'Algumas questões de uma militante vacilante' (Contribuição anônima)
Há espaço para essa disputa na Reconstrução Revolucionária? Por mais que eu possa estar errada, terei o direito de polemizar acerca disso? Assim como há pessoas polemizando sobre a defesa do “Socialismo com características chinesas”, poderei eu polemizar sobre o “-leninismo”?
Contribuição anônima para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Começo esse texto me apresentando (com algumas restrições): sou militante da UJC há quase 4 anos, estou beirando um pedido de desligamento, mas me segurando ao trabalho positivo que meu núcleo tem tocado como motivação para seguir em frente. Já não possuo nenhuma confiança nas direções de minha organização, as denúncias feitas são gravíssimas e a resposta dada foi porca. Não acredito que o PCB sairá dessa situação sem um XVII congresso e esse não está no horizonte. Ressalto, entretanto, o trabalho de meu núcleo, que apesar de todas adversidades (incluindo perseguição do CR do PCB) me mantém com vontade de militar, por isso não usarei meu nome nem darei informações que permitam me localizar.
No primeiro parágrafo endosso as críticas ao CC e seus métodos persecutórios replicados nos e nas CRs, mas não estou aqui para isso. Minha motivação ao escrever essa tribuna é colocar algumas questões sobre a Reconstrução Revolucionária, pois, se devido suas ações, não possuo mais confiança política no CC e CR, tampouco possuo neste movimento. Tais questões não são para “colocar em xeque” os camaradas ou expressar o desejo de uma “terceira via”, mas sim para receber respostas e levantar alguns debates que acredito serem necessários se o intuito é realmente resolver os problemas do partido. Antes de passar a essas, dois pedidos de desculpa antecipados: primeiro, peço desculpas caso não consiga me fazer entender, além de não ser uma boa escritora, me perco em meus pensamentos facilmente; segundo, peço desculpas pelo anonimato e por não colocar tantas informações em alguns momentos que virão neste texto, realmente preciso evitar exposição e algumas informações podem me comprometer. Feitas essas considerações, passemos adiante.
Acerca dos “PDs persecutórios” nada persecutórios
Me solidarizo a todos camaradas que sofrem e sofreram perseguição política dentro do complexo partidário. Vi de perto mais de uma vez camaradas sofrerem PDs sob justificativas esdrúxulas como forma de barrar esses camaradas de assumirem tarefas de direção, tocarem tarefas “públicas de destaque” e até mesmo de participarem de etapas congressuais. Vi PDs mentirosos sendo usados como forma de manchar militantes, diminuir o valor de suas contribuições, vi fofocas de corredor de todo tipo, vi dirigentes expondo aspectos pessoais de camaradas como forma de diminuir as posições políticas de determinados militantes. Também vi o silêncio absoluto de certos quadros quando as infrações vinham de militantes protegidos, vi PDs robustos cheios de provas serem engavetados ou cujas penalidades foram mera autocrítica em espaço interno.
Tudo isso ocorre, e pelas denúncias dos camaradas, ocorre a nível nacional. Entretanto, há de se tomar um certo cuidado com uma tendência que se formou desde que essas denuncias vieram a público. O “perdão” de PDs JUSTOS sob a justificativa de “perseguição política”.
Camaradas, chega a ser difícil escrever isto, era assunto morto já, mas vi meu agressor surfando na onda dessas denúncias e se dizendo inocente e vítima de perseguição política. Em um tweet já apagado, mas que no último dia que vi havia cerca de 70 likes além de alguns RTs, em sua maioria de pessoas que são militantes do complexo partidário, havendo até mesmo curtida de figuras públicas e, pior, pessoas que militavam ao meu lado e viram com certa proximidade o PD se desenrolar. Não quero me aprofundar em detalhes, mas essa figura que me assediou em múltiplas ocasiões, me chantageou com questões relativas à organização, culminando em um episódio de agressão, hoje está surfando no discurso de “os processos disciplinares são viciados” e tem recebido apoio de vários “camaradas”.
Não é o único caso, vi também abusadores de outras camaradas fazendo o mesmo. E não se trata apenas de casos de violência. Vi militantes que levaram PDs por expor informações delicadas da organização (E DE OUTROS MILITANTES) alegando perseguição, vi militantes que levaram PDs por quebra do centralismo grave (queimando nossa boa relação com certas entidades) alegando perseguição, vi militantes que são tão inorgânicos que não sabem o nome de outros camaradas de núcleo alegando que não sobem para direção por perseguição, vi militantes que não participaram de sequer 1 debate na etapa de núcleo do congresso reclamando que não foram delegados na etapa estadual.
Há de se filtrar o que é e o que não é perseguição política. Há de se encontrar um mecanismo para isso. Porque HOJE não há. HOJE vejo pessoas dando apoio e prestando solidariedade a ABUSADORES, AGRESSORES e MENTIROSOS. Vejo pessoas absolutamente repugnantes surfando em um movimento de críticas, que julgo legítimo e importante, para se reabilitar no espaço de militância. Não quero ajudar a instaurar um clima de desconfiança generalizada, apesar de acreditar que esse clima já se instaurou há tempos, mas, camaradas, HÁ DE SE DESCONFIAR! Não sejamos ingênuos, nem todo “militante perseguido” realmente o foi.
Pensemos coletivamente formas de evitar esse problema, camaradas, porque eu não vejo resposta para isso e enquanto tal situação seguir o horizonte para mim é o abandono completo da militância.
A guerra travada nas redes como limitante da disputa
Agradeço e saúdo a coragem dos camaradas que vieram a público fazer essas denúncias que estavam sendo silenciadas nos espaços internos. Sem a publicização de certas questões não saberíamos jamais de certas coisas que ocorriam no seio da organização. Saúdo também aos camaradas que colocaram suas impressões em notas, textos, cartas, etc., independente do lado que tomaram, colocaram um bom debate (mesmo discordando de alguns pontos e vendo limitações em alguns desses textos). Minha crítica aqui não é à publicização de questões internas em si, mas ao que se passa nas redes.
Camaradas, com todo respeito, mas o que diabos está acontecendo? O Twitter se tornou insuportável. É impossível comentar qualquer coisa relativa ao partido sem que se trave um debate sobre a atual crise. E debate esse, dos mais rebaixados. Semana passada fiz um pequeno desabafo sobre estar cansada após semanas seguidas de tarefas e polêmicas e recebi ataque de militantes que NUNCA CONVERSARAM COMIGO! Fui hostilizada por dizer que estava CANSADA, em um momento de fragilidade tentaram crescer pra cima de mim sem SEQUER SABER MINHA POSIÇÃO NESTE DEBATE!
Entendo que há agitação dos ânimos, entendo que são questões caras aos camaradas e que é fácil se inflamar, o que está em jogo é nossa percepção de partido. Entendo também que do “lado do CC” houveram provocações toscas e baixíssimas. Mas é inaceitável as ofensas e ataques que tem sido feitas a camaradas que divergem. Se a questão é política, façamos um debate POLÍTICO! Não ataques e exposições pessoais (crítica que vale a ambos os lados)!
Me referindo aqui em específico aos “partidários da RR”, já que não acredito que os “partidários do CC” têm salvação: Vejo pessoas chamando quem possui uma postura de não exposição ou quem está com uma posição vacilante, seja por falta de informações, seja por ter desconfiança pelos dois lados (como eu) de “reacionárias”. Vão com calma, não é assim que convencerão a nós. Esse comportamento limita a disputa de vocês e impede que mais pessoas somem ao movimento de reconstrução do PCB. Entendo os ânimos agitados, mas eles podem se tornar obstáculo para seus objetivos.
Repito, continuando o rebaixamento do debate, meu horizonte é o do abandono da militância.
Sobre a confusão política
Esse ponto talvez seja o mais delicado e infelizmente talvez seja o que eu menos me tenha conseguido me fazer clara. É a vida, fazer o que? Espero que os camaradas não tomem isso como um ataque, mas realmente como uma provocação para elevar o debate. Enfim, o que quero tratar aqui da confusão que se instaurou nas bases e direções intermediárias acerca das POSIÇÕES POLÍTICAS.
Quando o debate se apresenta ao público com os textos no site do PCB de Boné e Ivan, mas principalmente com o texto de Ivan à revista Opera, a questão política está mais ou menos clara. Entretanto se juntam ao debate denúncias sobre questões organizativas internas e a partir daí me parece que a situação se complica. Um grande número de militantes passa a se inserir na disputa interna do partido, entretanto fazendo diversas confusões. Os termos “ala esquerda” e “ala direita” se popularizam e perdem seu significado. O que há é uma confusão generalizada.
Talvez exemplificando me faça entender melhor. Tive um momento de puro choque quando vi uma página que reivindica o “socialismo juche” insinuando ser “ala esquerda” da organização. Camaradas... O QUE? Uma posição historicamente alinhada à direita do movimento comunista internacional está se reivindicando ESQUERDA da organização???? O mesmo se repete com a crítica à crítica de Mauro Iasi sobre o polêmico post da UJC sobre Stalin, vi pessoas que se reivindicam “ala esquerda” se indignando por não poderem fazer elogios a Stalin nas páginas da UJC! Devo estar muito deslocada da história do movimento comunista se Stalin é reivindicado por “alas esquerdas” de partidos comunistas. Trótski, Bordiga, Bukharin, Pannekoek, Rühle, Luxemburgo, Pankhurst, etc. desapareceram da história?
E sim, entendo que há posições “mais à esquerda” e “mais à direita” mesmo dentro do que se enquadraria enquanto uma direita do movimento comunista internacional. Mas as coisas têm limite. Que o camarada não entenda como um ataque, mas, COMO a figura defensora do “realismo político de corte italiano” e do “socialismo com características chinesas” se tornou porta voz da “ala esquerda” do partido?
Entendo que muitos camaradas movidos por insatisfações (muitas dessas justas, inclusive) adentraram a disputa política com o estouro dessas denúncias. Mas falta preparo para o debate político, falta estudo teórico mesmo. Infelizmente nossa organização não é capaz de formar com qualidade os militantes em vários aspectos (apesar dos avanços recentes). Além de claro, não se poder cobrar que militantes recém ingressos saibam todo o histórico de disputas do movimento comunista internacional. O que peço então é que os camaradas tenham mais paciência e cautela no uso de determinadas expressões. O que pode parecer um purismo na verdade é a preocupação de que haja uma mistificação das disputas em andamento, que não se banalizem termos como “ala esquerda”, “burocratismo”, “revisionista” (talvez no caso desse já seja tarde) pois esses termos designam coisas específicas e sua banalização pode significar uma perda grande para a disputa política.
Retomando a confusão dos termos “direita e esquerda” no âmbito do interior do partido, acredito que há duas explicações, e que ambas possuem verdade em si. A primeira, que já discorri sobre brevemente, é de que há confusão política por parte de alguns camaradas, não vou me delongar. A segunda, mais preocupante, é de que talvez nosso partido tenha se deslocado tão à direita e se afastado tanto do programa comunista, que realmente essas posições sejam esquerda no interior do PCB. Talvez nosso partido, de “comunista” tenha tão pouco, que posições à direita no movimento comunista sejam lidas como esquerda. Isso me preocupa muito, desviamos tanto assim do programa original do comunismo? Acredito que há muito trabalho a ser feito, as disputas devem ficar mais claras o possível para a militância. É momento de demarcar posições com firmeza e prezar pela transparência da disputa. Isso me leva ao próximo ponto.
Quais os limites da disputa do PCB-RR?
Esse é outro ponto que pode gerar desentendimentos, mas finalmente tirarei do peito o incomodo sobre o tão falado hífen. O que quero comentar aqui é sobre as acusações e repreensões aos que trocaram o “marxismo-leninismo” pelo “marxismo e leninismo” e questionar sobre os efeitos práticos disso aos que fazem a disputa contra o hífen (e talvez até mesmo contra o “leninismo”).
Se parte do debate envolve a defesa da polêmica pública e da liberdade para crítica (sem romper a unidade de ação), por quê a reprimenda ao debate sobre “marxismo-leninismo”? Por quê se acusa tão ferozmente os camaradas que defendem o “marxismo e leninismo” e se cobra repreensão deles por quebra de centralismo? E mais, na reconstrução revolucionária, não haverá espaço então para os que defendem o “abandono do hífen”? Não haverá espaço então para aqueles que possuem posições à esquerda do marxismo-leninismo? São dúvidas reais. Caso venha a me juntar ao movimento de reconstrução revolucionária do PCB, poderei defender o fim do “-leninismo”? Ou serei acusada de quebra do centralismo democrático?
Para expor um pouco da minha posição, entendo que há um debate acerca da reivindicação do termo “marxismo-leninismo”, entendo que as coisas não são tão preto no branco, mas, historicamente temos de reconhecer que o “marxismo-leninismo” esteve, sim, associado a posições herdadas do stalinismo (peço desculpa pela prepotência, mas no clima de “demarcação de posições com firmeza” devo advertir: caso alguém queira responder com “não existe stalinismo”, não se dê o trabalho, desprezo tua opinião). E, novamente trazendo o histórico sobre a “ala esquerda”, há também disputas que denunciam o hífen e que denunciam até mesmo o “leninismo”. Não me refiro aos que negam as contribuições de Lenin, mas sim aos que apontaram que “leninismo” não passa de uma falsificação, sendo Lenin apenas um marxista, e no que nos cabe destacar: um defensor FERRENHO do marxismo e seu programa original.
Há sim posições que renunciam ao “-leninismo” sem renunciar as posições de Lenin, sem renunciar à Revolução Comunista Internacional, à Ditadura do Proletariado, ao Partido de Vanguarda, ao Programa Comunista. Diria até que o hífen nada garante quanto a defesa desses pontos que trago, historicamente tivemos diversos exemplos dos defensores do “marxismo HÍFEN leninismo” que rejeitaram à ditadura do proletariado ou ao programa comunista, Stalin foi um marxista-leninista, Kruschev foi um marxista-leninista, Deng foi um marxista-leninista, todos abandonaram o marxismo para se enveredarem no esgoto do lassalianismo e proudhonismo disfarçados de marxismo. A defesa do hífen não necessariamente implica na defesa de um partido realmente comunista, não é um ponto que necessariamente demarca uma linha, há possibilidade de não reivindicar o título marxista-leninista e ser comunista e há possibilidade reivindica-lo e não ser comunista.
Retomo meu ponto então, há espaço para essa disputa na Reconstrução Revolucionária? Por mais que eu possa estar errada e estar falando as idiotices mais idiotas, terei o direito de polemizar acerca disso? Assim como há pessoas polemizando sobre a defesa da “Ideologia Juche” e do “Socialismo com características chinesas”, poderei eu polemizar sobre o “-leninismo”? Poderei beber de autores divergentes do marxismo-leninismo ou serei taxada de “troska”, “ultraesquerdista”, “reformista” etc.? São questões reais.
Últimas considerações
Entendo que coloquei algumas críticas e tensionamentos ao PCB-RR, posso ter soado agressiva em alguns pontos (mas se me permitem lembrá-los, essa possibilidade foi dada na abertura dessas tribunas). Meu ponto é justamente o de que estou vacilante nessa disputa, perdi a confiança no PCB-CC e as questões que trago aqui me impedem de ter confiança necessária no PCB-RR para tomar uma decisão. Sigo militando hoje devido aos trabalhos que meu núcleo toca, (destaco inclusive que estou finalizando essa tribuna agora e não me expandindo em ou corrigindo alguns pontos por estar com tarefa marcada para daqui 1h e precisar me arrumar), mas no meu horizonte está o desligamento, está o abandono da militância.
Não quero continuar num partido repleto de problemas, cujas figuras que identificam esses problemas estão sendo expulsas, mas também não possuo energia para entrar em uma reconstrução de um partido repleta de problemas também, peço então que considerem as questões colocadas nessa tribuna, as debatam e as respondam, se puderem. Acima de tudo, essa tribuna é um pedido de ajuda.
Abraços camaradas!