Alimentação mais cara prejudica trabalhadores e escancara problemas do agronegócio

O Brasil é um dos maiores produtores de alimento do mundo, porém, o brasileiro paga cada vez mais caro pela comida. Como efeito, tem aumentado o parcelamento de compras de supermercado, a procura por alimentos durante a “black friday” e a piora na qualidade da alimentação.

Alimentação mais cara prejudica trabalhadores e escancara problemas do agronegócio
Reprodução: Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.

Por Redação

Artigos e notícias têm demonstrado que o Índice do Preço de Alimentos e Bebidas (IPAB) ou a Alimentação em Domicílio estão acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos últimos dois meses. Essa tendência também é histórica. Dados do IBGE e da FGV explicitam que entre 2018 e 2024, o IPCA variou +44%, enquanto a alimentação no domicílio cresceu 74%. Segundo estimativas do próprio Banco Central, bem como de outros órgãos de pesquisa, os custos de comida no domicílio podem superar os 7% até o fim do ano. Essa será a maior alta dos últimos dez anos, e pesará mais no bolso dos mais pobres.

Pesquisas feitas pela LCA Consultores e expectativas coletadas pelo Banco Central na Pesquisa Focus, a inflação de alimentos em domicílio, que começou o ano em 4,1%, já chegou em 6,6%. Este fator faz com que o IPCA previsto de 3% (média de tolerância) chegue a 4,5%. Além disso, a pesquisa demonstra que de 2011 a 2019 a alimentação em domicílio subiu 6,7%. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) é composto por 9 grupos. Dentre eles está o Índice de Alimentação e Bebidas (IPAB), que, por sua vez, é formado pelo Índice de Preços de Alimentação no Domicílio (IPAD), e pelo Índice de Preços de Alimentação Fora do Domicílio (IPAF). Nestes dois subgrupos, tivemos altas de 5,1% (IPAD) e 4,1% (IPAF) de janeiro a outubro de 2024. Todos os outros gastos componentes do IPCA não atingem a mesma alta que teve o IPAB. Assim, fica evidenciado que a alimentação em domicílio subiu muito mais que a inflação média entre 2018 e 2024.

Em relação ao preço da carne bovina, que tem a maior participação nos gastos das famílias, já era esperado que o aumento na exportação fossem fatores preponderantes para o aumento dos preços, uma vez que a produção agropecuária é voltada para atender o mercado mundial. A arroba do boi gordo no varejo foi de R$ 200 para R$ 300 de setembro para outubro. No atacado, saiu de 7,7% em setembro para 16,9% em outubro, e para dezembro a estimativa é de 26,1%. São aumentos maiores do que era estimado e do que ano passado. De maneira geral, o aumento do IPCA para carnes é muito maior do que foi no último trimestre de 2020, quando estávamos sob os efeitos da pandemia de COVID-19.

Esses aumentos afetam muito mais as famílias com rendimentos mensais mais baixos. Por exemplo, famílias com rendimentos entre R$ 1,3 mil e R$ 5,2 mil gastam 50,7% dos rendimentos mensais com comida. Entre as famílias que ganham de R$ 5,2 mil e R$ 13 mil mensais, os gastos com alimentação são em média de um terço dos rendimentos mensais. Já entre as famílias com rendimentos de R$13 mil a R$26 mil, esse número cai para 13,2 %. O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, disse para a Agência Brasil que há cinco anos as famílias conseguiam comprar uma cesta básica com 40% do salário. Hoje, de acordo com um estudo realizado pelo DIEESE, em 12 das principais capitais brasileiras essa porcentagem está acima de 50% do salário; em São Paulo chega em 62%.

No primeiro semestre de 2023 houve um alívio, mas não deflação nos preços dos alimentos. O que reforçou o aumento nos níveis de insegurança alimentar, que contribuiu para a diminuição da quantidade e da qualidade adquirida de comida. Esses fatores resultam em uma piora significativa na alimentação da classe trabalhadora brasileira. Pois, com a inflação de alimentos in natura e minimamente processados, a troca por produtos processados e ultraprocessados é estimulada e, por conseguinte, acontece uma piora na qualidade nutricional dos brasileiros. O trabalho de pesquisa do Prof. José Giacomo Baccarin, assim como pesquisas do IBGE entre outros órgãos, constatam que depois de atingir o mínimo em 2024, os índices de insegurança alimentar se agravaram, e não apenas durante o período pandêmico.

Nos últimos 12 meses, o preço da carne bovina aumentou em média 8,33%, o café 29% e o azeite 32%. Isso fez com que os consumidores buscassem alternativas no parcelamento das contas de mercado. O número de compras parceladas em supermercados, hipermercados e atacarejos aumentou no último ano. De acordo com uma das maiores empresas de pagamentos eletrônicos do país – Getnet – as compras parceladas no varejo aumentaram de 6,2% para 7,4%. Além disso, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirma que cerca de 30% dos consumidores que parcelam suas compras nos cartões das lojas, estão inadimplentes. O parcelamento da compra de alimentos acaba sendo um tiro no pé do trabalhador. Pois, gastos com alimentação são recorrentes, assim acontece um acúmulo de parcelas que sobrecarregam o orçamento familiar.

Como o gasto com alimentação passou a ocupar uma parcela maior da renda, uma outra estratégia foi começar a aproveitar a Black Friday para conseguir comprar alimentos e outros itens básicos. Os alimentos empatam com os eletrônicos e roupas nas intenções de compra, e muitos consumidores relatam que pretendem comprar produtos que possam ficar armazenados. É uma postura preocupante, pois podemos perceber que a instabilidade nos preços dos alimentos faz com que os trabalhadores acabem se endividando. Alimentos e produtos de higiene são produtos de uso recorrente e imprescindíveis para uma vida minimamente digna. No entanto, a evidência dessa condição, não apresenta relevância suficiente para que os respectivos mercados não aumentem suas taxas de lucro de forma criminosa.

Mariana Costa, jornalista do portal O Joio e O Trigo, aponta que a política cambial, primarização do comércio exterior, desindustrialização, saldo da balança comercial, concentração de terra e mercado de commodities são fatores preponderantes para o aumento dos preços dos alimentos e a disponibilidade de alimentos no Brasil. Além disso, as políticas neoliberais recolocaram o país na posição subalternizada de exportador de produtos primários. Vemos que não é apenas a política externa, mas a política interna e como a burguesia brasileira determina a relação do país com o mundo. Os preços internos dos produtos das cadeias com alta exportação ou importação foram influenciados pela permanência de preços externos em nível alto.

O trabalho do grupo de pesquisa coordenado pelo prof. Baccarin demonstra que de 2007 até 2022, o agronegócio exportador brasileiro pratica aqui os mesmos preços que pratica lá fora. Isso, mais a diminuição do poder de compra da classe trabalhadora, faz com que o acesso a alimentos in natura e minimamente processados seja muito mais restrito em território nacional. Não por coincidência, todos os tipos de alimentos tiveram altas significativas em seus preços. Com exceção de óleos e margarina e embutidos em geral. Vemos, portanto, como a burguesia do agronegócio brasileiro opera. Pega empréstimos com o BNDES para comprar maquinário, recebe somas obscenas com o plano Safra, não paga impostos para exportar produtos in natura, e maximiza externa e internamente seus lucros. Enquanto a classe trabalhadora se endivida para comprar alimentos ultraprocessados, cujos números de doenças decorrentes do consumo prolongado aumentam assustadoramente.