'Afinal, o que é o PCB-RR? Uma resposta ao formalismo e uma retificação' (Theo Dalla)
Assim, aos camaradas que ainda se atém à formalidade do processo, é preciso dizer com todas as palavras: no âmbito da luta de classes, isto é, na guerra, durante os momentos de crise, a primeira coisa a cair por terra são os limites jurídico-formais que condicionam a ação.
Por Theo Dalla para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Desde a publicação do “Manifesto pela Reconstrução Revolucionária do PCB”, observamos diversas contribuições, elogios, críticas e ponderações feitas pela militância ao longo de todo Brasil, seja as feitas individualmente nas redes sociais privadas ou nas instâncias internas do PCB, seja as declaradas em notas coletivas de diferentes organismos do complexo partidário. Como já declarado, o Manifesto é apenas um ponto de partida comum para toda militância que anseia pela retomada e aprofundamento da Reconstrução Revolucionária do PCB nos marcos do marxismo-leninismo. Ou seja, receber, analisar, absorver e sintetizar as contribuições de inúmeros camaradas é nada mais que parte do compromisso prático com os princípios da crítica, da autocrítica e da construção coletiva. Nesse sentido, me parece necessário aprofundar o debate sobre o que é o PCB-RR - tema que suscitou muitas dúvidas - no sentido de atingir um entendimento comum.
Em um momento de crise interna, se faz necessária a máxima clareza nas linhas políticas e nos direcionamentos práticos, pois, caso contrário, corre-se o risco de confundir a militância e, em vez de orientá-la, desorientar. Por isso, a todo momento, deve-se manter a precisão política e teórica em cada denúncia, artigo, manifesto etc. Contudo, a acelerada dinâmica dos acontecimentos - característica das crises que condensam anos em poucos dias - exige de nós respostas igualmente rápidas, enérgicas, condição que aumenta as chances de cometermos erros e/ou imprecisões. Evidentemente, isso não nos exime da responsabilidade pelos equívocos, mas o contrário. Ao passo que observamos uma preocupante confusão em parte considerável de nossas fileiras, a tarefa imediata é trabalhar para corrigi-la.
A principal confusão observada foi quanto ao caráter do que chamamos de PCB-RR. Por mais que o Manifesto destrinche quais são os objetivos desta articulação, a designação desta como “Partido” contribuiu para suscitar diferentes compreensões sobre o processo. Consequentemente, valorosos quadros hesitaram, mesmo concordando ideologicamente com o conteúdo político das críticas e perspectivas apresentadas. Antes de mais nada, saúdo esses(as) camaradas, pois suas angústias e desconfianças que levaram à hesitação são absolutamente justas e necessárias a qualquer militante comprometido(a) com a unidade orgânica do Partido e sua construção coletiva. Por isso, não estão errados quando dão um passo atrás diante do que parece um novo Partido autodecretado. É dispensável para um Partido Comunista qualquer tipo de autoproclamação, fé cega nos organismos de direção e/ou seguidismo acrítico em relação a uma ou outra personalidade.
Muitos desses quadros, ao ver lançado o que seria um “novo Partido”, questionaram-se sobre a justeza dessa tática: se este é o momento e o método adequado para fazer isso; se não devemos continuar a disputa interna até o Comitê Central recuar; se vale a pena o risco de deixar o PCB nas mãos da ala direita do CC, etc. Como dito, são todas preocupações válidas e necessárias, ao que respondemos: o PCB-RR não é, nem poderia ser - já - um novo Partido. Pelo contrário, como tentou-se descrever ao longo de nosso Manifesto, trata-se de um movimento da militância do PCB pela retomada e aprofundamento da Reconstrução Revolucionária. Seu objetivo é aglutinar a militância de todo complexo partidário, por meio dos organismos locais e intermediários (Coordenações e Comitês Regionais, núcleos, células e, nos casos em que a posição pela R.R. for minoritária ou já haver expulsões, grupos locais/regionais pela RR), para construir - à revelia dos intentos fracionistas e da autoridade formal do Comitê Central - o XVII Congresso Extraordinário do PCB.
A decisão pela criação ou não de um novo Partido cabe, justamente, à maioria da militância do complexo partidário do PCB, posição que só pode ser devidamente deliberada em um Congresso Nacional profundamente democrático, com participação da militância de todos coletivos (tão responsáveis quanto os militantes partidários pelo trabalho prático e capilaridade do Partido) delegações eleitas e a mais ampla e livre discussão nas bases. Não por outro motivo, o Manifesto aponta como tarefa imediata a realização de plenárias nos estados para eleger camaradas que farão parte do Comitê de Organização do XVII Congresso Extraordinário. Desse modo, reuniremos representantes politicamente legítimos, eleitos diretamente pela base, em um órgão único, articulado nacionalmente, cuja atribuição é empenhar todos esforços necessários para a realização do XVII Congresso Extraordinário no menor prazo possível, sem prejudicar a amplitude e a qualidade dos debates.
Se aos olhos dos formalistas - sejam os do Comitê Central, sejam dos que o apoiam - uma movimentação como essa pode ser considerada “ilegal”, isso se dá pela ausência de quaisquer dispositivos de controle das bases sobre a direção, como a revogabilidade dos mandatos ou a possibilidade de autoconvocação de congressos extraordinários quando assim for vontade expressa das maiorias, princípios básicos da democracia operária. Aproveitando-se dessa debilidade democrática, os formalistas declaram que quem “adere ao programa do Manifesto” (que nada mais é que o programa do XVI Congresso e um balanço crítico de nossos desvios em relação às suas resoluções e aos métodos de direção) já é um “fracionista”, pois opta por uma via não-estatutária para organizar o Congresso Extraordinário e adere a uma “organização que já tem nomes, símbolos e direção própria”.
Por mais que seja verdade que se opta por uma via não-estatutária (pelos motivos já descritos), também o faz o grupo que dirige o PCB, seja pelas expulsões sumárias, seja pelo sistemático vilipêndio das Resoluções Congressuais no âmbito tático ou mesmo pela relativização explícita do Estatuto. Sobre este último ponto, relembro que, para o Comitê Central, o Estatuto do PCB é “apenas uma referência”, um documento de validade jurídica perante o TSE, e cuja utilização é de livre interpretação para “evitar burocracias” (sic!!!). Esse foi o “entendimento do CC” defendido por Giovanni Frizzo, até então secretário de Organização do PCB-RS, respaldado por Rico Costa, assistente nacional do RS até duas semanas atrás, quando foi votado seu afastamento por tentar articular, de forma paralela e rasteira, a expulsão de membros do CR-RS; o mesmo destino teve Warlen Nunes, também assistente, que ofereceu cargos no CC para os membros do CR-RS que defendem sua posição.
Assim, aos camaradas que ainda se atém à formalidade do processo, é preciso dizer com todas as palavras: no âmbito da luta de classes, isto é, na guerra, durante os momentos de crise, a primeira coisa a cair por terra são os limites jurídico-formais que condicionam a ação. Entra-se em “estado de exceção”. Não é diferente em nosso Partido. A questão que se coloca é, para além do formalismo, qual saída anti-estatutária defender: 1) a do Comitê Central, que trabalha para eliminar administrativamente todo tipo de divergência (o que implica legitimar as expulsões) e - pior - dissimula sobre o conteúdo político da crise e reafirma seu giro à direita como “coerente às resoluções do XVI Congresso”; 2) a da articulação paralela das e pelas bases do complexo partidário, que está decidida a realizar o XVII Congresso do PCB independente do Comitê Central, para retomar e aprofundar a Reconstrução Revolucionária sob os princípios do marxismo-leninismo.
Diante de uma situação extraordinária como a que vivemos, se faz necessária uma solução igualmente extraordinária. Partimos do pressuposto que nos organismos de base e intermediários do complexo partidário reside a legitimidade política para organizar o congresso de seu Partido, em especial quando sua direção nacional atua sistemática e conscientemente pela cisão, tanto ao perseguir e expulsar militantes críticos, quanto pelas reiteradas tentativas de sufocar o debate, negar a construção do XVII Congresso e adiar ad infinitum qualquer espaço nacional democrático que dê às bases o poder de decisão (a Conferência Política prevista para março de 2024 foi substituída por um Congresso da UC, após o qual teremos eleições burguesas. Assim, a Conferência fica para, no mínimo, 2025 e com a condição de toda oposição crítica ter sido expulsa; o XVII Congresso aconteceria somente em 2026). Sem qualquer apelo basista, hoje, é nos organismos de base e intermediários que se encontra o senso de urgência histórica para resolver a crise do PCB de forma profunda e célere, compromisso necessário para que tenhamos um Partido Comunista capaz de responder à ofensiva burguesa operacionalizada pelo governo Lula. São os organismos de base e intermediários, portanto, quem demonstra maior consequência política e capacidade de direção positiva da crise.
Vale ressaltar que a articulação nacional desses militantes e organismos não deriva da pouca vontade de construir o PCB, suas instâncias internas e os trabalhos que desenvolve junto à classe trabalhadora. A situação atual é um desdobramento histórico e político de todas as decisões referendadas pelo Comitê Central, que impede o afloramento das divergências dentro da democracia partidária, culminando em sua expressão máxima: o rompimento com as Resoluções Congressuais na política e as expulsões sumárias de valorosos quadros. A convocação a uma articulação paralela não advém de um capricho ou ressentimento desses camaradas, mas justamente se torna a única resposta possível aos inúmeros ataques à construção do instrumento revolucionário de nossa classe.
O PCB-RR é, pois, nada mais que um movimento insurgente gestado no ventre da crise do PCB. Sua legitimidade política deriva única e exclusivamente do apoio e participação dos órgãos e da militância própria do complexo partidário. É, portanto, um organismo do próprio corpo do PCB, ainda que tenha nascido a contragosto de sua cabeça, cuja iminência de morte encefálica leva à desesperada tentativa de auto-decapitação. No fim, os intentos fracionistas do Comitê Central servem apenas para consolidar oficialmente o que há muito já acontece: a completa alienação e separação do CC em relação às bases. Para assegurar sua linha política anti-leninista, estão dispostos a sacrificar a maioria da militância do Partido, intenção que se torna cristalina com a continuidade das perseguições políticas a quadros que divergem da posição do CC e a recusa à reversão das expulsões. Não percebem, porém, que assinam o próprio atestado de óbito e, irresponsáveis politicamente como são, pretendem levar o PCB junto para o caixão. Assim, a insurreição interna organizada e aberta se impõe como uma necessidade para manter o Partido vivo e elevá-lo à altura de sua missão histórica: dirigir a Revolução Socialista no Brasil.
Nesse sentido, a adesão de quaisquer organismos do PCB (células, núcleos, coordenações e comitês regionais, etc.) ao PCB-RR e seu Manifesto significa o compromisso inabalável da maioria do respectivo órgão com a construção do XVII Congresso Extraordinário, no sentido da retomada e aprofundamento da Reconstrução Revolucionária sob os princípios do marxismo-leninismo. Ou seja, as manifestações públicas de adesão não significam a renúncia de dado organismo ao PCB, mas o exato oposto. Significa sua defesa intransigente frente às tentativas do Comitê Central de fracionar e desfigurar politicamente o Partido e suas Resoluções Congressuais, pois ainda que se coloquem enquanto guardiões das teses do XVI Congresso do PCB, evidenciam o contrário em sua prática política. Todo órgão que declara aderir ao PCB-RR diz, na prática, zelar pelo compromisso do PCB - aprovado no XVI Congresso - com o marxismo-leninismo e a Reconstrução Revolucionária e que, para isso, se dispõe a empenhar todos esforços necessários na construção do XVII Congresso pelas bases, independente das tentativas de boicote do Comitê Central.
Ressalta-se que toda a organização do Congresso só pode ser fruto de debate e trabalho coletivos pela Coordenação Provisória eleita nas plenárias ao longo de todo país. Somente assim é possível assegurar um movimento verdadeiramente democrático, que condense - a nível nacional - o que melhor representa nossas bases, acúmulos e experiências. Deve ser reforçado, então, o incentivo para que todos os órgãos e a militância num geral debatam o Manifesto e deliberem coletivamente suas posições. Aos e às camaradas que se encontram em posição minoritária em seu estado, que estão sofrendo com perseguições ou mesmo já foram expulsos, devem continuar sua agitação junto às bases e organizar Comitês Regionais/Locais pela Reconstrução Revolucionária, tanto para eleger representantes para o Comitê Provisório, quanto para organizar regionalmente o XVII Congresso Extraordinário. Independente de suas expulsões por este Comitê Central e seus vassalos regionais, vocês ainda são reconhecidos(as) como militantes do PCB e devem continuar lutando pela sua Reconstrução Revolucionária.
Porém, ao que tudo indica, a escolha do nome e sigla PCB-RR em muito contribuiu para confundir parte de nossa militância, pois dá a entender que se instituiu um novo Partido – o que seria um erro grave. Mas, não é disso que se trata. Como dito, o PCB-RR é um movimento insurgente das bases. A utilização da sigla PCB denota que, sim, ainda somos o PCB. Somos a maioria das bases do PCB, somos o que lhe dá vida orgânica e queremos decidir sobre os rumos do nosso Partido. O acréscimo do “hífen RR” significa uma demarcação política e simbólica deste movimento insurgente, pois delineia o que está em jogo politicamente nessa disputa. É esta a demarcação que um estado, célula ou núcleo faz quando se afirma enquanto “PCB-RR”. Assim, apesar de parecer um novo Partido (por uma imprecisão na escolha do nome), ele ainda não o é, porque somente a decisão da maioria pode decidir pela criação ou não de um novo Partido. Não por outro motivo se utiliza do adjetivo “provisório” a tudo que diz respeito a este movimento e, também, as resoluções do XVI Congresso do PCB e seu Estatuto é o que baliza o “PCB-RR”.
Por outro lado, se o Comitê Central não reconhece este como um movimento legítimo das bases e orienta a expulsão de toda militância e destituição de todos organismos que pretendem construir com as próprias mãos o XVII Congresso Extraordinário, isso só demonstra a incapacidade deste CC conduzir a crise para uma solução positiva e reafirma ainda mais a legitimidade, a necessidade e a urgência das bases tomarem as rédeas do PCB em suas próprias mãos. Novamente, somente o formalismo mais tosco e dispensável ao Movimento Comunista pode colocar a legitimidade jurídica de um movimento das bases acima de sua legitimidade política. Independente do que dizem, continuamos, na prática, com a legitimidade política (para além da jurídica perante o Estado Burguês) para determinar os rumos do PCB.
De todo modo, acredito que uma leitura atenta do Manifesto é capaz de demonstrar que, em momento algum, pretende-se criar um novo Partido por decreto. Desde o início, fica claro os objetivos desta articulação nacional, conforme reiterado e detalhado neste texto. No entanto, não resta dúvidas que a utilização deste nome confundiu muita gente. Ainda assim, acredito que a confusão engendrada em nossa militância se limita mais à esfera de “como proceder” do que a ideológica, em relação à qual tenho plena convicção que a maioria destes militantes corretamente críticos se mantêm alinhados com o conteúdo do Manifesto e suas reivindicações para o próximo período.
Por fim, deve ser saudada a iniciativa de diversos(as) camaradas que apreenderam desde o início o caráter de movimento insurgente do PCB-RR e se esforçam para difundir essa compreensão. Contudo, é sempre necessário lembrar que este é um momento crítico para nosso Partido, que mexe com afetos, ideias e convicções profundas de nossa militância. Mais que nunca, se faz necessária toda tranquilidade e paciência para dialogar com quem está hesitante e indeciso. O espírito de seita, o grupismo, a arrogância, o desrespeito e a presunção (erros que inclusive este autor incorreu recentemente) são condutas da ideologia pequeno-burguesa que devemos combater intransigentemente. Toda expressão desses desvios sob a justificativa de defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB é completamente dispensável e serve somente à reprodução do que pretendemos combater.
Saudações revolucionárias!
* Militante do PCB no Rio Grande do Sul e membro da Coordenação Regional da UJC-RS.