'A revolução será trabalhadora e armada: sintetizando tribunas e socializando experiências' (Vinicius Ferreira)
Camaradas, nenhuma revolução do século XX triunfou sem adesão de parte significativa das forças armadas regulares, sobretudo em suas camadas mais proletarizadas.
Por Vinicius Ferreira para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, redijo essa minha primeira tribuna com o intuito de estender o debate inaugurado pelas tribunas dos camaradas Filipe Bezerra e C. Fernandes acerca das possibilidades de mediação tática do partido com a classe trabalhadora organizada em instituições religiosas. Em seguida, disserto sobre a necessidade de estabelecer uma política partidária nacional para organizar militarmente os trabalhadores brasileiros.
Em primeiro lugar, gostaria de aprofundar as críticas desenvolvidas pelo camarada C. Fernandes à tribuna intitulada “a revolução será evangélica, ou não será”. Para mim ficou clara, ao ler seu conteúdo, a desconexão profunda dessa tribuna com um debate marxista-leninista de alto nível sobre setores estratégicos e agitação e propaganda (a não ser que nossas mediações táticas não precisem ser orientadas pela estratégia da revolução socialista). O que eu quero dizer é que, para além da deformação no materialismo histórico como instrumento científico para conceber e incidir sobre a realidade, observada nas argumentações dessa tribuna na qual o camarada que a redigiu chegou a reivindicar a necessidade de nós comunistas lermos a bíblia (inclusive já a li por ter sido criado no catolicismo) para melhorar nossa intervenção junto aos trabalhadores evangélicos (ignorando a premissa marxista-leninista de que nossa intervenção junto ao proletariado será tanto melhor quanto mais conectada estiver aos seus “problemas concretos da vida concreta”), devemos nos provocar: a “apropriação crítica” dessa religiosidade professada por trabalhadores nos conduzirá à qual formulação teórica e à qual capacidade política para mobilizar vitórias econômicas e militares (no sentido político, concebido por Gramsci em seu conceito de “guerra de posição”) do proletariado contra a burguesia e seu Estado? Ora, se evangélicos são em sua maioria trabalhadores em condições de paralisar a produção, que lhes organizemos por seus locais de trabalho, não? Além disso, nem sequer são maioria entre os cristãos no Brasil. Me surpreende o camarada da referida tribuna expor uma tabela sobre a composição religiosa da classe trabalhadora brasileira e, ao observar os dados que documentam que a classe trabalhadora segue sendo majoritariamente católica no Brasil (largamente superior ainda ao número de evangélicos), ainda assim insistir numa eventual primazia tática do segmento evangélico.
Nesse sentido, gostaria de lamentar profundamente a escassez quase desértica da questão militar no acervo das tribunas redigidas até aqui. Com a exceção de duas delas (uma delas redigida pelo meu camarada de célula Leandro Magacho), quando digitei a palavra “Militar” na caixa de pesquisa do site para extrair acúmulos a fim de avançar no debate, identifiquei uma imensa lacuna que certamente nos custará caro ao futuro da classe trabalhadora se assim permanecer. Apresento essa crítica à toda nossa organização porque, em certa medida, revela não só a falta de iniciativa para desenvolver uma apropriação teórica sobre a questão militar sob o prisma do marxismo-leninismo, mas ainda mais grave, expõe como boa parte de nossa militância me parece estar indiferente ou inclinada a excluir o setor das forças armadas da categoria de setores estratégicos e táticos.
Camaradas, nenhuma revolução do século XX triunfou sem adesão de parte significativa das forças armadas regulares, sobretudo em suas camadas mais proletarizadas. Não me aterei aos exemplos da Rússia Soviética, Coreia Popular, Vietnã, etc. simplesmente para reforçar essa afirmação. Pretendo ir direto ao ponto. O ponto é quem sem acesso direto a uma abundante quantidade de armas, equipamentos e transportes militares no momento de mais efervescência da luta de classes, ou nós nos limitaremos a perpetuação de greves fragmentadas (posto que se depreenderá desse cenário a falta de poder concreto para mudar a correlação de forças, ficando cada local sujeito às suas próprias dinâmicas policialescas e jurídicas de repressão e dissuasão) ou embarcaremos em uma ação direta inconsequente e viraremos objeto de mais um capítulo de massacre sanguinolento praticado contra os trabalhadores nos livros de história.
Em síntese, quero concluir essa tribuna socializando experiências de um trabalho político desenvolvido pela militância de Taubaté-SP (da qual faço parte) e projetando alguns direcionamentos embrionários para a construção de uma política nacional voltada às forças armadas. Na célula de Taubaté, ajudamos a coordenar e a construir política e ideologicamente o cursinho popular pré-vestibular Centelha, voltado à jovens estudantes trabalhadores que almejam ingressar na universidade. Na condição de coordenador e professor do cursinho, um dia desses recebi uma aluna já ideologicamente consciente que me confessou: “professor, quero entrar para o Exército”. Confesso que não soube como lhe fornecer uma resposta responsável, e na falta de uma, proferi meu singelo: “tem certeza?” Essa curta interlocução entre nós dois ressoou em minha cabeça por semanas e sem dúvidas foi um dos motivos que me fez escrever essa tribuna. Me pus dessa maneira a ler a contribuição do camarada Leandro Magacho em sua tribuna “A questão militar: o partido comunista e o exército”. Nela, me chamou a atenção a exposição que o camarada faz das diversas correntes ideológicas que coexistiram ao longo do século XX no interior do exército brasileiro. Entretanto, ressalto que talvez tenha faltado ao camarada (para atualizar a análise sobre nossas forças armadas) se debruçar como as correntes mais inclinados ao marxismo e ao nacionalismo anti-ianque foram sumariamente expurgadas do exército brasileiro a partir da década de 1960. Essa constatação é de extrema relevância. Pois se hoje há uma hegemonia ideológica monopolizada pelas correntes de extrema-direita e liberal do alto e médio oficialato das forças armadas, a proposta concebida pelo camarada Leandro de inserção nossa nas camadas subalternas das forças armadas através exclusivamente da agitação comunista de fora para dentro das forças certamente terá dificuldades hercúlias para desencadear dissensos internos e insurreições entre os praças. Todo processo de convencimento político por meio da propaganda e agitação é essencialmente um processo pedagógico e a pedagogia, conforme concebeu Gramsci em seus cadernos 12, 13 e 14, é um processo integral e de correspondência: em outras palavras, o que se aprende dentro dos muros da escola, deve se conectar com a vida fora dela; da mesma forma, o conteúdo político que se consome fora do ambiente profissional deve se expressar de alguma maneira dentro dele. Para um operário sindicalizado, tal correspondência parece ser evidente. Mas e para um soldado cuja formação política dentro do exército é permanente e profundamente reacionária, bastarão algumas palavras de ordem contidas em um panfleto ou proferidas em um megafone contra as desigualdades hierárquicas dentro do exército e denunciando a subserviência ao imperialismo? Desconfio. Dito isso, volto à indagação da minha aluna do cursinho e encerro com duas proposições reflexivas: e se nós, que passamos tanto tempo despendendo energias e recursos para organizar a juventude quase que exclusivamente em movimentos estudantis secundaristas e universitários, considerados não-estratégicos imediatamente em si e potencialmente em relação as categorias profissionais que parte expressiva desses estudantes eventualmente ocuparão (advogados, médicos, professores, etc.) não começássemos a pensar seriamente na fundação de cursinhos populares pré-militares em regiões que possuem essa demanda, a fim de desenvolver uma formação coletiva e por isso mesmo ideologicamente unificada de futuros oficiais intermediários que arranharão a opressora unidade ideológica golpista de extrema-direita que hoje dirige as forças armadas ao lado de liberais, e que irão nos fornecer precioso acesso à informações logísticas de dentro do exército brasileiro? E se formulássemos uma orientação nacional para determinar que, por exemplo, pelo menos 1/3 dos militantes professores do partido, se inscrevam para lecionar em escolas do exército brasileiro em cada processo seletivo ou concurso aberto daqui para frente? Camaradas, obviamente não pretendo esgotar as proposições de como o partido deve abordar esse tema nessa única tribuna, mas fato é que uma revolução depende do nível de organização da classe trabalhadora em seus setores estratégicos dirigidos por seu partido revolucionário de vanguarda, bem como da capacidade de acessar e mobilizar muita pólvora e munição de grosso calibre (que certamente não virão das facções criminosas).