'A sobrecarga dos Profissionais de Educação e a falta de preparo da rede básica na educação inclusiva' (Leo Ferreira)

De que adianta serem feitos cartazes coloridos e chamativos para comemorar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência se nos outros 364 dias do ano tratamos as mesmas pessoas como alienígenas incapazes de responderem por si mesmos?

'A sobrecarga dos Profissionais de Educação e a falta de preparo da rede básica na educação inclusiva' (Leo Ferreira)
FONTE: Correio Brasiliense, 2019. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_educacaobasica/2018/03/14/interna-educacaobasica-2019,665997/lotacao-maxima-nas-salas.shtml>

Por Leo Ferreira para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, eu atuo como Educador Social Voluntário (ESV) na periferia do Distrito Federal desde 2021 (período de retorno escolar semipresencial durante a pandemia da COVID-19) até o momento em que escrevo esta tribuna, e venho aqui falar sobre a precarização do ensino básico, principalmente quando se trata da integração de estudantes PcD (Pessoa com Deficiência) e ENEs (Estudantes com Necessidades Especiais), nas classes inclusivas.

Apesar de atuar como ESV, sou formado em licenciatura em Artes Visuais pela Universidade de Brasília e tenho me interessado bastante em temas de educação inclusiva. Com esta experiência pude observar que, por mais que os professores de licenciatura do curso de Artes Visuais tenham sido bons professores (alguns excelentes inclusive), quando se trata de experiências dentro das salas de aula das redes de ensino básico, os cursos de licenciatura deixam muito a desejar. É somente pelas disciplinas de Estágio supervisionado (separadas em 3 disciplinas) que os estudantes universitários têm a oportunidade de vivenciar o ambiente escolar. Se este ponto somente já não fosse um dos problemas da falta de preparo dos futuros professores do Distrito Federal, a observação é enviesada, pois os profissionais tendem a escolher dias e horários “melhores” para os estagiários observarem as turmas, que geralmente são as mais calmas e/ou mais engajadas com a dinâmica do professor regente.

E quanto aos estudantes PcDs e ENEs? Existem disciplinas obrigatórias que preparem os professores a se adaptar a estes estudantes? Sim e não. Embora tenha uma disciplina própria que nos fale brevemente sobre educação inclusiva ela, geralmente, para por aí mesmo, mostrando apenas que ela existe, com pouco aprofundamento e discussão rasa sobre um ou dois textos referente ao tema, não saindo do campo das ideias.

A única experiência que tive com educação inclusiva enquanto estava na graduação foi quando comecei a trabalhar como Educador Social em 2021, faltando quase 1 ano para me formar e por vontade própria.

Mas o que um Educador Social Voluntário faz? Qual a diferença de um ESV para um Monitor Escolar? O Monitor Escolar é um(a) profissional formado(a) e concursado(a) para auxiliar estudantes PcDs e ENEs a participarem das atividades escolares de forma inclusiva, junto das Salas de Recursos, levantando problemas e melhorias que possam ser resolvidas para que nenhum estudante seja prejudicado ou segregado por falta de acessibilidade dentro do ambiente escolar.

Já o Educador Social Voluntário é um membro da comunidade que se voluntaria, no início do ano letivo, para acompanhar um estudante ou turma específico que necessita de um acompanhamento maior dentro da escola, para não sobrecarregar o(s) Monitor(es) e professores de determinada rede de ensino. Porém, o que o governo de Brasília fez e ainda faz, nesses últimos 5 anos de governo Ibaneis, é enrolar em criar um novo concurso de Monitores, convocando os aprovados do concurso de 2016 na metade do ano de 2023 (ou seja, praticamente ontem), e no lugar de convocá-los antes decidiu focar na chamada de ESVs que, geralmente, cuidam de 3 a 4 estudantes PcDs e/ou ENEs ao mesmo tempo recebendo apenas ajuda de custo (40 reais por dia), já que é mais barato chamar 4 educadores do que contratar um monitor concursado para o mesmo serviço.

O que antes já era ruim foi ficando cada vez pior

Não é surpresa que o neoliberalismo vem desmontando a educação brasileira, e que esse fato que se mostra de forma acelerada desde os governos Temer/Bolsonaro.

No que se refere aos Serviços de Apoio aos Estudantes com Necessidades Especiais e Dificuldades de Aprendizagem, faltam pedagogos e psicólogos nas escolas, os ESVs são insuficientes para a quantidade de estudantes por turma, as Salas de Recursos são precarizadas, falta preparo e materiais de apoio para professores, além da falta de escolas, que  faz com que as salas sejam superlotadas, dificultando o atendimento de qualidade, não só aos estudantes PcDs, mas principalmente a eles. Também falta apoio às famílias, que não conseguem suporte e atendimento na rede pública de saúde para auxiliar ou dar continuidade no tratamento dos filhos.  Essa é a realidade dos estudantes PcDs nas redes pública e privada do Distrito Federal.

Para o ano letivo de 2024 existe uma proposta do GDF, de colocar professores temporários também nas SALAS DE RECURSO. Precisamos observar como isso será feito, se estes candidatos têm formação, preparo prévio e perfil para atuar nesses espaços.

Quanto aos aprovados do concurso efetivo SEEDF (realizado em dezembro de 2022), até o dia em que escrevo esta tribuna, não foram chamados. E ainda será realizado novo concurso em novembro de 2023 para temporários, São mais de 13 mil professores temporários na SEEDF, à espera do milagre de, finalmente, serem convocados por livre e espontânea vontade do governo do DF a atuar como efetivos, que convenhamos que não irá acontecer sem pressão das escolas e dos sindicatos educacionais.

Como se estes pontos já não fossem graves o suficiente, o aumento de atividades EAD nas universidades (em decorrência da pandemia da COVID-19) formaram profissionais com menos vivência escolar do que aqueles que se graduaram antes de 2020, já que, por conta da pandemia de COVID, ficamos impossibilitados de observar estudantes em sala de aula.

Diante de tudo o que pude observar e vivenciar nestes 3 anos de convivência com estudantes e professores em sala de aula, tenho pensado em Por que não juntar a ausência dos ESVs com os estudantes de licenciatura? A ideia da licenciatura não é formar futuros professores da rede básica? Os professores não têm de lidar com estudantes PcD dentro de sala de aula? O capacitismo em nossa sociedade é tão sistematizado que na formação dos docentes a Educação Especial é posta de lado no currículo universitário e da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), em que na teoria eles existem, mas na prática ela não está efetivamente presente na educação brasileira.

De que adianta serem feitos cartazes coloridos e chamativos para comemorar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência se nos outros 364 dias do ano tratamos as mesmas pessoas como alienígenas incapazes de responderem por si mesmos?

O papel do ESV, dos Monitores Escolares, e da sala de recursos deveria ser o de lutar pelo respeito que tais estudantes merecem, desenvolver a autoestima e auxiliar seu desenvolvimento como participantes ativos e coletivos da sociedade. Mas, para que isso ocorra, antes, devemos lutar para que a atuação como ESV seja incluída nos currículos obrigatórios de qualquer licenciatura (além das vagas para a comunidade) pois, por experiência própria, atuando como Educador Social eu aprendi mais a adaptar e incluir os estudantes PcD do que com os textos academicistas passados nos meus 6 anos de universidade.