Advogado do Zaffari assume que empresa estaria “pulando” o Descanso Semanal Remunerado

A Zaffari e o Ministério Público do Trabalho entraram em acordo sobre a possibilidade da escala de 10 dias consecutivos de trabalho. Segundo a juíza do trabalho responsável pelo processo, "os empregados devem usufruir um repouso dentro de cada semana".

Advogado do Zaffari assume que empresa estaria “pulando” o Descanso Semanal Remunerado
Grupo Zaffari é um dos maiores monopólios do varejo de alimentos brasileiro. Reprodução/Foto: Zaffari.

Por Redação

Diante da repercussão das denúncias trabalhistas contra a Companhia Zaffari, a Rádio Gaúcha realizou uma entrevista com o advogado Flávio Obino Filho, representante da empresa, a fim de “esclarecer” o funcionamento da escala de 10 dias consecutivos de trabalho para 1 de descanso. Obino, durante a entrevista, justificou que há embasamento legal para esta escala, questionou o conceito de “semana de 7 dias” e disse que “não existe uma escala 10x1”. Porém, ao tentar explicar sua tese, assumiu que a empresa, por vezes, suprime o direito ao Descanso Semanal Remunerado (DSR).

Apesar de ter sido normatizada em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) firmado entre o Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre (Sindec-POA) e a Companhia Zaffari, a possibilidade de estender a jornada para além de 7 dias consecutivos de trabalho é considerada uma “violação do art. 7º, XV, da Constituição Federal” pelo Tribunal Superior do Trabalho, sendo o direito ao DSR indisponível para negociação em acordo. Em fevereiro de 2024, uma cláusula idêntica à que consta no ACT entre o Sindec-POA e a Companhia Zaffari foi considerada nula em um processo encabeçado pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS).

Mesmo diante desta decisão do órgão superior da Justiça do Trabalho, o entendimento do advogado do Zaffari é diferente. Para ele, “não existe uma ‘escala 10x1’, nem uma ‘escala 6x1’”, pois, a escala é móvel e os dias de descanso e trabalho podem ser distribuídos como melhor convir para o empregador, desde que respeite “algumas regras”, como o Descanso Semanal Remunerado. Para explicar como funciona o sistema da empresa, Obino define semana como “o que começa na segunda-feira e termina no domingo”, o que seria diferente do período de 7 dias.

“Garantindo uma folga na semana, eu posso ter dias trabalhados diferentes. Como a escala é móvel, eu posso trabalhar 10 dias corridos [até ter a folga], mas, seguido a isso, eu vou ter 3 dias trabalhados e vou ter um descanso. E nem por isso eu vou chamar esse sistema de 3x1, porque, 10x1 necessariamente tem o 3x1”.

Após dizer isso, o repórter Paulo Germano questiona a veracidade desta afirmação, ao que o advogado responde reafirmando que após 10 dias de trabalho consecutivos, depois da folga, “tem que ser 2 ou 3 dias, porque, para cumprir a regra legal e a regra dos acordos, matematicamente, é impossível que, depois de trabalhar 10 dias corridos, se trabalhe 6 dias corridos, porque eu vou extrapolar a semana. Nas escalas, é impossível que isso aconteça, desde que se respeite o Repouso Semanal Remunerado”.

Mariana Ceccon, outra repórter da Gaúcha, então, insiste no questionamento e apresenta um exemplo de escala que, seguindo a lógica do advogado, estaria em contradição com suas afirmações. “Se folgar na segunda (9/12), trabalhar 10 dias consecutivos (até dia 19/12) e folgar na sexta-feira (20/12), eu posso trabalhar mais 8 dias, e cabe dentro da mesma semana”. Então, o advogado assume que, neste caso, “tu vai pular o Repouso Semanal Remunerado”, ou seja, vai suprimir o direito ao descanso do trabalhador.

Ainda que o advogado Flávio Obino Filho tenha afirmado e reafirmado que “há um limite de 10 dias”, que é “matematicamente impossível” uma escala de 10 e 6 dias corridos sem “pular o Repouso Semanal Remunerado”, que “não existe escala 10x1, nem 6x1”, que as escalas “devem respeitar algumas regras” como o próprio direito ao repouso, mesmo assim, estas escalas são comuns aos funcionários da Companhia Zaffari. A empresa não só extrapola os dez dias (já considerados violações pelo TST), como também aplica escalas que, segundo o próprio Flávio Obino Filho, são impossíveis sem “pular o Repouso Semanal Remunerado”.

Ponto de um funcionário com apenas 3 repousos em um mês. Foto: Jornal O Futuro.

Neste registro do ponto de um funcionário, é possível ver que ele desfruta de apenas três dias de repouso em um mês. Sua “escala” segue a seguinte sequência: 10 trabalhados, uma folga, 3 trabalhados, uma folga, 6 trabalhados, uma folga, mais 8 trabalhados (que, na verdade, são nove, já que trabalhou mais um dia em sequência, ainda que já tenha virado o mês). Isto é, em 31 dias, o funcionário desfrutou de apenas 3 folgas, mesmo seguindo a primeira sequência de 10x1 e 3x1 defendida pelo advogado.

O mesmo funcionário também revelou ter trabalhado por onze dias consecutivos, numa escala que, ao fim, configurou a sequência mensal 1-11-6-6-1. Noutro mês, trabalhou na escala 8-5-10-6. Ambas, de acordo com a tese do representante do Grupo Zaffari, podem ser consideradas violações do direito ao descanso semanal e das “regras que devem ser seguidas” para definir uma escala.

Pontos de meses diferentes do funcionário. Foto: Jornal O Futuro.

A situação de uma operadora de caixa demonstra uma violação ainda mais evidente do direito ao descanso. A jovem foi submetida a 15 dias consecutivos de trabalho, chegando a jornadas de 10 horas de trabalho.

Ponto da operadora com 15 dias de trabalho consecutivos. Foto: Jornal O Futuro.

Para o advogado do Grupo Zaffari, o limite de 10 dias consecutivos de trabalho é uma “conquista do Sindicato dos Empregados do Comércio”. Segundo ele, o número de dias trabalhados sem folga poderia chegar a treze, pois há decisão judicial que sustenta esta possibilidade.

Em 2014, a Companhia Zaffari foi ré em um processo que denunciava, dentre outras coisas, as escalas de trabalho de 10 a 15 dias. Já neste processo, o MPT-RS, que promoveu a denúncia, embasou sua acusação na mesma decisão do TST que define como violação estas escalas, apontando que este regime de trabalho fere a saúde e a dignidade humana. Porém, ignorando e contrapondo a decisão de sua instância judiciária superior, a juíza do trabalho responsável pelo processo, Eny Ondina Costa da Silva, da 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, absorveu a tese defendida pela Companhia Zaffari no que se refere à indefinição do  “conceito de semana” e proferiu a seguinte decisão:

“Os empregados devem usufruir um repouso dentro de cada semana, o que, devido à escala para preservar um descanso coincidente com o domingo, pode se dar até o 13º dia. Portanto, determino que a reclamada conceda aos seus empregados um dia de repouso remunerado a cada semana, de modo que os trabalhadores não prestem, entre o gozo de um repouso e o seguinte, mais do que doze (12) dias de trabalho consecutivos”.

Após esta decisão, a Companhia Zaffari e o Ministério Público do Trabalho realizaram uma reunião de conciliação. Desta reunião, resultou um acordo que, com a anuência do MPT-RS, permitiria estender a escala até 10 dias consecutivos de trabalho. Até hoje, a Companhia Zaffari parece se basear nesta decisão para manter seu regime de trabalho, a despeito do vigente entendimento do Tribunal Superior do Trabalho que o classifica como violação do direito ao repouso semanal. Este regime de trabalho, também, já foi considerado, em tese, como análogo à escravidão pela juíza e professora de Direito do Trabalho Valdete Souto Severo.

De todo modo, mesmo com este acordo que permite estender a jornada até dez dias, o não cumprimento desse limite implicaria no pagamento de multa pela Companhia Zaffari para cada funcionário que tiver seu direito violado. Na decisão da juíza, a multa seria de R$15 mil para cada funcionário que trabalhou mais de 12 dias consecutivos. Porém, no acordo firmado pelo MPT-RS com o Grupo Zaffari, o qual vale sobre a decisão da magistrada, a multa é de R$1 mil por cada descumprimento.

Para o MPT-RS, a concordância do procurador do trabalho Lourenço Agostini, que assinou o acordo com a Companhia Zaffari em 2015, se deve à “independência funcional”, que garante a cada procurador “autonomia para agir de acordo com seu entendimento do caso à luz da legislação”.

Tanto a juíza do trabalho, Eny Ondina Costa da Silva, quanto a Companhia Zaffari foram contatados para comentar as denúncias. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

A União dos Trabalhadores do Zaffari segue publicando denúncias de violações trabalhistas cometidas pela empresa em seu perfil.