'A Transfobia e a Onda Fascista' (Bérnie e Olívia)

O que conecta estes projetos entre si é o ataque à autonomia corporal, algo que se desdobra para além das pessoas trans ao analisarmos pelo prisma da disciplina. Porém, este ataque não é operado apenas contra a população trans.

'A Transfobia e a Onda Fascista' (Bérnie e Olívia)

Por Bérnie e Olívia para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Não há mais tempo. Em meio a emergência climática que toma contornos cada vez mais realistas e uma ofensiva das políticas de austeridade cada vez mais potente, sejam elas levadas à cabo pelo social-liberalismo (ou a suposta esquerda que existe na institucionalidade burguesa) ou pelos grupos conservadores, encontramos como munição dos ideólogos da burguesia e das massas enfurecidas com o decaimento “inexplicável” (nos limites da ideologia burguesa) de sua qualidade de vida, o ódio à população Trans. Esse ódio não é de hoje, principalmente se pensarmos num panorama geral sobre a dissidência dos padrões de gênero em ampla medida, mas nos dias atuais, com o advento de um “efeito rebote” desse ódio, há algo novo: esse ódio está se organizando. Se organizando em torno de um projeto, se organizando para cometerem crimes, se organizando para tornar em bala essa, até então, só munição para as ideias, se organizam para moldar o mundo como desejam. Os grupos que se organizam o fazem de muitas maneiras distintas e vem de diferentes origens, podem vir de grupos religiosos, patrióticos, abertamente políticos de direita, grupos de “esquerda” e até vertentes feministas inteiras. O ponto é que esses grupos são complexos e, até pouco tempo, pouco estudados, em breve seu poderio estará estirando nossos corpos na calçada. Não há mais tempo.

É deste incômodo-urgência que nasce essa tribuna.

Então que essa tribuna seja, antes de tudo, um apelo e um caminhar para que nossos corpos não sejam estirados sem vida em lugar algum. Caminhemos, camaradas, para que o Socialismo que construímos em nossa luta de dia após dia só possa ser chamado Socialismo ao conceder a nós e a todo o povo o Direito Absoluto sobre nossos corpos. 

O que são os Movimentos “Anti-Gênero”

Primeiramente, vale a explicação desse termo. A ideia de “Anti-Gênero” foi criada a partir do entendimento conservador da inexistência do gênero, veja bem, gênero, para esses grupos, seria uma invenção “ideológica” (termo que eles usam como invenção ou falseamento) da esquerda que, com a desculpa de uma falsa “construção social do gênero”, estaria transformando a pureza sexual (e natural[1]) das crianças, transformando meninos em meninas, meninas em meninos, assanhando a depravação moral-sexual dos jovens, obrigando todos (ops) ao uso dos pronomes neutros, etc, ou seja, uma enxurrada de panicos morais distintos associados à ideia de fuga do determinismo social do sexo. Essa ideia conseguiu, de diversas maneiras (que tentaremos resumir) e aglutinando diversos grupos (que tentaremos citar e destrinchar brevemente) se organizar politicamente em função de um projeto conservador e reacionário de sociedade baseado numa suposta ordem natural do mundo.

Esse é nosso objeto de estudo-exposição nessa tribuna. De onde vem os movimento anti-gênero? Como se sustentam? Como operam? Como combater? Sobretudo, essa é uma tribuna que merece íntima atenção para lembrar que nem a esquerda em geral e nem nós, comunistas, estamos livres de comprarmos as ideias desses movimentos, afinal, fazem coro com a ideologia dominante que nos entrecorta desde nossa socialização enquanto sujeitos do capital. O reacionarismo espreita, conservadores tem ao seu lado ditos marxistas, o Vaticano, feministas, patriotas, até o direito burguês começa a regredir contra a população trans e, ainda por cima, esse movimentos não querem parar por aí, seja pela via das políticas de austeridade, xenofobia, degradação climática, eugenia, sexismo, as forças da burguesia estão dispostas a tudo para fazer o Capital avançar. Como um lampejo de luz surge a pergunta: Quê fazer?

Do mundo todo para o Brasil: Breve Histórico dos Movimentos Anti-Gênero

Para responder o questionamento de como agir frente à Hidra dos Movimentos Anti-Gênero é preciso primeiro entender um mínimo de seu histórico.

Como Judith Butler em seu mais recente livro escreve “A ideia de uma perigosa ideologia de gênero surgiu na década de 1990, quando o Pontifício Conselho para a Família alertou que o ‘gênero’ era uma ameaça à família e à autoridade bíblica.”[2] De forma muito leiga poderíamos acreditar que esses avanços conservadores se dariam apenas pelo Vaticano e pelos seguidores da(s) igreja(s). Ledo engano cometereíamos e quem nos mostra isso é a jornalista Jude Ellisson S. Doyle[3] em um artigo que faz questão de revelar as mais obscuras ligações entre (eco)fascismo, eugenia, anti-semitismo e, é claro, transfobia.

Vemos hoje com clareza um claro atrelamento então de: Cristianismo (seja do vaticano ou sejam os protestantes, como é, principalmente, no Brasil), Eugenia, Anti-semitismo, Fascismo, Ecofascismo, nacionalistas no geral, mas sabem quem falta para completar essa lista? As feministas. Não todas, mas, infelizmente, uma imensa maioria é, no mínimo, razoavelmente atrelada à discursos deterministas e certos grupos (que, hoje, diferentemente dos anos 80 e 90, não necessitam mais estar teoricamente conectados com a pior fase do assim chamado feminismo de Segunda Onda) que tem se organizado focadamente na pauta trans-eliminatória. Entretanto, o potencial aglutinador e mobilizador desse grupo é sua capacidade de trazer pautas importantes ligadas a violência de mulheres cis e, em seguida, usar da retórica conservadora para enfretar essas violências. Assim o discurso contra o trabalho sexual, anti-empoderamento e anti-pornografia chegam ao público contendo dentro de si um ideal de feminilidade e de jeito certo de se viver, além, é claro, de posicionar o sexo masculino como o grande inimigo (apagando assim a burguesia e a igreja, por exemplo), a guerra desses grupos não é a de classes, é a de sexos e, para eles, isso é o homem e a mulher dentro da biologia.

Um dos aspectos que unem o fascismo como um corpo coeso mundialmente, é o avanço de legislações que visam atacar e perseguir pessoas trans, embora as especificidades de cada país determinem em que medida aparecem. Há outros aspectos que unificam o fascismo, mas nosso foco último será nas pessoas trans, dado o escopo desta tribuna, mas não nos furtaremos de analisar os outros aspectos, afinal, gênero e raça são indissociáveis.

Embora a América Latina tenha sido utilizada para “testar as águas” das legislações anti-trans até 2022[4], o país que mais avança na aplicação de legislações que visam abertamente perseguir a população Trans é os EUA que, a partir de seu federalismo extremo, têm avanços enormes nesta perseguição em estados dominados por republicanos ao passo que estados dominados por democratas não apresentam avanços e nem retrocessos significativos, sendo esta a maior diferença aparente entre as duas faces do fascismo estadunidense. Já a Inglaterra se apresenta como a maior proponente de “estudos científicos” cujas conclusões servem para atacar o acesso à saúde especializada da população trans, especialmente crianças e adolescentes, e tiveram a primeira legislação nacional de acabar com o oferecimento de atendimento especializado no serviço público nacional de saúde, em março de 2024[5].

Vemos essa influência internacional também aparecer no Brasil, com diversos projetos de lei, a nível nacional, estadual e municipal que buscam segregar, criminalizar e perseguir a população trans internamente[6]. Estamos atrás de países como os EUA, Inglaterra e Singapura, mas a exponencialidade da quantidade de projetos de lei apresentados em 2023, bem como sua qualidade, demonstra que não estamos muito atrás[7]. Ao fim de 2023 e agora, no início de 2024, já vimos alguns projetos aprovados, como a Lei - 11610/2023 que proíbe pessoas trans de utilizarem o banheiro em igrejas, eventos e escolas vinculados a instituições religiosas em BH[8], a CPI “da transição de gênero” instaurada pelos fascistas da ALESP[9] que teve como resultado o fim do maior e melhor ambulatório especializado em crianças e adolescentes trans, o AMTIGOS, que o MP está agora analisando[10] (sabemos como é volátil a legalidade burguesa) e o projeto de proibição que pessoas trans utilizem o banheiro em escolas[11], em tramitação no Senado mas já aprovada pela comissão de direitos humanos[12]. O projeto de extermínio da população trans já está aqui camaradas, e lutar contra ele é nosso dever.

O Fascismo

Para entender o lugar da transfobia no sistema de mundo fascista, é necessário entendermos o que é o fascismo contemporâneo. Lênin descreve em “Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo”[13] as diferentes formas de disputa entre monopólios nacionais, que se articulam em uma hierarquia internacional fazendo assim a “partilha do mundo” e que, essas disputas, podem ser pacíficas ou não pacíficas, a depender da conjuntura. É interessante notar que, neste livro, Lênin expõe diversas perdas que a burguesia nacional Alemã sofreu da burguesia estadunidense e da burguesia inglesa, que podemos ver como prelúdio da primeira e segunda guerra mundial. Ou seja, foi para conquistar uma posição mais elevada na hierarquia imperialista mundial que nasce o nazi-fascismo. 

Hoje, vemos a hegemonia imperialista estadunidense perdendo mercado para o bloco chinês, cuja planificação econômica tem se mostrado tão efetiva que não há respostas possíveis dentro da hegemonia neoliberal vigente nos países do dito ocidente. O fascismo surge, então, para remediar a situação, impondo uma disciplina militar para os países centrais, a fim de conquistar unidade ideológica mínima para sustentar uma intervenção militar contra a China, ao mesmo tempo que promove a disciplina de miséria à classe trabalhadora periférica para aumentar a extração de mais-valor e recursos naturais, vide a Argentina de Milei. Ideologicamente, o fascismo contemporâneo é bem consistente ao redor do globo, seus traços característicos são a sinofobia, o racismo (interno, xenofóbico, e anti-indígena), o tradicionalismo de gênero e o militarismo. O faz por necessidade, para poder justificar a disciplina máxima à classe trabalhadora. 

Contudo, é necessário o apoio da classe trabalhadora a este projeto. Para tal, o fascismo se apoia na piora das condições de vida da classe trabalhadora, gerada pela crise promovida pela hegemonia neoliberal imperialista em todos os cantos do globo. Essa piora nas condições de vida é, por si só, violenta. O fascismo se aproveita-se do medo, da insegurança de, por exemplo, uma família trabalhadora, que passa a ter cada vez mais dificuldades de se proteger economicamente e fisicamente, se vê frente a ruína econômica e, por consequência, a exclusão social. O fascismo não busca mascarar a violência do estado como os tradicionais partidos da ordem, na verdade a celebra como natural, divina e imutável, cujo único problema é que está sendo erroneamente aplicada aos “cidadãos de bem”! E de quem é a culpa? Oras, desses comunistas viados globalistas que estão no poder dando privilégios mesquinhos a quem não merece! E a solução? Simples! Voltar toda a violência do Estado à quem deveria! Do jeitinho que as coisas deveriam ser.

O fascismo, então, nada mais é que o culto supremo à Ordem Natural das coisas, ordem esta cujo caráter é divino, sempre existiu e sempre existirá, nada mais é que o culto à Ordem Capitalista, despida de seu verniz liberal. É assim que o fascismo consegue se colocar como anti-sistêmico, como um lutador pela classe trabalhadora, desde que ela sirva pacatamente ao lucro da burguesia. E quem não se encaixa, então, à esta Ordem Natural são caracterizados como o místico “Outro”, um grupo de pessoas, por definição fora da identidade nacional construída, mas que estão dentro do território, pervertendo esta Ordem a serviço de interesses internacionais muito bem organizados, culpados de tudo que há de errado! E se, porventura, algum partidário da nação reclamar, ousar se destacar de seus pares, será rapidamente identificado enquanto um agente infiltrado, buscando corromper silenciosamente à gloriosa nação!

Contudo, tendo como exemplo a eleição de Javier Milei e a destruição que este promove na Argentina, fica evidente que há uma diferença entre o fascismo nesses países centrais e o fascismo em países dependentes. Se nos países centrais o fascismo vêm para melhorar/defender sua posição na cadeia interimperialista, o fascismo nos países dependentes buscam aumentar a subserviência ao imperialismo, realizando uma destruição em massa de toda a riqueza acumulada nas últimas décadas de disputa pacífica a fim de promover uma explosiva transferência de riqueza para os países centrais e aumentar até o fim a superexploração da força de trabalho, transferência essa que tem como objetivo melhorar as condições de disputa dos países centrais da hegemonia estadunidense ao mesmo tempo que barra a entrada do imperialismo chinês nesses países, que se acontecesse seria um duro golpe à essa hegemonia. O fascismo dependente busca a destruição do país para promover a transferência massiva de recursos que financiará a defesa da hegemonia estadunidense.

A Ordem Natural

Porém, para que esse projeto dê certo, ele precisa ter a adesão da classe trabalhadora, é necessário ter algum grau de convencimento para que se possa realizar a coerção. A nível subjetivo, a agitação e propaganda fascista se apoia na violência de classe inerente ao capitalismo, tanto a violência física quanto a econômica. Frente à crise, essa violência aumenta consideravelmente e enquanto a esquerda diz que está tudo bem, que a violência (abstrata) é errada e que o estado democrático de direito é o estado sem violência, mentindo para a classe trabalhadora, os fascistas denunciam essa violência, principalmente econômica, agitando a noção de que a violência é completamente natural, mas que atualmente está sendo direcionada erroneamente sobre os “patriotas”, sobre os “cidadãos de bem”, pelos grupo vigente no poder e que, na realidade, os grupos “privilegiados” são quem deveriam estar sofrendo com a violência! E quem está no poder segundo os fascistas? Oras, no nazismo eram os judeus comunistas, hoje são os comunistas da “ideologia de gênero”, da “cultura woke”!

É necessário comentar também o papel que as políticas sociais focalizadas tiveram em fortalecer esse pensamento. Na medida em que se abandonou o foco em política sociais universais, focalizando-as “em quem é mais fodido”, gera-se um questionamento na mente da maioria da classe trabalhadora: “Se eu que trabalho para caralho e tô contribuindo pra sociedade tô me fodendo pra viver, porque esse pessoal que não contribui nada tá recebendo algo que faria toda a diferença na minha vida?”. Na medida em que as políticas universais são depredadas, o acesso a certos direitos fundamentais deixa de ser assegurado para uma grande parte da classe trabalhadora, e quando esse direito é assegurado para um grupo seleto de pessoas pelas políticas focalizadas dá a impressão de um privilégio não merecido.

Por isso que lutar contra esses “privilégios” dá um apelo anti-sistêmico muito grande para os fascistas, que se colocam como os defensores daqueles que sofrem erroneamente e prometem acabar com esse sofrimento ao redirecionar a violência sobre quem realmente “merece”. Mas os fascistas não são comunistas (evidentemente) e não são realmente anti-sistêmicos e nem se propõe a ser. Eles conseguem essa proeza na medida em que se colocam a favor da ordem natural das coisas, que supostamente teria sido pervertida por aqueles no poder, por isso precisam retomar um passado idílico, precisam mostrar como é a ordem natural, como ela já existiu, como está pervertida pelos malditos comunistas e, por isso, estão se rebelando contra aqueles no poder para retomar o que é natural, o que é divino, o capitalismo desenfreado.

Desse apego ao que é supostamente natural, inescapável, decorre a caracterização do Outro na agitação e propaganda fascista. Quem é o Outro? É justamente aqueles que pervertem a Ordem Natural. É o judeu que perverte o capitalismo contra o cristão, é o indígena, que perverte a propriedade privada da terra, é o negro, que perverte a naturalidade da branquitude, é o homossexual, que busca o sexo pelo prazer e não apenas pela reprodução, é a trans, que perverte a família, o gênero e o sexo em si, é, por fim, o comunista, que busca perverter todos os aspectos da Ordem Natural, busca perverter o capitalismo em si, natural, divino, imutável. É contra estes Outros, contra estes pervertedores da Ordem Natural, que a violência, natural e imutável, deve ser direcionada, não contra aqueles que aderem e reproduzem tal ordem.

Mas o Outro não é apenas um inimigo interno, isolado, afinal vivemos no Imperialismo, cujo caráter é intrinsecamente mundial, assim é necessário que o inimigo interno seja a expressão dos interesses externos contrários à nação, ligando a repressão interna à esse inimigo à expansão e conquista de novos territórios. O inimigo interno representa uma ameaça à nação pois é parte de um grupo internacional que é contra a nação, o Outro, inerentemente,  deixa de ser membro da nação, na medida que representa interesses externos e contrários aos Nacionais, e o Fascista passa a ser aquele que retornará a Ordem Natural tanto internamente quanto internacionalmente, o derradeiro anti-sistêmico, que luta contra os pervertidos interesses internacionais.

Fascismo e a Disciplina da Ordem Natural

Se entendemos, como dissemos anteriormente, que o fascismo é a reconfiguração do regime capitalista para a guerra interimperialista a fim de defender ou reivindicar uma melhor posição na cadeia interimperialista, é necessário que a classe trabalhadora seja a mais disciplinada possível. É inaceitável para o fascismo que a classe realize greves no meio da guerra, que porventura parem a produção de armas, que se recusem a morrer pelos interesses da burguesia. Assim, todo o discurso fascista tem como pano de fundo recompensar es disciplinados e punir com máxima violência aqueles que são indisciplinados. Mas essa disciplina, para se manter sólida, deve perpassar todas as esferas da vida, qualquer coisa que não a máxima subserviência ao regime deve ser combatida, logo essa disciplina não é apenas a disciplina à classe trabalhadora enquanto classe, visando impedir sua luta, mas também é a máxima disciplina individual em absolutamente todos os aspectos da vida em sociedade. Ideologicamente, essa disciplina se justifica na medida que o fascismo se coloca como o defendedor do estado natural das coisas, da ordem natural, ou seja, da ordem capitalista em todas suas expressões, é a defesa do racismo, a defesa do machismo, do binarismo de gênero e, por fim, da dominação de classe, logo a disciplina fascista na esfera pública e privada é não só a disciplina (submissão) da classe à exploração capitalista, mas também a disciplina (submissão) ao racismo, da misoginia, do binarismo de gênero, é a Disciplina à Ordem Natural.

A disciplina da ordem natural é, evidentemente, a disciplina capitalista, e nela, o valor associado à uma pessoa, seu propósito de vida, é a produção visando o lucro capitalista, logo, segundo tal disciplina, todo e qualquer momento da vida da classe proletária deve ser dedicado à produção, sob a ameaça da violência econômica[14]. Isso implica na total disciplina do prazer, a disciplina de não atuar frente à seus desejos e dar vazão ao prazer apenas por meio do consumo, que evidentemente não satisfaz o desejo de prazer, apenas ameniza esse sentimento por um curto período de tempo[15].

 Fanon, já na introdução de seu primeiro livro “Pele Negra, Máscaras Brancas”, já nos diz que o negro, na ordem social capitalista, representa a perversão do natural, do branco, e que assim que se justifica seu extermínio “O negro é um homem negro; isto é, em decorrência de uma série de aberrações afetivas, ele se instalou no seio de um universo do qual será preciso removê-lo.”  - Franz Fanon. Pele Negra, Máscaras Brancas. São Paulo. Editora Ubu. p.22

Para o fascismo, então, a única forma de existir de uma pessoa racializada é a subserviência total e irrestrita à hierarquia racial, tanto em seu aspecto econômico quanto subjetivo, fundamentada em falsos aspectos biológicos. Esse aspecto é fundamental para a propaganda fascista, uma vez que o estado pervertido desta ordem e a retomada de sua forma natural é sua propaganda para tomar o poder. Mas seria essa visão algo binário? Apenas entre brancos e não brancos? Podemos afirmar que há sim uma binarização categórica entre o Branco e o Racializado, que independente da raça o branco é superior e deveria dominar o racializado, mas a diversidade racial implica em um certo grau de complexidade dessa hierarquia, construída sob a leitura racial presente em determinado tempo histórico. 

Ou seja, a relação de dominação entre o fascista e os povos racializados do globo depende da leitura que o fascismo tem sobre determinada raça, bem como do local geográfico que se dá essa dominação. Há uma diferença entre o tratamento que a Alemanha Nazista teve com o povo judeu e o povo cigano dentro do território europeu e o tratamento que teve com os povos africanos em suas colônias na África. Como tudo na ordem fascista tem sua origem na reprodução do capital, sua relação com as raças é determinada de acordo com sua percebida utilidade na reprodução do capital, que por sua vez se deve à posição que determinado povo têm na reprodução do capital e é justificada pelas falsas diferenças biológicas propagandeadas pelo fascismo. Enquanto o povo negro era percebido enquanto mais apto para o trabalho pesado, braçal, e portanto deveria ser dominado de forma à produzir valor sobre péssimas condições de vida, uma vez que o povo negro, majoritaraimente colonizado e escravizado durante toda a história do capitalismo, já estava inserido nessa lógica, e a justificativa natural, divina, dessa subjugação já estava plenamente determinada naquele período. Já o povo cigano era percebido enquanto totalmente inútil, já que não estavam inseridos no trabalho burocrático, que nem o povo o judeu, eram uma população numericamente pequena, então sua dominação para o trabalho forçado sistemático não era econômicamente necessária, e eram majoritariamente trabalhadores da arte, rejeitando o Estado e as fronteiras, ou seja, rejeitando completamente todos os preceitos de valor coletivo da ideologia fascista, capitalista. Logo, sua única opção era o extermínio, seja indo para o front, seja pelos experimentos humanos, seja nos campos de concentração. O fator geográfico é importante de ser notado, além do exposto anteriormente, a população negra subjugada pelo nazismo, estavam majoritariamente fora do território europeu, enquanto o povo cigano estava muito mais presente no território europeu, inclusive dentro da Alemanha, o que para o nazismo era inaceitável pois partiam do pressuposto que para a nação ser forte, deveria ser pura.

Assim, no regime fascista, aqueles grupos que têm “utilidade” são permitidos virem, desde que se adequem à disciplina da ordem natural e que vivam de maneira segregada, enquanto para outros o extermínio é a única opção. Mas isso é insustentável. A conclusão lógica dessa ideologia é o extermínio, seja ele a curto ou a longo prazo, dado que o racializado é, por sua própria existência, a perversão à ordem natural.

Pensando como isso se aplica na realidade brasileira, temos uma forte correlação entre raça e classe no Brasil, a população negra é em sua maioria da classe trabalhadora e a classe trabalhadora é em sua maioria negra, e a medida que vamos subindo para a classe média alta e a burguesia, quase não existe pessoas negras nelas. Já vivemos um regime de separação racial, aplicada por meio da separação de classes, ou não é verdade que temos bairros negros, da classe trabalhadora, e bairros completamente brancos, da classe média, classe média alta e burguesia? É através da inserção da população negra, ainda que de maneira muito tímida, nesses espaços antes reservados quase exclusivamente para pessoas brancas com maior poder aquisitivo por meio de políticas focalizadas, como a lei de cotas raciais nas universidades, ao mesmo tempo em que desmonta-se a expansão das políticas universais pelo neoliberalismo, que cria terreno fértil para a denúncia fascista da suposta subversão da ordem natural.

O projeto do fascismo para a população negra do Brasil é, então, a subserviência total, alcançada pelo genocídio perene através das polícias militares e do encarceramento em massa. Já a população indígena aldeada é uma porcentagem muito pequena da população, 0,83%[16], está vivendo de maneira segregada, então não tem contato com a massa da população, e não só não trabalha pela reprodução do capital, trabalha ativamente contra a expansão do mais importante capital brasileiro, o agronegócio. O projeto fascista para essa população nada mais é que o extermínio à curto prazo.

Podemos estender essa lógica também ao eixo de gênero, entender que para o sistema capitalista a mulher é a perversão do Homem, mas o projeto para as mulheres brancas não é o de extermínio, afinal seria impossível a reprodução da força de trabalho dessa forma, mas sim sua total e completa subjugação aos homens e à família. Inclusive, sua subjugação à família é um aspecto fundamental para entendermos o fenômeno das mulheres de extrema-direita, a agitação e a propaganda direcionada às mulheres é dupla, tem seu aspecto social e seu aspecto familiar. No aspecto social, manipula-se o medo da violência sexual perpetuada pelo Outro, no caso especialmente pelas pessoas racializadas e, atualmente, pelas pessoas trans, o Outro é inerentemente caracterizado enquanto sexualmente perigoso e perverso, apresentam sua repressão e eventual extermínio como a solução final para a violência sexual. 

Já no âmbito familiar é historicamente agitado a subjugação das mulheres à famílias, utilizando-se dos estereótipos da categoria mulher para justificar sua posição natural dentro da família, mas esta subjugação é apresentada como uma libertação da mulher, que poderá reinar dentro do âmbito familiar, poderá finalmente ter controle sobre algo. Mas este controle é falso, ele só pode ser exercido na medida em que a mulher fomente uma família “normal” e realize seu papel na reprodução da força de trabalho, tanto pelo trabalho de cuidado tanto pelo trabalho de reprodução da classe trabalhadora, vide todos os demasiados ataques ao direito de aborto pelo fascismo hoje. Além disso, este controle é, e sempre será, secundário ao real poder dentro do âmbito familiar, o poder do homem, que tem sua face mais horrenda e concreta na violência doméstica e, justamente por isso, o combate à violência doméstica aparece tão preponderantemente nos projetos de lei propostos pelo fascismo brasileiro, este é o maior empecilho material para que essa proposta de prisão familiar seja vista de fato como algo libertador, e o fascismo sabe disso e busca dar respostas, hoje por meio de programas sociais focalizados em famílias de mulheres vítimas de violência doméstica, aumento da punição aos violentadores e até porte de arma de mulheres vítimas dessa violência. É assim que o fascismo se apresenta enquanto uma força aliada às mulheres ao mesmo tempo que prega sua subjugação à família e à reprodução.

Mas se a Mulher é a perversão do Homem, o que seriam es desviantes de sexualidade e gênero? Há dois fatores a serem analisados, o primeiro é a atribuição de características e práticas das categorias Homem e Mulher e o segundo, o propósito do sexo e dos relacionamentos para a ordem capitalista.

Desviantes sexuais, ou, pessoas que se relacionam sexualmente com um gênero que não aquele determinado pela categoria, pervertem, segundo a lógica fascista, as práticas afetivo-sociais determinantes das categorias do binarismo de gênero. Ume homossexual, ao se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo, desvia do comportamento ditado pela ordem natural capitalista e, portanto, deixa de pertencer à sua categoria de gênero original. Mas não é apenas o comportamento, a prática sexual, que consolida sua exclusão, como D’Emilio bem colocou, quando a homossexualidade era apenas uma prática, um pecado, ela era tolerada na medida em que se consolidadesse uma família, foi apenas com o avanço das forças produtivas, com a escala de produção industrial substituindo a escala de produção familiar, e com o adensamento populacional nas cidades, que se tornou materialmente possível que se constituísse a prática sexual e afetiva como identidade, sendo desenvolvida dialeticamente com o surgimento e aumento da repressão sistemática. Logo, atitudes sexuais desviantes não são necessariamente um problema, o problema é justamente a identidade.

Devido à repressão, tal identidade por muito tempo era acompanhada de uma recusa à assimilação, homossexuais e bissexuais questionavam coletivamente as características e ações impostas pelo capitalismo, e desenvolveram um forte senso de comunidade bem como uma identidade própria que, muitas vezes, resultava numa apresentação de gênero divergente da imposta pelo binarismo. Mas, como é natural sob o capitalismo, na medida que a luta da população LGBT cresceu, com o aumento de seu nível de organização, especialmente frente à crise da AIDS nos anos 80, mais o regime capitalista passa a aceitar e trabalhar pela integração dessas pessoas, inclusive com a linha política predominante ressaltando um caráter biologicamente ontológico da sexualidade, portanto imutável, fazendo com que hoje, 40 anos após o ascenso do movimento LGBT, tenhamos cada vez mais LGBTs com uma expressão de gênero e atitudes de acordo com a ordem natural, que buscam se assimilar à sociedade, e não questioná-la, mudá-la. Inclusive é justamente dentro dessa parcela assimilacionista da comunidade LGBT que surge e cresce o transfóbico movimento LGB, que busca divorciar-se do restante da comunidade para melhorar suas chances de assimilação.

Porém, como exposto anteriormente, a disciplina da ordem natural é também a disciplina da existência voltada única e exclusivamente para a produção, o que inclui também a disciplina sexual, o sexo por conexão, por amor ou apenas por prazer sem escrúpulos se torna impensável. O sexo, então, se torna uma obrigação para a reprodução sexual, e o sexo por prazer, dentro do casamento, deve ter seu prazer limitado, tentativas de aumentar o prazer sentido durante ele seriam apenas perversões desnecessárias, com alto nível de desprendimento energético, emocional e temporal, justificando assim a relativa falta de prazer sentida por ê trabalhadore constantemente fisica e emocionalmente exausto, que não tem tempo, energia ou disposição para buscar dar vasão à seus desejos de prazer sexual.

Se nos permitem o pecado de citar Adorno:

“O mecanismo de adaptação às relações enrijecidas é ao mesmo tempo de enrijecimento do sujeito em si: quanto mais adequado à realidade, tanto mais se transforma ele próprio em coisa, tanto menos vive, tanto mais insano é todo seu “realismo”, que destrói tudo em defesa de que a razão autopreservadora fora colocada em jogo, ameaçando rigorosamente até sua vida nua. O sujeito se desmembra entre a interiorização da maquinaria da produção social e um resto insolúvel, que degenera em curiosidade enquanto esfera reservada impotente perante o comportamento racional que se hipertrofia. Por fim, não apenas a pusão recalcada, reprimida, mas sim precisamente a originária, que almeja sua própria satisfação, manifesta-se como “doente”, o amor como neurose. Segundo sua ideologia de ainda reivindicar a cura das neuroses, a psicanálise, em acordo com a práxis dominante e sua tradição, desacostuma os seres humanos do amor e da felicidade, em favor da capacidade de trabalho e da [vida sexual saudável]. A felicidade se torna infantilidade (...).”- Adorno, T. Sobre a relação entre sociologia e psicologia. In: Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. 1. ed. São Paulo. Editora Unesp, 2015, p.94

Assim, ê desviante sexual que realiza o sexo não só sem a menor perspectiva de reprodução mas ainda tem a ousadia de buscar realiza-lo de forma mais prazerosa, de dar vazão à suas pulsões sexuais, é um pervertido. É alguém que ameaça a reprodução da classe trabalhadora, pervertendo o sentido associado ao sexo, mas também é alguém que é indisciplinado, que não vive estritamente para a produção, logo sua perseguição é necessária para que não “contamine” outres trabalhadores, especialmente as crianças e adolescentes, com sua indisciplina e perversão. É impossível que desviantes sexuais, por mais comportados e disciplinados que sejam, assimilem-se ao capitalismo, e qualquer tentativa de fazê-lo rifando as parcelas mais vulneráveis da comunidade, resultará apenas no possível adiamento da morte e perseguição.

Para além dês homo-bissexuais, há também as pessoas assexuais/arromanticas, estas pessoas, por mais que não sejam perseguidas de forma sistemática e aberta, nem sejam o foco do discurso fascista, sofrem da pressão social para constituírem uma família e fazerem sexo, com o objetivo da reprodução. Analisar sua opressão nos é útil uma vez que revelam que o casamento e o sexo são, antes de mais nada, também alvo da disciplina, é obrigatório que uma pessoa case e faça sexo, não pelo prazer, mas para constituir uma família, unidade de reprodução da sociedade dentro do capitalismo. O casamento e o sexo se tornam então mais uma manifestação da disciplina, não são uma evolução voluntária de afetos e relacionamentos, mas sim uma obrigação que deve ser cumprida e, se causar sofrimento, o indivíduo deve ser disciplinado para aguentar esse sofrimento, o prazer então é secundário, meramente possível.

Mas o caso das pessoas trans é ainda mais extremo. Nossa existência perverte não apenas o normal, o Homem, mas perverte a própria existência de gênero enquanto algo natural. Para que a subjugação das mulheres à família e aos homens seja justificada, é necessário que existam certas ações e características ontológicas apenas ao Homem e outras apenas à Mulher. É necessário que acredite ser natural, divino, que a mulher seja cuidadora, casta, passiva, subserviente, para que seja justificável a sua exploração no âmbito da reprodução social e o controle de sua natalidade, se mulheres são naturalmente mães, então o nascimento, qualquer que seja, é uma obrigação. Agora, se nada disso é verdade, se uma pessoa que foi imposta a categoria de Mulher possa quebrar com as amarras de sua categoria, assumir características e ações consideradas masculinas, alterar seu corpo de forma a diminuir a fertilidade e fazê-lo tudo isso em busca do prazer de existir em sociedade, sendo inclusive bem sucedido nesta empreitada e sendo lido como Homem, há o completo questionamento da naturalidade, da divindade, atribuída às categorias Mulher e Homem. E digo mais, se essa pessoa pode misturar suas características femininas com as masculinas, ou que busque apagar as características e valores de gênero como um todo de seu corpo, ou ainda que mantenha tudo no lugar mas questione a atribuição social da categoria, de modo a criar uma forma de ser que fuja completamente do plano cartesiano Homem-Mulher há o mais completo questionamento destrutivo dessas categorias, a subversão do gênero é tanta que aponta para sua implosão. 

Há também aqui outro ponto de questionamento intrínseco à população trans, que fundamenta grande parte da efetividade da propaganda fascista voltada para à transfobia. Dentro da disciplina capitalista, há apenas dois prazeres: consumo e sexo. Por mais que ês desviantes sexuais pervertam o sexo e o afeto romântico voltando-o ao prazer, ainda o é compreensível. Mas as pessoas trans não. Para a disciplina fascista, não faz sentido buscar por uma vida mais prazerosa, buscar viver de forma que o agrade, perseguir o prazer e a satisfação pessoal de maneira tão firme que mude completamente a vida, expondo-se à violência e à discriminação. A busca pelo prazer dentro do capitalismo é apenas duas, consumo e sexo, para ele não deveria existir nada mais de prazer, existir não deve ser prazeroso, sua experiência com o gênero não deve ser prazerosa, seu relacionamento com o corpo não deve ser prazeroso! E qual a conclusão lógica disso? Oras, que as pessoas trans são tremendas pervertidas! Que tem tamanho desejo sexual a ponto de se submeter à discriminação e a violência para obter prazer sexual, o sexo deve ser tudo para essas pessoas! Logo, se querem usar o banheiro, querem fazê-lo sexualmente, se querem dar aula em escolas, devem querê-lo fazer sexualmente, se querem ler literatura para crianças, devem querer fazê-lo sexualmente. E ainda por cima são tremendamente indisciplinadas! Afinal, por maior que deva ser o desejo pelo prazer sexual, o “cidadão de bem” deve ser capaz de contê-lo, de se negar o próprio prazer não importa o quão infeliz isso o faça!

A existência de pessoas trans é, de fato, uma tremenda ameaça à ordem capitalista. Questiona fundamentalmente algo que não deve ser questionado. São muitas vezes visivelmente diferentes, sendo contrangides por isso, mas o fazem mesmo assim. Buscam com todo o afinco o prazer de existir.

É necessário uma ressalva aqui, na medida que o movimento trans avança, avança também uma preconcepção que, apenas por viver, apenas por ser, estaríamos atuando para destruir o binarismo de gênero. Esta concepção é falsa, a existência das pessoas trans é diversa, assim como de todes seres humanes, e existências como a de pessoas trans que seguem de maneira extremamente disciplinada os ditos do binarismo de gênero, seja por segurança seja por ideologia, não é em si, questionadora. Uma existência trans pode sim ser questionadora, alguém que claramente não é socialmente atrelade à uma das categorias ou alguém que busca características visuais conflitantes e extremas gera, no plano estético, um desconforto que abre margem para o questionamento. Mas, é só ao reivindicarmos constantemente as categorias, impondo nosso gênero e, de fato, fazendo abertamente nossos questionamentos, que eles serão feitos, não podemos esperar que as pessoas façam os questionamentos corretos a partir de nossa estética por conta, é só na ação, e na ação política, que esses questionamentos serão levantados.

Ademais, há também no movimento trans uma perspectiva liberal, muito danosa ao nosso movimento e que, inclusive, fortalece o binarismo de gênero: o essencialismo. O essencialismo é a ideologia de que o gênero é algo ontológico do ser, que ao contrário de questionar a própria atribuição social do gênero ao nascer, propaga que a identidade de gênero está sim presente ao nascer, o problema é que “foi atribuído erroneamente”, visão comumente atrelada ao assimilacionismo, à performance extrema da categoria de gênero por motivação ideológica. Tal visão fortalece o binarismo de gênero na medida em que reforça o caráter natural, divino, do gênero, inclusive de suas características e ações atreladas! É também a ideologia de pessoas trans que se aliam ao fascismo, procurando se posicionar como es “bons trans”.

O Estado e a Família.

Segundo Fanon , a família é a unidade de reprodução da relação do indivíduo com a autoridade, as leis, princípios e valores apreendidos no seio do convívio familiar “normal” são os mesmos que se encontram na sociedade[17]. Há, contudo, famílias que desviam da normalidade, seja por seu comportamento, seja por sua posição social, produzindo indivíduos que não se relacionam com o estado de maneira esperada, busca-se então corrigir tais desvios no ambiente escolar. 

É perceptível a maneira como o fascismo busca regredir o ensino, que avançou timidamente na medida que o capitalismo passou a buscar a assimilação da população marginalizada através do social-liberalismo, se apresentando como uma solução para a perversão do ensino da ordem natural. Sua primeira investida foi o projeto do “Escola sem Partido”, que depois evoluiu sob o governo Temer para o Novo Ensino Médio ainda de uma perspectiva apenas neoliberal e sob o governo Bolsonaro tanto pela forma do avanço das escolas cívico-militares[18]. Ambas formas de avanço no controle ideológico fascista sob o ensino representam duas faces do mesmo projeto: enquanto o NEM busca incumbir o neoliberalismo em sua forma mais virulenta, com o governo Tarcísio utilizando de material propagandístico do Brasil Paralelo e do MBL, voltando a educação do jovem trabalhador em uma voltada para a inserção no mercado de trabalho precarizado e fechando ainda mais as portas da universidade, bem com sua permanência nela, as escolas cívico-militares representam de forma mais escancarada o crescente militarismo promovido pelo fascismo, formando jovens a se subordinar completamente à ordem natural e buscando matar o pensamento crítico, a fim de formar a relação do jovem com a autoridade, preparando-o para a nova sociedade e para o exército, que logo se apresenta como o único refúgio de perspectiva de melhores condições de vida (mesmo que isso seja mentira).

Porém, Fanon destaca a forma com que um indivíduo antilhano, que cresceu em uma família normal, será tido como anormal ao entrar na sociedade branca[19]. Tal lógica se mantém no Brasil, mas se configura de formas distintas, nos ateremos a apenas três. A família negra normal, da classe trabalhadora, reproduz de maneira correta a forma de lidar com o estado e com a autoridade tão somente o indivíduo negro se limite à estar apenas junto com sua própria classe, a partir do momento que pisa no mundo pequeno-burgues/burgues, será defrontado com uma forma completamente diferente de lidar com o estado e com a autoridade. Mesmo assim, há uma conexão com o estado, uma conexão determinada pela dominação racial de classe, mas mesmo assim, uma conexão. A família indígena aldeada, porém, já não detém este tipo de conexão, têm suas leis, princípios e valores próprios e uma relação completamente não só com o estado e com a autoridade, mas com o mundo como um todo. Representam, então, uma dupla ameaça ao estado capitalista e, por consequência, ao estado fascista.

Porém, ao pensarmos por este prisma mas olhando para a disciplina de sexualidade e de gênero, encontraremos algo similar. Durante o período em que o social-liberalismo teve hegemonia no mundo, buscando assimilar as lutas de minorias, a família LGBT passou a ter muito mais ligação com o Estado, algo que não aconteceu com famílias indígenas aldeadas mas que aconteceu em menor grau com famílias de imigrantes, sendo que antes disso elas também existiam completamente à margem da sociedade. Denominamos famílias LGBT como famílias em que uma das partes é LGBT e que, quando esta parte é a criança/adolescente, há aceitação. Porém, ao passo em que a crise do imperialismo hegemônico estadunidense entra em crise com o crescimento do bloco imperialista protagonizado pela China e o fascismo entra em ascensão novamente no mundo, as famílias LGBT, que começaram a se consolidar dentro da ordem, entram sob ataque, se afastando paulatinamente do estado mesmo que ainda mantenham certa relação.

Este ataque, motivado pela família LGBT, especialmente Trans, não impor a disciplina e a relação com a autoridade necessárias para o fascismo como descrito anteriormente, se dá em dois níveis: ataque à constituição da família por pais LGBTs e ataque à permissão dos pais do desvio sexual e/ou de gênero de suas crianças/adolescentes. A nível parental, indivíduos em posição de poder nos órgãos estatais que regulamentam a adoção dificulta e até nega sem justificativa legal a adoção de crianças/adolescentes por parte de pais LGBTs, ao mesmo tempo que o fascismo organizado ataca as leis da regulamentação do casamento LGBT e a permissão para a adoção, atacando assim a própria possibilidade de constituição de uma família reconhecida pelo estado. Também há o ataque a nível social, por parte da massa fascista não necessariamente organizada, com a exclusão social e bullying de crianças/adolescentes com pais LGBTs, incentivada por pais de famílias fascistas. Porém, há pessoas LGBTs que, por qualquer que seja o motivo, têm filhes biológiques, e aqui que a coisa fica ainda mais sinistra, com a negação da guarda e, caso seja filhe de um casal, o projeto fascista é a perda da guarda com a criança/adolescente sendo colocada para a adoção.

A nível de filhes LGBTs, o projeto é ainda mais nefasto. Para o fascismo, não reprimir com a maior violência e descontrole possível impulsos desviantes em sue filhe é inaceitável. Buscam, então, cada vez mais formas de destruir famílias que acolhem filhes LGBT, principalmente trans, por meio do estado e do espaço secundário de socialização, a escola. A perseguição às famílias LGBTs a nível des filhes se dá por meio de duas etapas: a identificação e a perseguição. Para a identificação, os avanços legislativos sobre o tema, que serão expostos posteriormente neste texto, implicam que é a partir da interface da criança/adolescente com o estado por meio de serviços de saúde e da escola que a permissividade e incentivo à dissidência serão identificados. A partir desta identificação, o próximo passo é informar ao estado, por meio do conselho tutelar, que em seguida retira a guarda dos pais e coloca a criança/adolescente no sistema estatal de adoção. Tudo isso a partir da justificativa explícita de que permitir ou incentivar essa dissidência seria considerado “expor a criança ou adolescente ao vexame” ou seria “sexualização precoce”, com projetos de lei considerados acessórios que falam sobre perda de guarda neste caso. Note que, por mais que estes projetos sejam voltados à população LGBT, também implicam no controle ideológico da família, afinal se o fascismo coloca a família como unidade soberana, é necessário haver controle ideológico da família, para que só seja soberana a família fascista.

Para o Fascismo, o controle ideológico sobre a família é absolutamente central, e família deve ser soberana tão somente seja uma família fascista, as outras serão destruídas.

É por isso que o fascismo clama tanto a defesa a familia e aos seus sujeitos base - mulheres e crianças - para manter certa coesão ideológica, para que a forma familiar capitalista seja, por si só, uma forma social fascista ou de grande uso à ele. Entretanto, como prova John D’Emilio, o modo de produção capitalista da as condições materias para o fim da família. O fascismo reproduz a forma familiar como esse membro natimorto do funcionamento do sistema capitalista, mas só o faz para efetivamente atacar esses grupos. Quem quer retirar direitos das mulheres? A quem beneficia a infância enquanto subcategoria humana? Quais famílias eles defendem? Qual sua cor? Qual sua composição? Fascistas odeiam familias, mas quem quer sua abolição (ou deveria querer) somos nós, os comunistas. Abolimoremos ela para chutar um dos pilares estruturantes do Capital e da pulsão fascista.

O avanço legislativo da Transfobia

Qualquer pessoa que esteja minimamente conectada com a comunidade trans internacional anglófona em espaços virtuais sabe do enorme avanço de leis que atacam a população trans, atreladas à um avanço na propaganda anti-gênero, criando um clima de perseguição que aumenta, em muito, a violência estatal e civil às pessoas trans. Os países que mais são centrais neste aspecto são a Inglaterra e os EUA, com menção especial à Singapura. 

A Inglaterra cada vez mais se coloca como o epicentro “científico” da transfobia, todos os “estudos científicos” de grande impacto citados pelo fascismo brasileiro em seu ataque ao serviço de saúde especializada para crianças e adolescentes trans, na época eram os artigos produzidos pelo Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra ( National Health Service - NHS)[20] e pelo Instituto Nacional pela Excelência na Saúde e Cuidado (National Institute for Health and Care Excellence - NICE)[21], que subsidiaram a matéria jornalística da BBC Brasil[22], que é a citada nominalmente. Tais artigos serviram de base para o agora infame Relatório Cass (Cass Report)[23], cuja falta de conhecimento específico de lidar com a população trans e o enviesamento ideológico deram espaço para um resultado transfóbico falando sobre uma suposta falta de evidências sobre a eficácia de bloqueadores de puberdade e harmonização cruzada na felicidade de crianças e adolescentes Trans. Para sustentar esta afirmação, a Dra. Cass se baseia no fato que nunca foram feitos testes de duplo cego para afirmar esta eficácia, desconsiderando que é uma extrema falta de ética negar o acesso à um medicamento que salva vidas para pessoas trans e dar um medicamento que afeta o desenvolvimento para uma criança cis (mais sobre isso e sobre a história do conceito de ideologia de gênero neste vídeo[24]).

Já os EUA é o maior exemplo de legislações contra pessoas Trans internacionalmente. Seu federalismo extremo leva à disparidades brutais nas políticas entre os estados, com estados mais conservadores como o Texas[25][26] e a Flórida[27] estando na vanguarda desta frente. É de lá, inclusive, que vazou um áudio que demonstra perfeitamente qual é o objetivo final dessa investida de suposta “proteção às crianças”: O fim de qualquer tratamento especializado em pessoas trans[28]. Sabemos que o sistema bipartidário estadunidense é apenas duas faces do fascismo, mas a grande divisão aparente, propagandística, entre eles, é a diferença no trato propagandístico sobre as minorias. Mesmo assim, é perceptível que há um traço, que hoje se apresenta como sólido, na prática política entre republicanos e democratas: a questão trans. Enquanto democratas falam sobre imigrantes de maneira positiva, mantendo-os enjaulados na fronteira que nem Trump, os republicanos avançam a passos largos na criminalização de pessoas Trans[29] enquanto os democratas agitam contra tais retrocessos, mesmo não tomando nenhuma medida efetiva neste enfrentamento. Ou seja, a questão trans é fundamental para entender a divisão democrata-republicano nos EUA contemporâneo. Uma boa “síntese” do projeto fascista dos republicanos para os EUA pode ser extraído do Projeto 2025[30], um conjunto de medidas e reformas que aprofundarão de tal maneira o controle policial e religioso que representará uma mudança qualitativa no regime estadunidense[31].

Por fim, Singapura. Pode parecer estranho pegar para a análise dois países dos mais centrais possíveis na cadeia imperialista hegemônica e um país pequeníssimo, consistindo de uma cidade e algumas pequenas ilhas, no Sudeste Asiático. Porém, Singapura representa a mais brilhante das utopias neoliberais, seus sonhos mais molhados, de maneira similar ao mesmo tempo que completamente distinta de Israel, é o paraíso Ocidental na região, que “aceita imigrantes de qualquer tipo”, que os serviços públicos são fortes e eficientes, com uma cidade verde e arquitetura monumental, quase futurista. O que não contam, obviamente, é que apenas imigrantes burgueses têm direito a este paraíso, com a grande maioria de imigrantes proletários sendo submetidos a regimes de trabalho desumanos, permeados de abusos trabalhistas, morais e físicos, por vezes fatais[32].(esse vídeo muito bom em inglês foi base para esta sessão[33]).

Atualmente, em Singapura, há em curso um projeto, conhecido como Operação Maré Alta (Operation-HighTide - OHT)[34], forjada em conjunto com think tanks e demais organizações fascistas-religiosas, que está perseguindo e encarcerando ativistas LGBT, em especial Trans, que se opõe às legislações transfóbicas em curso no país, como o caso de Harvey, uma pessoa transfeminina autista encarcerada e estuprada na ala masculina de um manicômio[35]. O objetivo desta operação é de criminalização total de pessoas trans, tratando-as como doentes mentais e encarcerando-as em prisões ou manicômios de acordo com o gênero designado ao nascer. Parte desta operação inclui dar maiores poderes à polícia para prender e encarcerar pessoas com transtornos mentais que “representem perigo” para a sociedade[36].

Para quem está de olho no tema dos avanços legislativos contra a população trans, 2023 representou um avanço tremendo na proposição de legislações anti-trans, de 2019 até 2020, foram propostos 40 PLs anti-trans na Câmara dos Deputados[37], mas só no ano de 2023 foram propostos 71 projetos anti-trans, representando um aumento de 177,5%! Os projetos versam sobre os temas de: Saúde, Esportes, Linguagem Neutra, Espaços Segregados, Educação, Propaganda, Parada LGBT e Outros. 2023 não representou somente um avanço quantitativo na legislação anti-trans, mas também representou uma mudança na estratégia, se nos 40 projetos anteriores, 25 versavam sobre linguagem neutra[38], representando 62,5% dos projetos, em 2023 este número é de apenas 10, representando apenas 14% dos projetos. Reconsiderando sua estratégia, o fascismo mudou o foco de seu esforço legislativo para a Saúde, a Educação e a Segregação de pessoas Trans da Sociedade, que representam respectivamente 23%, 18,3% e 28,2%. A mudança não deve nos surpreender, o medo da mudança da norma culta não é forte o suficiente dentre a classe trabalhadora para gerar o pânico moral desejado pelo fascismo, enquanto o medo relativo à manutenção da integridade física e psicológica de suas crianças é, pega numa pulsão das mais fundamentais. Como exposto anteriormente, a existência de pessoas trans dentro das possibilidades da disciplina fascista do prazer nos atrela indissociavelmente ao sexo, existimos, segundo os fascistas, para nosso próprio prazer sexual. Essa é a leitura propagandeada pelo fascismo em seus projetos de lei, que vincula toda e qualquer interação com menores de idade como de conteúdo sexual explícito. 

Na área da Saúde, o único foco apresentado é o fim do tratamento especializado para crianças e adolescentes. Justificam tal absurdo citando os estudos científicos ingleses em conjunto com uma matéria do G1 sobre o AMTIGOS (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas - USP), cuja chamada destaca o atendimento de 280 menores de idade no ambulatório[39]. A matéria elenca os procedimentos do tratamento como sendo “bloqueio da puberdade, a hormonização cruzada e a cirurgia de redesignação sexual”, estes tratamentos, contudo, não são realizados indiscriminadamente, antes da puberdade, apenas é realizado o acompanhamento terapêutico e a transição social (adotar nome social e alterar expressão de gênero), é apenas com o início da puberdade que é adotado o bloqueador hormonal, a fim de pausar a puberdade para que se possa explorar a identidade de gênero, apenas após os dezesseis anos que inicia-se o processo de hormonioterapia cruzada, a fim de retomar a puberdade conforme o desejado e, apenas após os dezoito anos, é permitida a intervenção cirúrgica. Destacamos, contudo, que este processo seria o de uma criança que entrou cedo no ambulatório, uma vez que para iniciar cada etapa é necessário um tempo mínimo de acompanhamento psicológico e, uma vez iniciada qualquer intervenção medicamentosa, há um acompanhamento multidisciplinar. Além disso, o uso de bloqueadores hormonais para crianças cis que atingem a puberdade muito antes de seus pares é rotineira e utilizada à décadas, visando garantir uma puberdade mais parecida com de seus pares.

O fascismo, porém, ignora tudo isso e comete diversas desonestidades ao apresentarem suas justificativas. Em seus PLs[40], cita a matéria do G1, falando que há 280 crianças e adolescentes estão sob tratamento pelo AMTIGOS, cujas intervenções incluem a utilização de bloqueadores e hormonioterapia cruzada, afirmando que crianças de 4 anos (menor idade presente no AMTIGOS) estão utilizando bloqueadores hormonais e realizando hormonioterapia cruzada, ou seja, ao agrupar todo o grupo de menores de idade no mesmo, utiliza de tratamentos dados aos mais velhos como se fossem aplicados em crianças com menos idade do que a mínima legalmente requerida. Porém, o escopo das leis não é apenas impedir a utilização de bloqueadores, mas sim de todo tipo de tratamento. Para isso, utilizam de um mecanismo muito perigoso, o do famigerado “desenvolvimento cerebral”. Ou seja, mina qualquer tipo de autonomia relativa e invalida a própria capacidade do menor de idade em decidir qualquer aspecto de sua vida, algo que vai muito no sentido de aumentar os poderes familiares, sendo uma antiga justificativa para invalidar qualquer agência, individual mas também política, da população jovem. Vale ressaltar, que há projetos de lei que visam aumentar a idade limite do tratamento para 21 anos[41][42]! Invalidam, assim, a agência de grande parte da população mais politicamente ativa com uma perspectiva radical, é uma ideologia que impacta nossa atuação política. Há de se constatar, também, que a matéria do G1 sobre o AMTIGOS é citada inclusive em PLs Estaduais fora de São Paulo[43], demonstrando a magnitude da (insuficiente) política pública de atendimento à população Trans no estado, sendo a CPI da “Transição de Gênero” da ALESP utilizada com palco propagandístico do fascismo nacionalmente, sendo citada em diversos processos similares que buscam restringir o acesso à saúde especializada.

Para além da desonestidade metodológica, há também algo mais sinistro que aparece em alguns projetos de lei, como o PL 994/2023[44], a definição de que o tratamento de crianças e adolescentes trans é “mutilação” e, ainda por cima, feito por motivações ideológicas, de cunho sexual, e apoiada pela esquerda a fim de obter ganhos políticos. Desloca-se então a discussão de saúde para uma suposta luta anti sistêmica contra aqueles que estão no poder e querem perverter as crianças por desejo sexual e político. Esta motivação ideológica é o pano de fundo de toda a discussão sobre pessoas trans, tratam-nos como inexistentes, pervertidos sexuais que buscam a própria satisfação, que inventaram este conceito recentemente a fim de se aproveitar da sociedade, como se não fossemos trans, como se não quiséssemos transicionar para conciliar-nos com nossa existência, mas que toleramos isso a fim de satisfazer nossos nefastos desejos perversos. Outro eixo também relevante da argumentação destes PLs[45], é a noção de que, dado a transição como imposta à criança e ao adolescente, apoiar a transição dos mesmos seria expô-los ao vexame e ao constrangimento. Es conhecedores já terão feito a conexão que isto é uma leitura que enquadraria permitir a transição como violação do ECA.

Também é corriqueiro nestes PLs da área da saúde a noção de que transicionar parte de uma decisão tomada em momentos de fragilidade mental e infelicidade[46], que as pessoas que decidem transicionar o fazem após serem influenciades por toda esta “propaganda woke”, pensando ingenuamente que seria este o caminho de sua salvação, apenas para se deparar com o arrependimento e a infelicidade. Citam, como argumento, o alto índice de diagnóticos de depressão e suicídio dentro da população trans, colocando como se o ato de transicionar tornasse a pessoa infeliz e não, talvez (só talvez heim), fosse a situação de marginalização social e econômica extrema que somos submetidas! Por isso seria tão necessário proteger nossas crianças, que não sabem o que fazem e são tão facilmente influenciadas pela propaganda transcomunista, decidindo mutilar-se e perseguir algo que só trará mais miséria e sofrimento! O que não contam, é que quando falam de tais dados, não fazem um estudo sobre a taxa de suicídio de pessoas que transicionam versus pessoas trans que não transicionaram, até por ser impossível encontrar tais pessoas! Como sabem, tão precisamente, a despeito de todos os relatos possíveis de pessoas trans que decidiram acreditar novamente na vida após sua transição, que pessoas que “se acham trans” seriam muito mais felizes sem transicionar?Há, inclusive, estudos que colocam um alto nível de satisfação com a transição[47], que a taxa de arrependimento da cirurgia de redesignação sexual é muito mais baixa que a de outros procedimentos estéticos[48]! Mas claro, a verdade não importa, o que importa é caracterizar-nos como doentes, infelizes e incapazes de tomarmos nossas próprias decisões, precisando de forte intervenção médica em manicômios.

O que conecta estes projetos entre si é o ataque à autonomia corporal, algo que se desdobra para além das pessoas trans ao analisarmos pelo prisma da disciplina. Porém, este ataque não é operado apenas contra a população trans. Espero que todes já estejam cientes dos ataques que o fascismo opera contra o direito ao aborto, mesmo ao que já é legalizado[49]. Existe uma quantidade alarmante de PLs na Câmara dos Deputados[50][51] que aumenta a pena do abordo, alguns buscam colocá-lo como crime hediondo, o que nos incita a pergunta: como o fascismo consegue regredir no direito das mulheres e colocar-se como aliado? O faz predando sob a insegurança de violência sexual das mulheres, mas sobre um prisma de aumento da criminalização e de pena (PL 5776/2023[52] e PL 5672/2023[53]) e armamento(PL 4885/2023[54]). Ou seja, dá falsas soluções que só servem para manter e aprofundar o aparato repressor do estado, sem perspectivas de prevenção, apenas punição, ao mesmo tempo que regridem em legislações fundamentais no direito das mulheres. Denunciar as falsas soluções do fascismo é então nossa tarefa.

Esse é o embasamento ideológico por trás também dos PLs de Educação. Estes, não mais focados na utilização e ensino de linguagem neutra, procuram vincular o ensino, não, a mera exposição da existência de pessoas trans como algo lascivo, pervertedor. Quando almejam impedir o ensino da chamada “ideologia de gênero” nas escolas estão, na verdade, buscando impor o ensino do binarismo de gênero enquanto algo imutável, divino, como podemos ver no PL 4546/2023[55], que propõe no Art. 2º “Para fins desta Lei, entende-se por "ideologia de gênero" quaisquer conteúdos que promovam a desconstrução das diferenças entre os sexos biológicos, ou que se refiram a teorias ou conceitos não reconhecidos pela ciência.”. Este, camaradas, é o ensino de que mulheres são naturalmente carinhosas e submissas, que pertencem ao âmbito familiar por razões biológicas! 

Buscam proibir, também, a mera exposição da imagem de pessoas LGBT, em especial Trans, tanto em material didático e dentro das escolas mas também em diversos outros âmbitos, sob a justificativa deste ser conteúdo pornográfico, obsceno, erótico, como podemos ver na ementa como a do PL 4235/2023[56]: “Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para vedar a veiculação de imagem eróticas, pornográficas e obscenas no material escolar a ser utilizado nas escolas da educação básica.” e no PL 3022/2023[57], com ementa “Altera a Lei nº 8.069, de 31 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, para tipificar os crimes relativos ao trânsito e a permanência de menores de 18 anos, em eventos que promovam ilicitude; comportamento impróprio para sua faixa etária; insalubridade; situação degradante, abordagem erótica, sexualização infantil e que exerçam influência sobre a sexualidade natural do menor e dá outras providências.”.

Esta é, também, a justificativa utilizada na segregação social de pessoas trans da sociedade, a partir da criminalização de sua mera presença no mesmo espaço que menores de idade, como no PL 3091/2023[58], que tem a ementa de “Proíbe a participação ou exploração de crianças e adolescentes menores de 16 anos ou suas imagens em qualquer evento ou local público ou privado, envolvendo conteúdos que proporcione ou incentive a sexualização precoce e a erotização desses menores.”. Ora camaradas, em quais espaços, públicos e privados, não há crianças?

O fascismo, porém, avança ainda mais na exclusão de pessoas trans da sociedade quando analisamos que há projetos que visam impedir nossa presença em banheiros, definindo que o único critério para a presença em um banheiro é o divino sexo biológico. No momento, o foco deste tipo de legislação é em banheiros de instituições de religiosas e/ou de ensino, como podemos ver no PL 1601/2023[59], o que por si só já serve para reproduzir nossa condição de marginalização, nos relegando à prostituição e ao subemprego, cerca de 70% da população trans não concluiu o ensino médio, com apenas 0,02% tendo acesso ao ensino superior[60], sendo que mais de 90% utilizam ou utilizaram da prostituição como fonte única ou complementar de renda[61]. Mas a imposição do sexo biológico como critério no ambito público e privado também é utilizado para buscar limitar nosso acesso à recursos, como no PL 5275/2023[62] que propõe o sexo biológico como determinante para o acesso à qualquer política pública, e mais preocupante ainda é o caso do PL 5769/2023[63], que propõe o sexo biológico como crivo para a alocação no sistema carcerário! Tudo isso explicita que o Brasil está seguindo muito bem a cartilha do fascismo internacional.

Não podemos, contudo, deixar de analisar o que chamo de PLs “acessórios”, projetos de lei que em nenhum momento citam a população trans mas que, se aliados com o entendimento exposto anteriormente de vinculação entre existência trans ao sexo, que transição é mutilação e exposição ao vexame, que o sexo biológico é divino e imutável, que pessoas trans adultas são perversas e perigosas, configuram parte de um arcabouço jurídico voltado para a criminalização de nossa existência. Temos, por exemplo, o PL 4323/2023[64] e o PL 5669/2023[65], que criam os programas de combate à pedofilia e exploração sexual e de prevenção e combate à violência em âmbito escolar, ambos que na superfície nada tem a ver com pessoas trans mas que, a partir do momento em que a transição em menores de idade for enquadrada como “para satisfazer a lascívia”, tornam-se ferramentas de identificação e destruição de famílias trans, aliando-se ao PL 5360/2023[66], que exclui a defesa de alienação parental em casos de violência doméstica e sexual, algo que pode se voltar contra nós se baseada nas noções da transição como mutilação e exploração sexual. Nesta mesma linha, há PLs como o PL 5177/2023[67] e o PL 4789/2023[68], o primeiro pode vir a tornar crime hediondo a transição em menores de idade e o segundo recrudesce a pena.

Outro ponto importante de ser destacado, é a questão da neurodivergência e fascismo, até então não abordado por falta de estudo teórico sobre o tema. Cabe, porém, destacar o arcabouço que os PLs 5605/2023[69], 5679/2023[70] e 2851/2023[71] criam. O primeiro, busca determinar a invalidez de pessoas com TEA independente do nível de suporte, a segunda, busca impedir a esterilização cirúrgica em incapazes, e a terceira permite a “Internação em hospital de custódia para tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado que comprove ter capacidade de custodiar o agente, bem como manter a sua internação” até que “- A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, a qualquer tempo, praticar fato indicativo de persistência de sua periculosidade”. Tomadas separadas, e até mesmo juntas em outra conjuntura mundial, tais projetos não teriam assim tantos problemas (à excessão do último). Porém, como vimos anteriormente em Singapura[72], o impedimento à validação de pessoas neurodivergentes como capazes de escolher transicionar, seguido da interpretação de que uma pessoa autista que seja trans requer internação forçada por representar uma ameaça social, é algo que já está acontecendo, e é uma das vias do encarceramento das pessoas trans. A luta antimanicomial, portanto, deve ser aliada à luta trans.

O mais preocupante, porém, é o PL 3721/2023[73]. Diria que este é o mais forte argumento a favor da caracterização do projeto fascista para pessoas trans como genocida. Vejam, camaradas, este projeto de lei, proposto pelo deputado Delegado Paulo Bilynskyj, obviamente do PL (SP), propõe a criação de uma ala separada dentro das prisões para “ o transexual e o transgênero”. E a justificativa? Que “Ao serem inseridos em alas comuns, por vezes a partir de sua escolha própria, esses indivíduos estão sujeitos e podem sujeitar outros a uma série de vulnerabilidades, incluindo o assédio e a violência sexual.”. Camaradas, dentro do sistema carcerário que conhecemos, vocês acham que “o” transexual e “o” transgênero terão uma qualidade de cárcere maior, igual ou menor do que o restante? Esta é a mais perigosa medida proposta, é a proposta que cria as bases materiais, de infraestrutura, e sociais, para a instauração de uma política de encarceramento direcionado e sistemático por meio do aparato estatal às pessoas trans.

O projeto fascista para as pessoas trans, então, não consiste em frentes díspares de propaganda, é uma verdadeira reorganização do estado brasileiro, alterando conceitos basilares do ECA e do sistema penal, de modo a criar uma verdadeira perseguição sistemática às pessoas trans. É o projeto do genocídio trans.


[1]  Essa ideia, a dicotomia sexoXgênero (naturalXcultural), deve ser objeto focalizado de estudos pelos marxistas, colocar essa dicotomia, que hoje é tão aceita na esquerda, em questionamento é de visceral importância para o avanço do nosso campo na teoria marxista sobre o sexo-gênero-desejo e, é claro, no avanço a prática marxista-leninista da libertação de toda as potencialidade da existência para além da fragmentação binária humana.

[2]  Butler, J. (2024). Quem tem medo do gênero. Brasil: Boitempo Editorial.

[3]  Doyle, J. E. S. (2022). Como a extrema-direita está transformando feministas em fascistas. Como a extrema-direita está transformando feministas em fascistas | by Leia Marxistas

[4]  Weber, G et al.,2024. A Ameaça Trans, Uma análise dos espantalhos argumentativos que avançam sobre as casas legislativas. REBEH, Revista Brasileira de Estudos da Homocultura. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/16040

[5]  Parry, J (2024).NHS England to stop prescribing puberty blockers. BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/news/health-68549091.

[6]  Weber, G et al.,2024. A Ameaça Trans, Uma análise dos espantalhos argumentativos que avançam sobre as casas legislativas. REBEH, Revista Brasileira de Estudos da Homocultura. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/16040

[7]  idem.

[8]  Lei - 11610/2023. CMBH. https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao/lei/11610/2023

[9]  CPI - Tratamento para Transição de Gênero em Crianças e Adolescentes no HC-São Paulo. https://www.al.sp.gov.br/comissao/cpi/?idLegislatura=20&idComissao=1000001045

[10]  Tomaz, C; Leite, I (2024).CPI da Transição de Gênero aprova por 5 votos a 3 relatório final contra tratamento de crianças e adolescentes trans no HC da USP. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/12/14/cpi-da-transicao-de-genero-aprova-por-5-votos-a-3-relatorio-final-contra-tratamento-de-criancas-e-adolescentes-trans-no-hc-da-usp.ghtml

[11]  PL 1838/2023. Congresso Nacional. https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-1838-2023

[12]  Lima, K (2024).Comissão do Senado aprova projeto que proíbe uso de banheiros nas escolas com base na identidade de gênero. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/02/28/comissao-do-senado-aprova-projeto-que-proibe-uso-de-banheiros-nas-escolas-com-base-na-identidade-de-genero.ghtml

[13]  Lenin, V, I. Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo. 1a ed. São Paulo. Boitempo, 2021, p.99

[14]  “ Quem não se comporta segundo as regras econômicas, hoje em dia raramente naufraga imediatamente, mas no horizonte delineia-se o rebaixamento socioeconômico. Torna-se visível o caminho para o associal, para o criminoso: a recusa de colaborar torna suspeito e expõe à vingança social quem não precisa ainda passar fome e dormir sob as pontes. O medo de ser excluído, a sanção social do comportamento econômico, internalizou-se há muito através de outros tabus, sedimentando-se no indivíduo. Tal medo, transformou-se historicamente em segunda natureza - não por acaso “existência” significa, no uso linguístico filosoficamente não deteriorado, tanto a existência natural quanto a possibilidade de autopreservação no processo econômico.(...)” - Adorno, T. Sobre a relação entre sociologia e psicologia. In: Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. 1. ed. São Paulo. Editora Unesp, 2015, p.77

[15]  “Eles [os alienados de si mesmo] e suas motivações não se esgotam na racionalidade objetiva e algumas vezes agem contrariamente a ela, embora sejam seus funcionários. (...) o momento pulsional manifesto [momento em que o desejo é realizado] ou recalcado [não realizado ou mal realizado] encontra-se na objetividade social apenas como um componente, o da necessidade, que se transformou hoje totalmente em uma função do interesse de lucro. A ratio subjetiva [razão/lógica interna]  e sua [razão de ser] separam-se. Mesmo quem recebe todas as vantagens prometidas pela razão calculadora não consegue usufruir delas com felicidade, pois precisa, como consumidor, adequar-se mais uma vez ao que é predeterminado socialmente, à oferta de quem controla a produção.” - Adorno, T. Sobre a relação entre sociologia e psicologia. In: Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. 1. ed. São Paulo. Editora Unesp, 2015, p.89

[16]  Dados do Censo 2022 revelam que o Brasil tem 1,7 milhão de indígenas (2023). Gov.br. Disponível em: https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dados-do-censo-2022-revelam-que-o-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas#:~:text=A%20participa%C3%A7%C3%A3o%20da%20Funai%20no,para%20responderem%20%C3%A0s%20entrevistas%20domiciliares.&text=Em%202022%2C%20o%20n%C3%BAmero%20de,da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20total%20do%20pa%C3%ADs

[17]  “ A psicanálise, nunca é demais enfatizar, busca compreender determinados comportamentos - no interior do grupo específico que a família representa. E, quando se trata de uma neurose vivenciada por um adulto, a tarefa do analista é encontrar, na nova estrutura psíquica, uma analogia com alguns elementos infantis, uma repetição, uma cópia dos conflitos surgidos no seio da constelação familiar. Em todos os casos, a família deve ser considerada “um objeto e uma circunstância psíquicos”.” Franz Fanon. Pele Negra, Máscaras Brancas. São Paulo. Editora Ubu. p.157

[18]  PL 3532/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2373879

[19]  “Aqui, no entanto, os fenômenos haverão de se tornar particularmente complicados. A família, na Europa, representa na verdade uma certa forma que o mundo tem de se oferecer à criança. A estrutura familiar e a estrutura nacional preservam estreitos laços. A militarização e a centralização da autoridade em um país automaticamente acarretam uma exacerbação da autoridade paterna. Na Europa e em todos os países ditos civilizados ou civilizadores, a família é um pedaço da nação. A criança que deixa o ambiente da casa dos pais se depara com as mesmas leis, os mesmos princípios, os mesmos valores. Uma criança normal, que tenha crescido em uma família normal, será uma pessoa normal.(...)

Em ambos os casos [da família Europeia e da África Equatorial], há uma projeção das características do ambiente familiar sobre o ambiente social. É verdade que filhos de ladrões ou de bandidos, acostumados a determinado regramento clânico, ficarão surpresos ao descobrir que o resto do mundo se comporta de maneira diferente, mas uma nova educação - excetuando-se casos de perversão ou atraso (Heuyer) - deve ser capaz de levá-los a moralizar sua perspectiva, a socializá-la.”  Franz Fanon. Pele Negra, Máscaras Brancas. São Paulo. Editora Ubu. p.157-158

[20]  Florian D Zepf et al., Beyond NICE: Updated Systematic Review on the Current Evidence of Using Puberty Blocking Pharmacological Agents and Cross-Sex-Hormones in Minors with Gender Dysphoria. DOI: 10.1024/1422-4917/a000972. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38410090/

[21]  NICE (2020) Evidence review: Gonadotrophin releasing hormone analogues for children and adolescents with gender dysphoria https://cass.independent-review.uk/wp-content/uploads/2022/09/20220726_Evidence-review_GnRH-analogues_For-upload_Final.pdf

[22]  O que são bloqueadores de puberdade e por que estão no centro de uma controvérsia. BBC Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51097594

[23]  Cass, H (2024). Final Report. https://cass.independent-review.uk/home/publications/final-report/

[24]  Ávila, A (2024) How Conservatives Created (and Cancelled) Gender. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QLWKYTxLYT4&t=1493s

[25]  The Hill (2023) Gender-Affirming Care=CHILD ABUSE? Dystopian Texas Bill Would See Trans Kids ROUNDED UP: Researcher. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5ojFfGhK2qM&t=2s

[26]  Schoenbaum, H (2023).States target transgender health care in first bills of 2023. APnews. Disponível em: https://apnews.com/article/politics-health-texas-state-government-tennessee-minnesota-878a9217fa434f3ecd83738a71e40572

[27]  Anti-Transgender Bill Passes Final Florida House Committee (2024). Equality Florida. Disponível em: https://www.eqfl.org/statement-anti-transgender-bill-passes-final-florida-house-committee

[28]  Reed, E (2024). Ohio, Michigan Republicans In Released Audio: "Endgame" Is To Ban Trans Care "For Everyone". Erin In the Morning. Disponível em: https://www.erininthemorning.com/p/ohio-michigan-republicans-in-released

[29]  Astor, M (2023). G.O.P. State Lawmakers Push a Growing Wave of Anti-Transgender Bills. NY Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2023/01/25/us/politics/transgender-laws-republicans.html

[30]  Project 2025's "Mandate for Leadership: The Conservative Promise". Disponível em: https://www.documentcloud.org/documents/24088042-project-2025s-mandate-for-leadership-the-conservative-promise

[31]  Salmon, B (2024). Project 2025, if allowed, will cement America as a rightwing authoritarian state. Michigan Advance. Disponível em: https://michiganadvance.com/2024/01/16/project-2025-if-allowed-will-cement-america-as-a-rightwing-authoritarian-state/

[32]  Liani, MK (2020). The uncomfortable reality behind foreign domestic work in Singapore. Kontinentalist. Disponível em: https://kontinentalist.com/stories/foreign-domestic-worker-abuse-in-singapore

[33]  Sang, E (2024). Singapore: The Real Ba Sing Se. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sRRJqeVNbBM&t=2721s

[34]  [BREAKING NEWS] Carissa Cheow Goes Public with 100-Page Letter to the President of Singapore and the Attorney-General’s Chambers, And Releases 3 Bundles of Evidence (2023). Victims of Malice. Disponível em: https://victimsofmalice.com/3rd-letter-3-bundles-release/#subsidiary-operations-diagram

[35]  Baska, M (2023). Singapore: Autistic trans woman faces being sent back to institute ‘where she was raped’. PinkNews. Disponível em:

https://www.thepinknews.com/2023/07/14/singapore-lgbtq-queer-trans-asylum-attacks/

[36]  Tang, L (2024).Laws proposed to give Singapore police more powers to apprehend those with mental disorders. Channel News Asia. https://www.channelnewsasia.com/singapore/police-powers-arrest-mental-disorder-safety-risk-parliament-4174566

[37]  Diniz, I; Macário, C (2023). Câmara protocolou 60 projetos de lei antitrans entre 2019 e 2023; um terço só este ano. Agência Lupa. Disponível em: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/06/21/camara-protocolou-60-projetos-de-lei-antitrans-entre-2019-e-2023-um-terco-so-este-ano

[38]  idem.

[39]  Tomaz, K (2023). 280 crianças e adolescentes trans fazem transição de gênero no HC da USP; veja vídeos com o que eles contam sobre esse processo. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/01/29/280-criancas-e-adolescentes-trans-fazem-transicao-de-genero-no-hc-da-usp-veja-videos-com-o-que-eles-contam-sobre-esse-processo.ghtml

[40]  PL 994/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2350523

[41]  PL 269/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2347069

[42]  PL 682/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2349368

[43]  Proposição 2023000124. Assembleia Legislativa de Goiás. https://opine.al.go.leg.br/proposicoes/2023000124

[44]  PL 994/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2350523

[45]  PL 5012/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2396087

[46]  idem.

[47]  U.S. Trans Survey. https://ustranssurvey.org/

[48]  Sarah M. Thornton, S. M.; Edalatpour, A.; Gast, K. M. (2024). A systematic review of patient regret after surgery- A common phenomenon in many specialties but rare within gender-affirmation surgery. DOI:https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2024.04.021

[49]  Lara, W.(2024). Prefeitura de SP copiou dados de prontuários de pacientes que fizeram aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/01/30/prefeitura-de-sp-copiou-dados-de-prontuarios-de-pacientes-que-fizeram-aborto-legal-no-hospital-vila-nova-cachoeirinha.ghtml

[50]  PL 5371/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2401578

[51]  PL 4979/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2395785

[52]  PL 5776/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2408179

[53]  PL 5672/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2406249

[54]  PL 4885/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2394488

[55]  PL 4546/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2388752

[56]  PL 4235/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2384569

[57]  PL 3022/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2368686

[58]  PL 3091/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2369439

[59]  PL 1601/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2354859

[60]  Dia da Visibilidade Trans: a educação pode superar a transfobia (2022). CPERS. Disponível em: https://cpers.com.br/dia-da-visibilidade-trans-a-educacao-pode-superar-a-transfobia/

[61]  Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017 (2018). ANTRA.

[62]  PL 5275/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2400132

[63]  PL 5769/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2407974

[64]  PL 4323/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2385917

[65]  PL 5669/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2406231

[66]  PL 5360/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2401319

[67]  PL 5177/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2399301

[68]  PL 4789/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2392485

[69]  PL 5605/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2405104

[70]  PL 5679/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2406306

[71]  PL 2851/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2366169

[72] Baska, M (2023). Singapore: Autistic trans woman faces being sent back to institute ‘where she was raped’. PinkNews. Disponível em:

https://www.thepinknews.com/2023/07/14/singapore-lgbtq-queer-trans-asylum-attacks/

[73]  PL 3721/2023. Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2375550