'A Revolução Democrático Popular de Novo Tipo' (Camarada Serra)

O Brasil realizou, em 1822 e 1888, respectivamente, a transição da economia colonial para a economia semicolonial e, depois, para a economia dependente e semicolonial. A realidade contradiz, pois, o erro das concepções subjetivistas de Prestes expostas em sua autocrítica.

'A Revolução Democrático Popular de Novo Tipo' (Camarada Serra)
"Prestes não percebia que o tipo de capitalismo que se desenvolvia no Brasil era justamente o capitalismo burocrático. No Brasil, o capitalismo não se desenvolveu de uma Revolução democrático-burguesa liderada pela burguesia que liquidou o regime de produção semicolonial, ou por meio de uma via reformista do desenvolvimento capitalista. Ao contrário, o capitalismo se desenvolve em nosso país como fruto da expansão imperialista aos países atrasados, que expande as indispensáveis relações capitalistas de produção necessárias para manter a dominação imperialista sobre o conjunto da nação brasileira."

Por Camarada Serra para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

É importante que reconheçamos o papel valoroso de Luiz Carlos Prestes ao apresentar, em 1980, a sua famosa “Carta aos Comunistas”, documento onde ele expõe os motivos que levaram a sua ruptura com o Partido Comunista Brasileiro, na época já apodrecido até a medula. Prestes, de maneira corajosa e honesta, reconhece que foi o principal responsável pela liquidação do Partido Comunista Brasileiro pelo revisionismo e o oportunismo. Critica as posições oportunistas e revisionistas do PCB, que, segundo ele, se manifestavam na forma de “[...] passividade, falta de inciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje. [...]” Prossegue ainda:

“Sem me propor, nesta carta, a analisar as causas profundas que determinaram a situação a que chegou o movimento comunista em nossa Terra, considero, no entanto, necessário tornar claros os meus pontos de vista sobre algumas questões fundamentais, de forma que os companheiros e amigos possam julgar sobre sua justeza. Ao mesmo tempo, quero deixar claro que não me eximo de minha parcela de responsabilidade e me considero o principal responsável pelos erros e deformações existentes no PCB. Minha atitude não é de fugir à necessária autocrítica – em palavras e na prática —, mas, ao contrário, de tomar a iniciativa de torná-la pública, procurando, assim, contribuir para o avanço da luta pelos ideais socialistas em nosso País e para a reorganização do movimento comunista do Partido Comunista.”

Tal foi a postura correta de um revolucionário que agiu de maneira franca, reconhecendo seus erros mesmo após décadas mantendo uma prática oportunista. Eis a maneira como devemos analisar a figura de Prestes.

Na autocrítica considerada como um todo, porém, seus erros e limitações devem ser postos num plano primário em relação a seus méritos em denunciar o oportunismo do Partido Comunista Brasileiro. Se tomarmos como autocrítica o balanço crítico do revolucionário de sua atitude e retificação dos erros passados para o avanço a uma prática qualitativamente superior, chegamos a concluir que o conjunto da autocrítica de Prestes passou de prestar seu correto papel de forma equivocada. Num dos mais importantes documentos que compôs todo o seu processo de autocrítica durante os anos 80, “Aprender com os erros do passado para construir um Partido novo, efetivamente revolucionário”, Prestes erra em explicar o porquê da degeneração do PCB pelo revisionismo. Ao contrário do problema da questão ideológica e da enorme influência que o reformismo sempre exerceu no Partido, Prestes atribui à III Internacional e à linha da Revolução democrática-nacional, agrária e anti-imperialista a responsabilidade pelos fracassos, cometendo o erro de caracterizar o Brasil, já no final do século XIX, como um país capitalista desenvolvido. Eis um ponto nos quais teremos que nos deter mais profundamente, a fim de evitar determinadas confusões que possam advir de tais escritos. Vejamos:

Onde estão, porém, as raízes dos erros cometidos? [...] Olvidando que nosso país conquistara a independência política no princípio do século XIX e que no fim do século surgira a burguesia industrial, já na época do imperialismo e, por isso, já nascida como uma burguesia dependente e associada do imperialismo, negávamos já em pleno século XX que a formação econômico-social no Brasil fosse a capitalista, embora desde o início marcada como dependente, mas de qualquer forma capitalista. Víamos o Brasil como um pais semicolonial e chegamos a afirmar que dependia da eliminação da dominação imperialista e da liquidação do latifúndio o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta falsa apreciação nos levou, ainda em 1945, a definir o caráter da revolução brasileira como democrática-burguesa, transpondo ao nosso Partido aquilo que Lenin, com acerto, afirmava para as condições da Rússia czarista de 1905. Negando o caráter capitalista da economia brasileira, aplicávamos mecanicamente e esquematicamente, em nosso país, as teses para os países coloniais e semicoloniais aprovadas pelo VI Congresso da Internacional Comunista”.

As palavras ditas por Prestes são confusas para qualquer um familiarizado com as experiências da prática revolucionária do proletariado ao longo do século XX, principalmente quando nos referimos à prática do proletariado das semicolônias! Diz-se que o “grande erro” dos comunistas brasileiros do século passado foi ter considerado o Brasil como uma semicolônia e de ter aplicado “mecanicamente” as teses do VI Congresso da III Internacional para as semicolônias, que as teses sobre uma Revolução “democrático-burguesa” para desenvolver um “capitalismo autônomo” foram corretas para a realidade da Rússia (?!) e que, com efeito, essas eram as orientações dadas pela III Internacional aos comunistas brasileiros e que foram por eles devidamente aplicadas. Nada mais longe da verdade.

Qual era, pois, a situação da economia brasileira a fins do século XIX e início do século XX? Dados disponibilizados pelo historiador soviético Boris Koval, em seu História do Proletariado Brasileiro de 1857-1967, dão conta de esclarecer que, em 1887, um ano antes da “abolição”[1], de 1/3 à metade da força de trabalho brasileira era ainda composta por escravos, sendo o restante composto por camponeses. O proletariado, no sentido moderno do termo (o operário livre, despojado de meios de produção, que vende sua força de trabalho ao capitalista em troca de salário), praticamente não existia, sendo o “proletariado”, na verdade, ainda um trabalhador artesanal ou semi-artesanal que produzia para a venda, esta que por sua vez garantia suas condições de existência. O censo de 1920 mostrava que o proletariado brasileiro (mesmo após a grande expansão das relações capitalistas de produção durante os anos da Primeira Guerra Mundial, em que as potências capitalistas realizaram menos investimentos no Brasil, permitindo assim que o proletariado nativo tivesse um maior desenvolvimento), apesar de sua grande combatividade mostrada durante as greves de 1917, seguia sendo uma camada ainda pequena da sociedade, composta por 297 mil indivíduos. Deste contingente, contudo, 83,6 mil não eram proletários de fato, estando ainda inseridos na forma artesanal de produção. 18,1 mil eram considerados “operários das usinas de açúcar”, não sendo, a rigor, proletários, pois a esmagadora maioria destes era ainda composta por camponeses que faziam trabalhos sazonais nas grandes plantações latifundiárias ou por “foreiros”, “moradores”, “camaradas” e demais tipos de trabalhadores inseridos em formas de exploração. Fazendo tais ressalvas, o contingente do proletariado moderno, de fato, caia para somente 196 mil indivíduos, em uma população estimada em cerca de 30 milhões de pessoas. As indústrias de bens de capital, metalúrgicas, de engenharia, etc. não tinham um papel relevante na indústria do Brasil. Ao contrário, os ramos da indústria de setor primário do período inicial do desenvolvimento do capitalismo – têxtil, alimentícia e extrativista – eram responsáveis por 89,3% do valor da produção industrial, ao passo que à indústria moderna de setor secundário cabia somente 10,7% daquele valor.

Ainda que a escravidão tenha sido abolida em 1888, o Brasil não havia atingido as condições necessárias para o desenvolvimento de uma economia desenvolvida[2]. Após 322 anos de exploração colonial e quase um século de exploração semicolonial, que prossegue até os dias de hoje, não sobraram para o país sequer migalhas do saque ao qual foi submetido. Quando as condições objetivas impossibilitavam o surgimento de uma economia de tipo capitalista desenvolvido, o Brasil realizou, em 1822 e 1888, respectivamente, a transição da economia colonial para a economia semicolonial e, depois, para a economia dependente e semicolonial. A realidade contradiz, pois, o erro das concepções subjetivistas de Prestes expostas em sua autocrítica.

Prestes não percebia que o tipo de capitalismo que se desenvolvia no Brasil era justamente o capitalismo burocrático. No Brasil, o capitalismo não se desenvolveu de uma Revolução democrático-burguesa liderada pela burguesia que liquidou o regime de produção semicolonial, ou por meio de uma via reformista do desenvolvimento capitalista. Ao contrário, o capitalismo se desenvolve em nosso país como fruto da expansão imperialista aos países atrasados, que expande as indispensáveis relações capitalistas de produção necessárias para manter a dominação imperialista sobre o conjunto da nação brasileira. O capitalismo não se desenvolve aqui, em oposição ao colonialismo ou à dominação estrangeira (como se deu historicamente em países como Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Estados Unidos, etc.), mas de maneira fortemente atada aos mesmos. Sobre isso, diz o relatório da III Internacional sobre o movimento revolucionário nas semicolônias:

“Onde quer que o imperialismo necessite de apoio social nas colônias, ele se alia primeiramente com a camada dominante da estrutura social retrógrada, como os senhores feudais e a burguesia comercial, contra a maioria do povo. Em todos os locais, o imperialismo procura preservar e perpetuar todas as formas pré-capitalistas de exploração (especialmente no campo), onde servem de base para a existência dos aliados reacionários. O aumento da fome e das epidemias, particularmente entre o campesinato pauperizado; a expropriação em massa das terras da população nativa, as condições desumanas de trabalho (nas plantações e nas minas dos capitalistas, e assim por diante), são muitas vezes ainda piores do que a escravidão aberta. Tudo isso mostra o efeito devastador entre a população colonial e frequentemente leva à ruína de nacionalidades inteiras. A “missão civilizatória” dos Estados imperialistas nas colônias é, na realidade, a de um carrasco.” [...] “Desde que, entretanto, a exploração colonial pressupõe o incentivo à produção colonial, isso é feito de maneira e em tal grau que corresponde aos interesses das metrópoles e, em particular, com os interesses da preservação de seu monopólio colonial. Uma parte do campesinato, por exemplo, pode converter seu cultivo de grãos em produção de algodão, açúcar, borracha (como no Sudão, Cuba ou Egito), mas isso é feito de uma forma que não só não promove o desenvolvimento econômico independente do país colonial, como, ao contrário, reforça sua dependência sobre a metrópole imperialista. A verdadeira industrialização do país colonial, em particular a construção de uma indústria de engenharia que promovesse o desenvolvimento independente das forças produtivas, não é incentivada, mas, ao contrário, é entravada pela metrópole.” [...] Por conta da intervenção imperialista (imposição de taxas, importação de produtos industriais das metrópoles, etc.), a transformação do campo pela economia mercantil e monetária é acompanhada pela pauperização do campesinato, pela destruição da indústria artesanal no campo, etc., processo que avança de maneira muito mais rápida do que no caso dos países capitalistas centrais. Por outro lado, o retardamento do desenvolvimento industrial impõe estreitos limites ao processo de proletarização. A enorme desproporção entre o alto grau de destruição das velhas formas de economia e o baixo grau de desenvolvimento das novas levou que países como China, Índia, Indonésia, Egito, etc., se tornassem terras de fome, de sobrepopulação agrária, especulação e extrema fragmentação da terra cultivada pelo campesinato. As deploráveis tentativas de se introduzir reformas agrárias sem causar danos ao regime colonial são facilitadas pela conversão gradual de latifundiários semifeudais em latifundiários capitalistas, que em certos casos cria um estrato limitado de camponeses kulaks. Na prática, só leva à pauperização ainda maior da imensa maioria dos camponeses, que por sua paralisa o desenvolvimento do mercado interno. Na base de tais processos econômicos contraditórios, as mais importantes forças sociais do movimento colonial se desenvolvem.”

Prestes confunde a pequena burguesia nacional (estudantes, intelectuais, pequenos funcionários, pequenos comerciantes, etc.) com a grande burguesia burocrático-compradora atrelada ao imperialismo. Daí ter passado a negar a possibilidade de alianças com ela. Prestes confunde a Revolução democrático-burguesa de velho tipo – leia-se: o modelo de desenvolvimento capitalista seguido por países como Inglaterra, França e Estados Unidos – com a Revolução Democrático Popular de novo tipo (a Revolução nacional-democrática de tarefas anti-imperialistas, dirigida pelo proletariado e seu partido, em aliança com as grandes massas camponesas e demais forças nacionais e anti-imperialistas)[3] orientada pela III Internacional, que nos dias de hoje pode ser corretamente entendida pelos comunistas de todo o mundo por conta da sistematização de novas experiências pela prática revolucionária do proletariado do Terceiro Mundo.

Ao contrário do que é defendido por Prestes, o documento “Teses sobre o movimento revolucionário nos países coloniais e semicoloniais” (aprovado no VI Congresso da III Internacional Comunista, em 1928) não possui uma única linha sequer falando sobre incentivar os comunistas dos países semicoloniais a “lutar para desenvolver um capitalismo autônomo”. Nenhuma confusão deve ser feita quanto às enormes diferenças que existem entre levar a cabo a luta contra o imperialismo e o capitalismo burocrático sob a direção do proletariado e do Partido Comunista na Revolução Democrático Popular e andar a reboque da burguesia nacional, na luta por uma Revolução burguesa de velho tipo – categoria de Revolução que não mais pertence à nossa época, que é essencialmente a época do imperialismo e das Revoluções proletárias, onde a burguesia já se converteu numa classe reacionária e historicamente superada para levar a cabo quaisquer transformações de cunho democrático popular e anti-imperialista em países dependentes. Tal tarefa cabe precisamente ao proletariado organizado no Partido Comunista.

O fracasso da insurreição de 1935 deveu-se principalmente às concepções oportunistas de esquerda, putchistas e subjetivistas no seio do Partido que, desprezando a necessidade de se dedicar durante um longo período ao persistente trabalho de organização do proletariado para a Revolução, sem levar em conta o caráter semicolonial e dependente da economia brasileira que demandava de maneira urgente a resolução do problema da terra e, consequentemente, a aliança com as grandes massas camponesas para estender a luta armada ao campo, materializou uma errônea concepção puramente insurrecional da luta armada. Nas zonas urbanas, muito pouco se fez na questão da organização e mobilização da classe operária e das massas pequeno-burguesas (estudantes, intelectuais, pequenos funcionários, pequenos comerciantes, etc.) para a luta. Indo na total contramão às persistentes indicações da III Internacional sobre a fundamental importância das massas camponesas para a Revolução Brasileira, nenhuma nesga sequer de trabalho foi realizada para mobilizar os camponeses e trabalhadores agrícolas contra a tirania dos latifundiários.

Ainda que de conteúdo essencialmente equivocado, as teses de Prestes seguem influenciando até hoje dezenas de organizações que reivindicam o socialismo e o comunismo. Praticamente todas elas acreditam erroneamente que a Revolução Democrático Popular Brasileira se desenvolverá por meio de etapas burguesas, criticando o que chamam de “reformismo etapista”. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que colocamos Luís Carlos Prestes no seu devido lugar de grande comunista e patriota, devemos também apontar seus desvios, erros e limitações em sua longa vida de serviço à Revolução Socialista Brasileira.

A realidade mostra, portanto, a justeza, a atualidade e a necessidade de se levar a cabo, nos dias de hoje, a Revolução Democrático Popular, agrária e anti-imperialista para se derrubar, no Brasil, o domínio do imperialismo e capitalismo burocrático, representados nas classes dos compradores, capitalistas burocráticos, grandes latifundiários e capitalistas monopolistas estrangeiros, principalmente norte-americanos e europeus, estabelecendo de fato a ditadura do proletariado. As tarefas da Revolução brasileira não diferem, em essência, do conteúdo das Revoluções chinesa, coreana, cubana, vietnamita, argelina, albanesa e outros países, ainda que o nível de desenvolvimento capitalista do Brasil seja muito maior do que o desses países nessa época. Uma das grandes confusões atuais a respeito da revolução brasileira, principalmente entre aqueles que tentam criticar as bandeiras nacionais e democrático-populares, é a confusão entre as tarefas a serem realizadas e as forças motrizes que levarão a cabo estas tarefas. Apontar o caráter democrático-popular e anti-imperialista de uma revolução tem por consequência reconhecer meramente que as tarefas a serem realizadas são majoritariamente nacionais, democráticas, populares e anti-imperialistas, mas não implica defender a teoria menchevique das duas revoluções, tampouco a defesa de uma etapa de desenvolvimento capitalista autônomo. Pelo contrário, apontar isso pressupõe se evidenciar a natureza de novo tipo desta revolução, cujo programa é de cunho democrático-popular e nacional, mas de novo tipo por ter à frente o proletariado como força motriz dirigente a desempenhar este programa; a burguesia na época do Imperialismo não tem capacidades de dirigir uma revolução democrático-popular, e um desenvolvimento capitalista autônomo é impossível de ser concretizado na atual fase imperialista do capitalismo. Segundo Lenin: ”só o proletariado poderia levar até o fim a revolução democrática, a condição de que, como única classe consequente revolucionária da sociedade atual, leve atrás de si a massa camponesa à luta implacável contra a propriedade agrária dos latifundiários e o Estado do regime da servidão”. Se de um lado, a posição esquerdista, de rejeitar as bandeiras nacionais e anti-imperialistas, apenas leva ao isolamento e chauvinismo, do outro, a posição direitista da teoria das duas revoluções, e defesa de um desenvolvimento capitalista autônomo leva ao seguidismo e perda de independência de classe. Daí a primeira condição para a vitória do socialismo nos países dependentes é a agitação de bandeiras democrático-populares e anti-imperialistas, e a Revolução Democrático Popular nestes só pode ser efetivamente concretizada caso se passe para a etapa da construção do socialismo. Para tal, a Revolução Democrático Popular deve garantir a hegemonia do proletariado organizado a fim de que se efetue seu caráter ininterrupto (sem intervalos) até o socialismo. A realização das tarefas democrático-populares imediatas, então, não cria a velha democracia burguesa ou um capitalismo independente, mas sim cria as condições para o socialismo, abrindo caminho a ele, diferente das revoluções burguesas clássicas. A Revolução Democrático Popular ininterrupta até o socialismo, como Mao apontou: “não dará lugar à ditadura da burguesia, mas sim à ditadura da frente única das classes revolucionárias sob a direção do Proletariado”, e nesse sentido, se estabelecendo uma unidade entre a Revolução Democrático Popular e a Revolução Socialista, a palavra de ordem que adotamos não é pelo “desenvolvimento autônomo”, mas sim a derrubada do Imperialismo para construir o socialismo.

A Revolução Democrático Popular de novo tipo, agrária e anti-imperialista é uma Revolução dirigida pelo proletariado que leva atrás de suas principais reivindicações as várias outras classes oprimidas pelo domínio do imperialismo, como os camponeses, e, em determinadas condições, mesmo a pequena burguesia nacional rural e urbana[4]. O Brasil ainda é um país que não conquistou sua verdadeira independência e está totalmente submetido ao imperialismo nos planos político, econômico e cultural. A Revolução Democrático Popular dará conta de destruir as bases político-econômicas que garantem a dominação imperialista em nosso país, confiscando o capitalismo burocrático-comprador e realizando a Revolução Agrária no campo. A Revolução Democrático Popular exige, necessariamente, a destruição de toda estrutura do Estado burguês-latifundiário e a edificação de um novo Estado dirigido pelo proletariado e o seu partido de vanguarda, onde existirá a mais ampla democracia para as massas populares e a ditadura para a minoria de reacionários e parasitas despejados do poder. Estamos falando de uma Revolução e não de reformas ou “conquistas” de governos “democráticos e populares” no âmbito da ordem burguesa. Enganam-se aqueles que acreditam que a Revolução Democrático Popular poderá ser realizada por uma via pacífica.

Nunca, em momento algum de nossa história, nosso país conquistou sua verdadeira independência político-econômica. Um país que depende de outros para a produção de seus meios de subsistência sempre será, também, em todos os outros aspectos, um país dependente e submisso.

O Movimento Nacional pela Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro (PCB-RR) deve possuir a intenção de promover um polo aglutinador de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda há décadas.

Devemos ao longos estudos e debates, conquistarmos, enfim a base da unidade orgânica que norteia nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proletariado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin, Mao e Prestes; a luta pela Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista com base na teoria revolucionária do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Proletária dentro das condições concretas de nosso país.

Somente um disciplinado e organizado partido proletário Marxista-Leninista poderá dirigir amplas massas do povo em direção à Revolução Democrático Popular e Anti-imperialista ininterrupta ao Socialismo, evitando os caminhos das derrotas que hipoteticamente possam ser impostos pela grande burguesia brasileira, seus partidos e pelo revisionismo. O Partido que, com a ajuda das grandes massas do povo, devemos reconstruir, não se trata de um partido voltado para a disputa de eleições ou para conquistar um ou outro cargo na administração de governos burgueses, mas sim para organizar e orientar as lutas operárias, camponesas, estudantis, etc. por suas reivindicações políticas e econômicas, pela construção de um novo Estado democrático, popular e socialista, sob o controle direto das massas organizadas, que nada tem a ver com a velha democracia imposta pelos poderosos, que consiste na velha rotina de apertar um botão a cada dois anos para, depois, nunca mais se falar nisso.

O novo Partido, de caráter proletário, portador da ideologia do Marxismo-Leninismo, não pode ser uma agremiação eclética de caráter social-democrata. Deve combater com firmeza toda ideologia e concepções alheias ao Marxismo-Leninismo, fortalecendo o seu domínio da teoria avançada do proletariado. O Partido Comunista deve se apoiar na gloriosa tradição do Movimento Comunista Internacional, na experiência histórica da Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917; na experiência da Revolução Chinesa liderada pelo Partido Comunista da China, bem como de outras importantes Revoluções que se desenvolveram e triunfaram na Ásia, África, Leste da Europa e América Latina. Também deve o Partido apoiar as lutas revolucionárias que se desenvolvem nos dias de hoje em várias partes do mundo, exercendo amplamente o princípio do Internacionalismo Proletário, lutando pela unificação e reconstrução do Movimento Comunista Internacional.

O Movimento Nacional pela Reconstrução Revolucionária deverá bater firmemente para a aplicação desses princípios na luta pela Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro.


[1] Utilizado aqui o termo ‘abolição’ entre aspas pelo fato de o governo brasileiro haver decretado, em 1888, o fim da escravidão mediante onerosas indenizações aos antigos proprietários de escravos. O poder dos antigos proprietários de escravos – agora, senhores de terras – longe de se abalar com a abolição, fortaleceu-se sensivelmente com os novos “resgates” feitos pelo governo brasileiro aos latifundiários.

[2] O historiador Nelson Werneck Sodré, em seu Formação Histórica do Brasil, enumera as condições necessárias para a transição do regime de produção pré-capitalista para o capitalista: (I) a existência de uma produção simples de mercadorias suficientemente desenvolvida e em processo de desintegração em que os poucos artesãos e camponeses enriquecidos se transformam em capitalistas; e os muitos arruinados, em operários assalariados; (II) a existência de uma acumulação primitiva, seja decorrente da atividade comercial e predatória, seja decorrente da expropriação violenta e em massa de camponeses e artesãos; (III) a existência de uma massa de trabalhadores sem posses, pessoalmente livres mas privados dos meios de produção e de subsistência, obrigados por isso a trabalhar mediante salário para os capitalistas; (IV) a existência de uma enorme acumulação de riqueza em dinheiro, necessária para a criação das grandes empresas capitalistas.

[3] Antes da Primeira Grande Guerra Imperialista (1914-1918) e da revolução russa de outubro (1917), a revolução de caráter democrático era de tipo velho, quer dizer, dirigida pela burguesia liberal. Após o acontecimento dos supracitados eventos, a revolução democrática passou a ser de um tipo novo. Por que? Porque após tais acontecimentos históricos, uma parcela considerável da frente capitalista mundial fora sepultada e a partir deste momento ela passou a necessitar mais do que nunca do retraimento do desenvolvimento da maior parte dos países do globo para sua sobrevivência, e também por ter sido consolidado o primeiro Estado socialista, este que estava disposto a dar um suporte ativo aos movimentos revolucionários nas semicolônias*. Na etapa atual em que se encontra o capitalismo, toda revolução democrático popular nos países semicoloniais é direcionada contra a burguesia monopolista e o imperialismo e, portanto, ela é de um tipo novo. Estas revolução não são aliadas do capitalismo mundial, pelo contrário, são inimigas dela e por isso devem caminhar em direção ao socialismo. As revoluções democrático-populares de nossos dias são completamente rechaçadas pelo imperialismo, este que vê em tais processos a destruição de sua dominação sobre os países semicoloniais. E por serem anti-imperialistas e por abalarem os alicerces do capitalismo mundial, as revoluções democrático-populares de nossos dias, ou seja, de tipo novo, contarão com o total apoio dos países socialistas e do proletariado internacional e justamente por tais fatores, estas revoluções são o prelúdio da revolução proletária socialista em todo o globo. É por esta razão que o dirigente da vitoriosa revolução chinesa (1949) Mao Tsé-tung, em seu célebre trabalho “Sobre a Democracia Nova” aponta que a “revolução chinesa é parte da revolução mundial”. Muitas organizações com seus palavrórios “ultrarrevolucionários” e bombásticos alegam que aqueles que reivindicam a revolução democrático popular são reformistas, pois pretendem andar à reboque da burguesia e então “desenvolver um capitalismo autônomo”. Disto só podemos concluir que estas organizações jamais estudaram a obra anteriormente citada “Sobre a Democracia Nova”, onde o camarada Mao Tsé-tung nos ensina que numa república de democracia nova não será uma ditadura burguesa, mas sim, uma “ditadura conjunta de todas as classes revolucionárias”, sendo estas encabeçadas pelo proletariado, e que a questão da aliança com a pequena burguesia nacional dependerá do desenrolar do processo revolucionário, pois tal classe possui um caráter duplo – ora ela se alia à revolução contra a dominação imperialista, ora afasta-se da revolução temendo a força do proletariado. Resumindo: na revolução democrático popular de tipo novo, não é o proletariado que caminhará à reboque da burguesia, mas a burguesia é quem irá (caso decida apoiar a revolução) caminhar sob a direção do proletariado.

[4] Compreende-se aqui a pequena burguesia nacional como uma classe social que compõe as camadas proletárias. Nos países dependentes e semicoloniais, a burguesia se divide em pequena burguesia nacional (classe proletária) e burguesia burocrático-compradora (aqui, a grande burguesia, ligada a operações de importação-exportação, ao sistema financeiro do imperialismo e podendo exercer também certas atividades industriais a serviço do capital estrangeiro, alvo portanto da Revolução Democrático Popular). A vacilação da pequena burguesia nacional para com a Revolução Democrático Popular reside no fato de que, no momento em que sofre os golpes do capital estrangeiro e das importações predatórias, a mesma cumpre um papel progressista quando dirige sua luta contra o domínio do imperialismo, das sobrevivências dependentes e pela industrialização nacional. Contudo, ao mesmo tempo em que dirige sua luta contra o imperialismo, sua razão de existência está na exploração das grandes massas da classe operária e do campesinato, jamais podendo, portanto, cumprir um papel dirigente nas transformações democrático-nacionais, papel esse que cabe precisamente ao proletariado em aliança com o campesinato no período do imperialismo e das Revoluções proletárias.