Genocídio yanomami prossegue com inação das forças de segurança

A guerra declarada ao garimpo ilegal empilha derrotas durante Governo Lula III. Sem recursos, o Ministério dos Povos Indígenas é incapaz de extirpar o garimpo no território Yanomami, onde a atividade econômica ilegal cresceu 7%.

Genocídio yanomami prossegue com inação das forças de segurança
Foram registradas 308 mortes de indígenas na região durante o ano de 2023. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

A guerra declarada ao garimpo ilegal empilha derrotas durante Governo Lula III. Sem recursos, o Ministério dos Povos Indígenas tem seu orçamento amarrado a custos de manutenção e somente R$ 39,7 milhões para a gestão de políticas para Povos Indígenas. Pela incapacidade do órgão de extirpar o garimpo no território Yanomami, em Roraima, a atividade econômica ilegal cresceu 7%. Como consequência direta, foram registradas 308 mortes de indígenas na região durante o ano de 2023.

Os dados foram divulgados pela Hutukara Associação Yanomami neste mês de janeiro. Segundo o relatório, 63 óbitos foram por doenças infecciosas e parasitas e 66 advindas de doenças respiratórias. Pelo menos sete indígenas morreram por armas de fogo, em confronto com garimpeiros.

Em janeiro de 2023, o presidente fez declaração apontando a crise no Território Indígena (TI) enquanto uma questão de Estado, quando anunciou estado de Emergência em Saúde Púbica de Importância Nacional (ESPIN). Os resultados demonstram que, sem orçamento público, a mera repercussão política é letra-morta.

Como afirma o relatório da associação, "houve também importantes falhas na execução das ações de saúde, como o baixo investimento nas infraestruturas de saúde no território, o déficit de recursos humanos, e equívocos de planejamento".

Nem o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), tampouco a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), detém barcos, aviões, helicópteros, armamento ou efetivo para cumprir a tarefa de retirar os garimpeiros fortemente armados instalados na região.

Foi criada uma Força Tarefa do governo federal composta, além dos órgãos já citados, pela Polícia Federal, Força Nacional e Forças Armadas. A postura negligente das forças de segurança é um fator importante na crise humanitária, já que são os responsáveis pela segurança e o próprio acesso das equipes do Ministério da Saúde, do Ibama e da Funai no território.

Em 2023, a Funai declarou que solicitou às Forças Armadas a manutenção de 46 pistas de pouso dentro do território Yanomami, o que foi negado sob justificativa de ser trabalho de outra jurisdição.

Novo teto de gastos

A restrição orçamentária que impede o combate à destruição das condições de vida do povo Yanomami tem relação direta com o Arcabouço Fiscal do governo Lula. A medida é uma expressão da luta de classes no conflito distributivo do orçamento público, pressionando que, sem verba, o Estado tenha cada vez menos capacidade de se tornar agente econômico e social do país, relegando os rumos da produção da vida social às iniciativas público-privadas, eufemismo moderno da privatização. 

Lula teve como um dos carros-chefe no início do seu mandato a PEC da Transição que, dentre outros órgãos públicos, liberou R$ 16,6 bilhões para a saúde. Com isto, o governo pôde contribuir com o desaceleramento das mortes de Yanomami e vislumbrar medidas de enfrentamento à atividade desenfreada do garimpo em Roraima.

Isso, porém, está muito aquém do necessário para garantir a segurança e a vida destes povos. Para além da PEC, foi aprovado o orçamento de R$168 bilhões para a saúde em 2023, o que significou um corte referente ao ano anterior.

A falta de orçamento coloca em xeque a sobrevivência dos povos Yanomami. A comunidade é a TI demarcada mais externa do país, próximo à fronteira com a Venezuela, e sofre com a ascendência do garimpo na região amazônica, sobretudo a partir da crise do capitalismo de 2008, que causou um aumento vertiginoso do preço do ouro, mineral buscado na região.

Interesses dos monopólios

A exploração ilegal está diretamente relacionada com o papel que o Brasil tem retomado na divisão internacional do trabalho, como predominantemente exportador de commodities. Além do conhecido garimpo de ouro, um dos principais metais explorados pelos garimpeiros é a cassiterita. O metal é fundamental na composição da tela de celulares. Em 2021, a Polícia Federal anunciou que a cassiterita era processada e adquirida por grandes multinacionais, incluindo empresas de tecnologia de renome internacional.

Genocídio

Segundo a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a expansão do garimpo ilegal em territórios demarcados no país chegou ao espantoso ritmo de 7,8% por ano na última década, que afeta ainda os Kayapó e os Mundurukus.

O avanço da atividade sobre a terra reduz a capacidade de plantio e cultivo e o mercúrio utilizado na extração de ouro contamina os rios e reduz a quantidade dos peixes, causando fome e desnutrição. A expansão do garimpo ilegal gera um aumento da transmissão de doenças infectocontagiosas, como a malária. Durante a pandemia, o garimpo foi o maior vetor de COVID-19 para povos indígenas.

Nem sequer os medicamentos destinados aos Yanomami estão chegando em sua totalidade àqueles que deveriam. Medicamentos das Unidades de Saúde da Família tem sido vendidos ilegalmente para garimpeiros. Recentemente, a Fiocruz recebeu uma denúncia e reconheceu um lote de medicações para tratamento da malária destinadas aos indígenas Yanomamis em posse de garimpeiros.

Para além da subida na rampa

O governo Lula III, aberto com uma simbólica solenidade marcada pela subida da rampa da Esplanada com representantes dos povos indígenas e da classe trabalhadora, demonstra contraditoriamente que o enfrentamento ao garimpo ilegal na Amazônia não é uma prioridade governamental.

Se as Forças Armadas boicotam parte do trabalho e se recusam a abrir caminhos pelos quais o novo Ministério dos Povos Indígenas possa atuar em conjunto com o Ministério da Saúde e a Funai, o Partido Fardado dá clara manifestação de poder frente a qualquer imposição que desencontre seus interesses nas regiões que deveria defender.  

Com a aprovação do Marco Temporal e a lentidão na demarcação das terras dos povos originários, o extrativismo predatório ganha ainda mais espaço para atuação.  Com a continuidade das medidas neoliberais do governo Lula III e as tentativas constantes de preservação das relações amistosas com parte das cúpulas golpistas das forças armadas, estão minadas as possibilidades de uma intervenção decisiva do estado na garantia dos direitos dos povos indígenas brasileiros, sua autodeterminação e sobrevivência.