Agronegócio é campeão em benefícios fiscais do governo federal
Os benefícios federais concedidos em 2024 demonstram uma concentração significativa no agronegócio, fração da classe dominante mais favorecida pelas desonerações do Estado brasileiro.
Por Redação
Na segunda-feira (18) foi apresentado pelo Ministério da Fazenda uma lista inédita das empresas mais beneficiadas por renúncias fiscais do governo federal. Os dados foram compilados da Dirbi (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária), ferramenta da Receita Federal do Brasil (RFB) de uso obrigatório para a prestação de contas pelas empresas que usufruem de condições privilegiadas de tributação a qualquer título (incentivos, renúncias, benefícios e imunidades).
Os dados sobre os incentivos fiscais federais de 2024 revelam o retrato das prioridades econômicas do governo, com destaque para os setores agropecuário e de tecnologia, que são os maiores beneficiados na lista. O agronegócio, isolado, perfaz 18,7% do montante da renúncia fiscal.
O total dos benefícios fiscais é de 546 bilhões de reais, tendo como maioria esmagadora dos beneficiados os integrantes das classes dominantes do país, como o latifúndio, a Braskem, a Globo, a TAM, e a Azul Linhas Aéreas. A verba das desonerações de 2024 poderia, sozinha, financiar todo o programa do Bolsa Família por três anos seguidos, caso arrecadada.
A lista é liberada em um momento em que se discute a permanência do Perse, correspondente ao percentual de 9,89%. O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse – foi proposto no Congresso Nacional durante a pandemia de COVID-19, em um contexto de auxílio financeiro, incentivos fiscais e outras formas de suporte aos pequenos e médios empresários dos setores de turismo, eventos e correlatos, em face da dificuldade financeira trazida pelo cenário pandêmico.
Aprovado apesar da discordância do então presidente, Jair Bolsonaro, o Perse continua em operação, anos depois de finda a crise consequente da época, abrangendo muito além do escopo inicial de beneficiários que justificou a sua aprovação. Hoje, são beneficiários do Perse o Ifood, a Azul Linhas Aéreas, o Sport Club Internacional, o Madero, a Abril Comunicações, e empresas do cantor Gusttavo Lima e dos influencers Felipe Neto e Virgínia. A Câmara, no começo do ano, contra a posição do governo federal, votou pela continuidade do programa – mediante a aprovação da Lei 14.859/24 – com ampla adesão de deputados da direita e extrema-direita, como Kim Kataguiri (UNIÃO-SP), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Mais preocupante, entretanto, é o volume dos benefícios concedidos aos agrotóxicos utilizados pelo latifúndio na produção rural de larga escala. Totalizando o montante de R$ 10,7 bi, as renúncias fiscais em face de agrotóxicos muitas vezes beneficiam a aquisição e aplicação de produtos químicos condenados internacionalmente como nocivos e poluentes.
O Brasil aumentou em 75% o uso de pesticidas nos últimos 10 anos, dos quais muitos são proibidos internacionalmente – como o paraquate, a atrazina, e o glifosato. Segundo a Anvisa, ao menos 37 dos agrotóxicos registrados desde 2019 são proibidos nos EUA e na UE por causa da toxicidade à saúde, e 44% dos 475 agrotóxicos registrados no Brasil só no ano de 2019 foram banidos nos países europeus, segundo um relatório do Greenpeace. Esses produtos, no geral, são manuseados e aplicados por trabalhadores que não são equipados com EPI adequado, sendo expostos diretamente às mazelas destes químicos em razão dos lucros dos grandes proprietários rurais. Fato que agrava a questão foi a aprovação em 2022 do “PL do Veneno” – convertida na Lei nº 14.785/23 – que facilita a liberação de agrotóxicos e enfraquece a competência de órgãos de saúde e de meio ambiente no registro de novos pesticidas.
O agronegócio é o principal beneficiário de incentivos fiscais, com destaque para empresas do latifúndio, de produção em larga escala. Entre as empresas com maior benefício acumulado estão a BRF S.A., beneficiada em R$ 488 milhões, sendo R$ 237.5 milhões exclusivamente destinados à desoneração da folha de pagamentos; a Seara Alimentos Ltda., cuja desoneração é de R$ 373.4 milhões; a Cooperativa Central Aurora Alimentos, com R$ 238.607.398,01, a Copacol – Cooperativa Agroindustrial Consolata, R$ 89.5 milhões, incluindo R$ 20.7 milhões em desoneração e R$ 28.7 milhões em insumos agrícolas; e a Frimesa Cooperativa Central, beneficiária de R$ 71.8 milhões.
Para além disso, o setor é o que mais conta com benefícios fiscais específicos, como a desoneração sobre adubos e fertilizantes – insumo mais desonerado do país –, agrotóxicos, Sudam/Sudene, em parte o Reidi – Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura –, soja, produtos químicos no geral e carne suína e avícola.
Empresas de tecnologia e serviços de informação aparecem na sequência como algumas das principais beneficiárias em 2024. Destaque para a Accenture do Brasil Ltda., que recebeu R$ 109.5 milhões, sendo a maior parte desse valor relacionada à desoneração da folha de pagamento. Outras empresas do setor também tiveram valores expressivos, como a CI&T Software S/A (R$ 72 milhões), a Meli Developers Brasil Ltda. (R$ 84.6 milhões) e a Stefanini Consultoria e Assessoria em Informática S/A (R$ 56.1 milhões).
No setor industrial, que engloba desde a fabricação de calçados até equipamentos elétricos, o total de benefícios também é expressivo. A Weg Equipamentos Elétricos S/A liderou com R$ 64.9 milhões, seguida por Dass Nordeste Calçados e Artigos Esportivos S/A (R$ 55.3 milhões) e Grendene S/A (R$ 40.6 milhões).
Já o setor de transporte teve como destaque a Companhia do Metropolitano de São Paulo, com R$ 118.9 milhões, e a JSL S.A., que recebeu R$ 49.9 milhões. A Viação Piracicabana S.A. também figurou entre as principais beneficiárias, com R$ 35.9 milhões.
Na área de construção, engenharia e infraestrutura, os incentivos tiveram a maior parcela destinada à MPD Engenharia Ltda., que obteve R$ 102.5 milhões. A MRV Construções Ltda. e a Direcional Engenharia S/A também receberam valores expressivos, de R$ 32.5 milhões e R$ 12.4 milhões, respectivamente.
Por fim, é pertinente observar que o setor de comunicação e mídia também está entre os setores mais abonados por benefícios fiscais, com a Globo Comunicação e Participações S/A liderando, ao receber R$ 150 milhões. Outras empresas do setor, como a Editora Globo S/A (R$ 19.2 milhões) e a RBS – Zero Hora Editora Jornalística S/A (R$ 6.7 milhões), também foram contempladas. O grupo UOL/Folha perfaz o usufruto de R$ 54,8 milhões e o grupo Record, R$ 34,6 milhões.
Os incentivos fiscais federais em 2024 demonstram um valor inestimável de recursos públicos que são dados de bandeja para as classes dominantes do país. É observada uma concentração significativa do agronegócio nestas receitas. No contexto do discurso de austeridade do governo Lula-Alckmin, em que se acena pelo corte almejado de R$ 50 bilhões dos serviços públicos como saúde e educação, as desonerações da burguesia nacional se demonstram ainda mais escandalosas, demonstrando que seus privilégios restarão não só intactos, mas crescentes, enquanto o povo trabalhador acabará pagando a conta pela agenda econômica do ministro Fernando Haddad.