadunidenses sejam contrários à imigração, a realidade material não muda: os EUA dependem da opressão desses imigrantes em seu território.

Dessa forma, cabe à diplomacia dos países latino-americanos não ser submissa como foi a de Mauro Vieira. Tampouco devemos agir como Xiomara Castro e adotar a posição de subserviência aos EUA devido às desigualdades das relações econômicas entre os EUA e a América Latina. O México de Claudia Sheinbaum, representante do partido MORENA, por sua vez, apresentou uma solução controversa. Enquanto agiu firmemente em associação ao Canadá para barrar as tarifas de Trump – e assim obteve sucesso – também concedeu ao governo estadunidense um reforço de 10 mil efetivos das Forças Armadas mexicanas para reforçar a guarnição e o ‘combate’ ao narcotráfico e o controle da fronteira. Em troca da suspensão por um mês das tarifas contra a economia de seu país, o governo social-democrata corrobora com ações do imperialismo estadunidense no continente.