'A subestimação do interior brasileiro' (Contribuição anônima)

A luta por uma segunda e definitiva independência, certamente, passará pela destruição do monopólio da terra e por um processo profundo de reforma agrária que possibilite superar os entraves que derivam deste contexto atrasado de produção no campo.

'A subestimação do interior brasileiro' (Contribuição anônima)
Direito autoral da foto: Juliana Barbosa / MST no PR

Contribuição anônima para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Os problemas que envolvem a necessidade de reforma agrária determinam, em grande parte, nosso atraso enquanto nação que ainda se encontra como uma subdesenvolvida oprimida pelo imperialismo, sobretudo estadunidense. A luta por uma segunda e definitiva independência, certamente, passará pela destruição do monopólio da terra e por um processo profundo de reforma agrária que possibilite superar os entraves que derivam deste contexto atrasado de produção no campo.

Os problemas que envolvem a questão agrária são amplos e merecem atenção dos povos em luta em todo mundo que ainda estão na condição subdesenvolvida, uma dimensão desta questão é a América Latina, onde nos situamos, que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), quase a metade do campesinato latino-americano vive em condição de extrema pobreza, sendo que a maior parte destas pessoas recorrem à agricultura de subsistência como meio de permanecerem vivos.

Em meados de 2019, o Brasil tinha cerca de 11,8 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza na zona rural. Ironicamente, no ano seguinte, o agronegócio foi o único setor da produção brasileira que cresceu e ampliou sua importância na participação do PIB brasileiro e, ainda, indicando possibilidade de números ainda mais favoráveis em 2021. Setor esse que se aproveitou da subserviência do Estado brasileiro aos interesses estrangeiros e do estrangulamento cambial com a desvalorização do real para ganhar muito dinheiro vendendo sua produção em dólares para o comércio internacional, o que implicou, em alguma medida, no aumento dos preços de gênero alimentício e até em desabastecimento do mercado interno, encarecendo ainda mais a vida dos trabalhadores e trabalhadoras deste país. O cenário que deriva disso não poderia ser outro: segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), 19 milhões de brasileiros e brasileiras passaram fome em 2020.

No entanto, na antiga gestão do corrupto Bolsonaro, o compromisso firmado não foi com os interesses dos povos que vivem no campo brasileiro e, tampouco, com os interesses de soberania nacional como bem aponta o jornal online Brasil de Fato: “Nenhum latifúndio foi desapropriado durante a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), que paralisou a tramitação de 513 processos em andamento e abandonou mais de 187 processos autorizados pela Justiça para imissão de posse”. E, segundo a mesma fonte, da lista de territórios que tiveram famílias entrando ou permanecendo como homologadas, de acordo com os 1.133 projetos de homologação, somente 2 são de responsabilidade do governo federal.

Enquanto isso, a Comissão Pastoral da Terra registrou 2.054 conflitos ligados a questão da terra e 18 assassinatos de pessoas ligadas a luta pela terra e pela territorialidade no Brasil em 2020.

Evidentemente, o poder no campo se concentra nas mãos das agroindústrias do agronegócio e dos velhos latifundiários oligarcas, que se confundem entre si nessa “nova” configuração agrária brasileira. Dado o nível de escoamento e insumos na produção rural, alguns desavisados continuarão a questionar a validade da reforma agrária neste contexto, já que, aparentemente, a reforma agrária se reduz a distribuição das terras concentradas nas mãos de poucos entre o campesinato brasileiro.

No entanto, é fundamental para eliminação dessa hegemonia latifundiária no campo a transformação do padrão de distribuição de terras. Isso porque, fundamentalmente, a concentração da propriedade da terra tem caráter estrutural para dominação das oligarquias ruralistas. Esta absurda concentração da propriedade da terra que determina uma imensa maior parte da população rural não ter condições de sobrevivência fora da dominação dos senhores da terra.

Nesse sentido, as formas como se dão as relações de produção no campo e para quais fins, determinam os rumos do desenvolvimento nacional. A produção agrícola que não se relaciona com os interesses nacionais e as necessidades do povo, tampouco, terão condições de defender o direito de desenvolvimento soberano frente às tentativas de dominação imperialista. A questão não se limita, exatamente, a capacidade produtiva, mas sua finalidade e seu papel no desenvolvimento nacional e no atendimento das demandas populares.

Este contexto entravou e entrava o desenvolvimento das forças produtivas no campo, bem como destina o campesinato brasileiro a uma situação de miséria e dependência econômica. Para que esse entrave desapareça é fundamental destruir com a base da dominação das oligarquias rurais: a concentração da propriedade da terra. Ou seja, somente a partir da distribuição das terras para quem nela trabalha é que superaremos os limites que enfrentamos para desenvolver nossas forças produtivas para o atendimento das necessidades do povo e para garantir nossa soberania nacional.

A reforma agrária, em resumo, é fundamental para transformarmos nossa realidade nacional, para desenvolver uma indústria compromissada com os interesses nacionais, de nossos povos e da classe trabalhadora, para usufruir da riqueza produzida para constante melhora da vida do proletariado e do campesinato e etc. Por isso, os comunistas defendem e defenderão enquanto for necessária uma reforma agrária para o campesinato pobre e médio. Contra o latifúndio e em defesa dos direitos dos quilombolas e indígenas.

Os 101 anos de existência do Partido Comunista ensinam que a pouca atenção dada ao trabalho entre os camponeses foi uma das mais sérias falhas da luta dos comunistas. Ainda que estes tenham definido o caráter da revolução há muitos anos como anti-imperialista e levantando continuamente a bandeira da reforma agrária, não se voltaram, durante um longo período, para o campo. Mesmo no auge revolucionário de 1935 não houve uma maior atividade partidária entre os camponeses.

Inúmeras vezes o Partido proclamou em seus documentos a importância da aliança operário-camponesa como base da união entre as forças revolucionárias e patrióticas. Pouco realizou, no entanto, neste terreno. Na prática, sempre que cuidou da frente, a aliança do proletariado se deu mais com a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional. Este fato ocorreu devido à subestimação do aliado fundamental do proletariado, o que não permitia levar o Partido e a revolução para seu verdadeiro leito. As concepções sobre a revolução correntes no Partido só viam as possibilidades de luta armada nas grandes cidades, através de insurreições urbanas ou levantes de quartel. Não relacionavam a luta armada com o campo, onde existem condições para desenvolver com êxito esta luta.

A experiência de meio século revela que o campo é o problema chave da revolução. Os movimentos progressistas e revolucionários nas cidades não lograram êxito nem tiveram maior consequência porque não contavam com um combativo movimento camponês. O campo permaneceu atrasado em relação às cidades no que se refere ao nível de consciência, de luta e organização. Por isso não teve participação de maior vulto nas grandes ações políticas que se desenvolveram no país. Para alcançar a vitória, a revolução tem que contar com o apoio e a ação do campesinato.

Somente na década de 1950 o Partido fez tentativas de se voltar para o campo. Enviou ativistas a regiões de maior tensão social, particular para zonas de posseiros. Com a participação do Partido, surgiram lutas em Porecatu (Paraná), Formoso (Goiás), interior de São Paulo e Triângulo Mineiro. Estas lutas tiveram cunho radical e mostraram as imensas possibilidades para impulsionar o movimento revolucionário no campo. O Partido, porém, não deu continuidade a este trabalho nem procurou generalizar a experiência. A partir de 1956, sob a influência do revisionismo, a atividade dos comunistas no campo foi totalmente abandonada. Inclusive foi retirada a palavra de ordem de reforma agrária radical.

Os dissidentes do V Congresso do PCB decidiram situar o centro de gravidade de seu trabalho no interior, partindo da ideia de que o movimento camponês é a principal base de massas da revolução e de que a aliança operário-camponesa é condição fundamental para assegurar a hegemonia da classe operária. Com o documento da Comissão Executiva de Agosto de 1964, passou-se a dar maior atenção ao problema camponês, destacou-o na VI Conferência e baseou sua concepção de luta armada tendo o interior como seu principal cenário.

É perfeitamente viável incorporar o campo à revolução. Os camponeses, que constituem grande parte da população brasileira, desejam a liquidação do latifúndio. O monopólio da terra se estende a vastas áreas do território nacional, ao passo que a esmagadora maioria dos que vivem no campo não possui terra, paga a meia e a terça ou trabalha em áreas devolutas nas regiões insalubres e bastante longínquas. No Nordeste se repete, frequentemente, o fenômeno da seca que flagela milhões de camponeses entregues à própria sorte. Levas e levas de trabalhadores, impelidos pela fome, abandonam seus lugares e emigram para a cidade onde não acham abrigo nem trabalho. Encontram-se no campo as massas mais pobres e oprimidas do país, desprovidas de tudo. São vítimas de arbitrariedades de todo tipo, não gozam de nenhum direito. O interior está abandonado e seu atraso é secular. Existe no campo, assim, imenso potencial revolucionário. Os camponeses estão profundamente interessados na derrubada do atual regime e na instauração de um governo realmente popular capaz de realizar profunda reforma agrária e de acabar com a difícil situação em que vivem.

A fim de despertar e mobilizar os camponeses é preciso ir ao campo, trabalhar e viver com as massas camponesas. É a única maneira de poder conhecer os problemas da população rural, interpreta-los corretamente e formular palavras de ordem de luta. Não se consegue desenvolver o trabalho no campo procurando dirigi-lo das cidades. Num país como o Brasil, de grande extensão e com acentuado desenvolvimento desigual, é muito variada a situação das diferentes regiões e distintas também as reivindicações imediatas das massas, embora haja reivindicações gerais comuns. Transferindo-se para o campo, os comunistas conhecerão melhor a psicologia dos camponeses, verão que eles não estão conformados com a vida que levam e que suas menores reivindicações se transformam em choques, às vezes violentos, com os latifundiários, grileiros e a polícia. O homem do interior sente as injustiças. Está disposto a se rebelar desde que encontre uma direção justa e um apoio firme, direção e apoio que só o proletariado e seu partido podem assegurar.