'A questão militar: o Partido Comunista e o exército' (Leandro Magacho)

A questão militar é algo presente na história do marxismo, principalmente quando se diz respeito à possibilidade dos comunistas de influenciar as fileiras das forças armadas burguesas

'A questão militar: o Partido Comunista e o exército' (Leandro Magacho)
"Quando o aparelho repressivo do estado perde sua coesão e tem elementos de suas fileiras cooptados pela insurreição, as forças contra-revolucionárias são enfraquecidas, o que facilita a sua derrota e aniquilamento."

Por Leandro Magacho para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Introdução: Neste escrito, pretendo discorrer sobre a questão militar no Brasil. A questão militar é algo presente na história do marxismo, principalmente quando se diz respeito à possibilidade dos comunistas de influenciar as fileiras das forças armadas burguesas. Tenho plena consciência que o referido tema envolve polêmicas e debates complexos, que possivelmente não serão superados em uma tribuna ou até mesmo em um congresso. Contudo, há uma extrema necessidade de iniciarmos grupos de estudos e de pesquisa sobre a questão, a fim de decidirmos e planejarmos estratégias e táticas relativas à forma de agir em relação ao exército brasileiro.

Dito isto, pretendo dividir o texto em 3 seções: a primeira discorre sobre necessidade da influência no exército, por parte dos comunistas à luz dos clássicos do marxismo, criticando uma concepção marxista mecanicista, que relega o exército como sendo um mero aporte passivo das classes dominantes; na segunda seção debateremos as particularidades do exército brasileiro; na terceira seção, refletirei sobre o exército brasileiro na realidade atual e realizarei propostas para incidirmos nas forças armadas.

Seção 1.0 a necessidade de se planejar a inserção dos comunistas no exército:

Em se tratando dos escritos de Vladimir Lenin e Friedrich Engels, há uma tendência de se defender o trabalho político comunista no interior das forças armadas. Engels, no escrito Introdução à Luta de classes na França, faz clara menção a um fator fundamental ao sucesso inicial da comuna de Paris, a prática de desgastar moralmente os militares da reação. Tal iniciativa consolidava uma postura vacilante das forças militares contra-revolucionárias e até mesmo tinham capacidade de atrair segmentos dos aparelhos repressivos do estado burguês ao lado da insurreição. Como discorre Engels:

[...]tratava-se apenas de desgastar as tropas por meio de influências morais que na luta entre os exércitos de dois países em guerra ou não entram em jogo ou o fazem apenas num grau muito reduzido. Se isso resulta, a tropa recusa-se a obedecer ou os comandantes perdem a cabeça e a revolta vence. Se isso não resulta, mesmo quando a tropa está em desvantagem numérica, a superioridade do melhor equipamento e instrução, da unidade de direcção, da utilização planeada das forças armadas e da disciplina, afirma-se como factor decisivo. [...]em todos os casos onde se conseguiu a vitória foi porque as tropas não obedeceram, porque faltou capacidade de decisão aos comandantes ou porque estes tinham as mãos atadas. (ENGELS, n.p, 1895)

Quando o aparelho repressivo do estado perde sua coesão e tem elementos de suas fileiras cooptados pela insurreição, as forças contra-revolucionárias são enfraquecidas, o que facilita a sua derrota e aniquilamento. Na comuna de París, a fragmentação dos aparelhos repressivos do estado foram fundamentais à consolidação do poder operário na França. Temos diversos exemplos desse mesmo fenômeno em outros processos revolucionários, como: na China e na Rússia pré-revolucionária; parte das tropas contra-revolucionárias desobedecem ordens, desertando e migrando ao campo revolucionário. Os sovietes eram de camponeses, operários e soldados, portanto, ter o apoio do baixo estamento do oficialato militar, sempre foi fulcral aos processos revolucionários que ocorreram ao redor do mundo.

Seção 1.1 o caráter complexo das forças armadas burguesas: uma crítica ao mecanicismo em relação à instituição:

Quando analisamos a história mundial, principalmente na história brasileira e dos demais países subdesenvolvidos, tiramos a conclusão que é falso, definir os exércitos burgueses, como sendo um mero aporte passivo dos interesses da burguesia. O fenômeno do Bonapartismo descrito por Karl Marx, na obra 18 de Brumário de Louis Bonaparte, explicita a possibilidade de uma autonomia relativa em relação à burguesia, por parte das forças armadas francesas em determinadas condições materiais. Como discorre o autor:

[...]não acabaria ocorrendo necessariamente à caserna e ao bivaque, ao sabre e ao mosquete, ao bigode e à farda que seria preferível salvar a sociedade de uma vez por todas, proclamando o seu próprio regime como o regime supremo e livrando a sociedade burguesa inteiramente da preocupação de governar a si própria? A caserna e o bivaque, o sabre e o mosquete, o bigode e a farda necessariamente acabariam tendo essa ideia, tanto mais porque, nesse caso, poderiam esperar melhor remuneração em dinheiro devido ao merecimento majorado, ao passo que, no caso do estado de sítio apenas periódico e dos salvamentos momentâneos da sociedade por solicitação desta ou daquela facção da burguesia, pouca coisa sólida sobrava além de alguns mortos e feridos e algumas caretas amistosas dos cidadãos. Os militares não deveriam, enfim, agir também no seu próprio interesse, brincando de estado de sítio e sitiando ao mesmo tempo as bolsas burguesas?” .(MARX, K. 2011, p.46-47)

Aqui percebemos uma clara alusão de Karl Marx a uma autonomia relativa dos militares franceses em relação à classe dominante burguesa. Quando a burguesia perde o controle sobre as classes subalternas e sente seu poder ameaçado, esta recorre ao Bonapartismo. Em uma ditadura Bonapartista, as forças armadas, geralmente, se elevam à supremacia do poder executivo em relação à toda sociedade civil (inclusive, em relação às camadas da burguesia). Todavia, como não existe poder que paira no ar, tal autonomia é relativa, pois há um cordão umbilical e uma gênese burguesa na instituição, que mantém a ditadura bonapartista sob domínio relativo das diferentes camadas da burguesia.

A história do Brasil, durante o século XX, é cercada das ditaduras militares bonapartistas, nesse período, apesar dos militares terem sido usados pela burguesia para defender o Status quo, os militares tinham uma autonomia relativa. Tal fundamento bonapartista da autonomia relativa,  pode explicar determinadas situações que ocorreram uma série de contradições entre o governo militar e o imperialismo estadunidense.

Louis Althusser, no escrito da obra Ideologia e Aparelhos ideológicos do estado,  expressa a possibilidade de contradições dentro de um aparelho repressivo do estado. O mecanicismo em relação aos aparelhos repressivos do estado, que os define como um aporte passivo dos interesses burgueses, cria uma ilusão errônea de homogeneidade desses aparelhos, é uma concepção contraposta pela citação:

Esta última nota permite-nos compreender que os Aparelhos Ideológicos de Estado podem ser não só o alvo mas também o local da luta de classes e por vezes de formas renhidas da luta de classes. A classe (ou a aliança de classes) no poder não domina tão facilmente, os AlE (como o Aparelho repressivo de Estado), e isto não só porque as antigas classes dominantes podem durante muito tempo conservar neles posições fortes, mas também porque a resistência das classes exploradas pode encontrar meios e ocasiões de se exprimir neles, quer utilizando as contradições existentes (nos AIE), quer conquistando pela luta (nos AlE) posições de combate”. (ALTHUSSER, L. 1980, p.49-50.)

Louis Althusser expõe a possibilidade de disputa das classes subalternas contra as classes dominantes, nos aparelhos repressivos vinculados às segundas. Durante a história brasileira, grandes revoltas populares tiveram apoio de segmentos do exército brasileiro, como ocorreu na própria Coluna Prestes, no tenentismo e na Revolta da Chibata. O exército brasileiro possui uma heterogeneidade classista em sua composição, algo que as classes subalternas organizadas souberam aproveitar, fortalecendo suas rebeliões.

A composição interclassista e o Bonapartismo tradicional do exército brasileiro, exprimem a sua complexibilidade como instituição. O Exército Brasileiro não é homogêneo, e nem tão pouco é um aporte passivo dos interesses da burguesia brasileira e do imperialismo. Contudo, devemos compreender qual é o pensamento hegemônico que foi e é reproduzido de forma dominante dentro das FAB.

Seção 2.0 as particularidades históricas e sociais dos primórdios  do exército brasileiro:

O exército brasileiro, em toda a história do Brasil, foi utilizado para solucionar problemas referentes à impossibilidade da nossa classe dominante de ceder às pressões democráticas de nosso povo. Quando o estado se torna irracional à classe dominante e à classe dominada, os subalternos organizam rebeliões populares. Nesse dilema, o exército intervém, iniciando um regime sustentado pelo terror e por reformas que modificam a estrutura produtiva do país, tal propósito é relegado pelas classes dominantes para a instituição militar. Porém, nem sempre as classes dominantes têm controle sobre essa instituição, porque hegemonicamente as forças armadas já possuiram interesses e anseios próprios.

A formação originária do exército brasileiro nos meados do Século XIX, possui importantes particularidades. Devido à guerra do Paraguai e às diversas rebeliões populares espalhadas pelo império, havia-se a necessidade de suprir às pressas déficits relativos à baixa mão de obra dentro do baixo e alto estamento militar. Nesse contexto, "libertou-se" escravos para ampliar fileiras militares e se criou Escolas Superiores de Guerra, como a da Escola de Guerra da Praia Vermelha. As Escolas Militares de formação de oficiais, ofereciam diplomas de bacharelado aos baixos custos, o que atraiu as classes médias, que tinham pouco acesso à universidade no período.(ABREU, R. N.2008, p.80-81)

As Escolas Militares se tornaram universidades para a classe média e à pequena burguesia urbana. A elite intelectual formada nas escolas militares, por ter como base a classe média, tinha grandes críticas às oligarquias burguesas, reivindicando maior poder político das camadas médias urbanas, sendo majoritariamente republicana. Além disso, haviam reivindicações, oriundas da caserna militar, pela abolição da escravatura, por uma política nacional de educação, por construção de ferrovias e etc. (ABREU, R. N.2008, p.81-82)

As reivindicações da instituição da FAB, hegemonicamente, existirem sobre prisma positivista, nacionalista, industrialista e corporativista do exército, durante o final do século XIX até grande parte do século XX. Nomes como Benjamin Constant e Floriano Peixoto exprimiam esse pensamento positivista e nacionalista no início do período republicano.(ABREU, R. N.2008, p.81-82)

No periodo da primeira república, autores como Werneck Sodré, defenderam um antagonismo entre o exército brasileiro e as forças do latifúndio e do atraso. O latifúndio tinha convocado o exército para abolir a monarquia, porém perdeu o controle das FAB. Floriano Peixoto, um militar presidente, fez políticas que se contrapunham aos interesses dos setores dominantes da burguesia da época. A política de diminuição dos preços de gêneros alimentícios, a partir de leis que puniam o aumento exacerbado do preço de alimentos, feita por Floriano Peixoto, causou indignação burguesa.(SODRÉ, W. 2010, p. 229) Tal política tímida foi o suficiente, para a classe dominante retaliar às forças armadas. As classes dominantes fortaleceram as forças militares estaduais com o propósito de reprimir os militares, enfraquecendo-se às FAB; além disso, houveram registros de perseguição sistemática dos florianistas dentro do exército, durante o início da república.(SODRÉ, W. 2010, p. 238-239)

Seção 2.1 disputas internas de concepção de mundo no exército brasileiro, durante o século XX:

Claro, que não há nenhum consenso na academia sobre esse campo, contudo, é possível destacar 3 correntes em disputa no exército brasileiro, que receberam grande destaque nos anais de nossa história: a liberal não-intervencionista; a autoritária e nacionalista com fortes traços bonapartistas; e os reformistas radicais e marxistas.

A corrente autoritária e nacionalista, basilava-se no pensamento positivista e industrialista, além de um difuso nacionalismo, que muitas vezes, como um pêndulo pode guinar à esquerda ou à direita. O que une a respectiva corrente de pensamento é a crença da necessidade do exército se tornar o poder moderador do estado e da sociedade civil. Tal pensamento autoritário tinha como pressuposto a incapacidade das classes dominantes e dominadas de reger a nação. Esse pensamento autoritário[1] se sustentava pelo desprezo em relação à elite civil e todos os civis, por parte dos militares, que veem os civis como “egoístas”, indisciplinados e desorganizados. Tal ideologia é algo, que ainda é recente e forte no exército, como foi  retratada na canônica obra O espírito militar: um antropólogo na caserna de Celso Castro, nas Agulhas Negras na década de 1990.

A corrente marxista e a reformista radical, muitas vez se aliaram, formando praticamente um único bloco. Essas correntes defendiam a participação do exército brasileiro nas reformas radicais, em favor de um desenvolvimento democrático, autônomo, social e econômico do Brasil. Tal corrente se destacou na luta por políticas que visavam ao combate do capital estrangeiro, ao combate do latifúndio e em período de maior radicalidade defendiam até mesmo a consolidação do poder operário e popular.  (OLIVEIRA, N. 2010, p.135-136). Contudo, tal corrente fortemente influenciada pelo PTB e pelo PCB, foi perseguida de maneira brutal no regime de terror de 1964.

A corrente liberal-não intervencionista, segundo Nilo Oliveira (2010, p.135):

[...]refletia a influência do profissionalismo alemão e francês advindo entre 1906 e 1912 através dos jovens oficiais que estagiaram respectivamente na Alemanha e na França. Esses seguiam o modelo das democracias liberais, onde o exército podia e devia dedicar-se primordialmente à defesa externa. Eram contrários à interferência do exército nos assuntos políticos nacionais.

A corrente liberal, em alguns momentos da tortuosa história do século XX, destacou-se dentro das fileiras das FAB. Todavia, inevitavelmente os membros de tal corrente ou se aliavam à corrente marxista ou à autoritária. Essa corrente foi derrotada, pois, as aspirações dos militares em relação à modernização e profissionalização das forças armadas os distanciaram dela. Ora, somente superando certas características impostas pelo atraso econômico e social brasileiro, é possível ter capacidade produtiva para modernizar os equipamentos militares. É muito difícil criar um exército moderno, profissional e eficiente em uma formação social com relações de produção em que o latifúndio e o capital estrangeiro são privilegiados. (SODRÉ, W. 2010, p.256)

Deste modo, já que o liberalismo não-intervencionista, pressupunha uma neutralidade do exército brasileiro, tal isenção política sempre foi algo muito abstrato para os altos e baixos estamentos do exército brasileiro. O Brasil, quando sob égide confortável de sua respectiva burguesia liberal e conservadora associada ao imperialismo, modernizava-se lentamente, algo que frustrava os militares em seus sonhos prussianos de busca por um exército moderno. Logo, a neutralidade das FAB se tornou abstrata e a necessidade da intervenção do exército na economia e na política, uma necessidade concreta.

Como diria Luís Moniz Bandeira (2013, n.p) :

A industrialização do Brasil correspondia, no entanto, aos interesses das Forças Armadas. O projeto de exploração e refino do petróleo bem como o programa de construção, no país, dos primeiros reatores atômicos (usinas para a produção de urânio metálico e separação de isótopos) tinham, sobretudo, raízes bastante profundas nos meios militares, da mesma forma que, anteriormente, o esforço pela instalação do complexo siderúrgico de Volta Redonda, necessário ao desenvolvimento da indústria pesada. As Forças Armadas percebiam, desde pelo menos a década de 1930, a conveniência de reduzir as vulnerabilidades internas e externas do Brasil, mediante o aproveitamento dos seus próprios recursos naturais, tais como ferro, carvão, petróleo e, posteriormente, tório, urânio e outros minerais estratégicos, de modo a suprimir, tanto quanto possível, dependências de suprimentos estrangeiros e, possibilitando o progresso industrial e o avanço tecnológico, avigorar os meios de defesa e promover melhores condições de segurança nacional. A expansão industrial significava, para eles, o incremento do seu poderio militar, tático e estratégico, e, nessa medida, a percepção da segurança nacional contra ameaças internas e externas entrelaçam-se e fundia-se com a do desenvolvimento econômico, que ao Estado, naquelas circunstâncias, cabia impulsionar ou diretamente empreender. Essa consciência, racionalizada pelo general Góes Monteiro, transformou-se em doutrina, orientando, via de regra, o comportamento das Forças Armadas.” (2013, n.p)

Contudo, como é sabido, o cordão umbilical burguês dos militares não se rompeu, portanto, estes não romperam com a dependência; afinal a ameaça externa não foi uma força motriz capaz de tornar as FAB anti-imperialista até às últimas consequências. Os militares não cessaram a superexploração do trabalho e suas consequências,  como: a miséria, a fome, a inflação, o analfabetismo, a opressão do pobre e o intenso desemprego estrutural. A terra continuava concentrada e o capital estrangeiro continuava espoliando muita mais-valia do país, como lembra Ruy Mauro Marini.

Seção 3.0 As FAB após 1964 e propostas para o trabalho político dos comunistas no exército brasileiro:

Como defendido pelo Moniz Bandeira, o exército brasileiro dos anos 1930 até a ditadura empresarial-militar de 1964, fundiu a luta contra a ameaça interna (comunistas) e à ameaça externa, moldando a estrutura produtiva do país em prol desses objetivos. Entretanto, durante a ditadura empresarial-militar muitas coisas mudaram no Brasil e na caserna.

A preocupação pela ameaça externa deixou de ser uma preocupação da caserna militar, os olhos da maioria do oficialato só eram voltados, ao que tudo indica, à ameaça interna e ao inimigo interno. O inimigo interno se tornou a classe trabalhadora organizada. Como explicar essas transformações no exército brasileiro? Como explicar, declarações públicas tão entreguistas da maioria do alto oficialato brasileiro? Como explicar a ausência de preocupação do comando atual em relação à ameaça externa?

Somente a perseguição e a “caça às bruxas” perpetrada pelo regime militar, que matou milhares de militares comunistas e trabalhistas, não explica esse fenômeno. Claro, tal fenômeno foi fundamental para enfraquecer a inserção de anti-imperialistas nas forças armadas naquele período. Entretanto, precisamos abordar o fenômeno em toda a sua complexibilidade à luz da Teoria Marxista da Dependência.

Em uma ocasião, em um grupo de estudos, indaguei um camarada de militância sobre essas questões. Leomar Rippel, um oficial reformado do exército, que hoje é um grande pesquisador sobre a história das forças armadas, sendo professor da Universidade Federal de Rondônia, respondeu-me algo que me surpreendeu pelo grau de sua perspicácia: grande parte dos equipamentos, armas e teorias militares do exército brasileiros advém do eixo imperialista global, logo, as forças armadas são materialmente e imaterialmente dependentes dos países centrais, é inevitável a criação no imaginário militar de uma subserviência ao centro.

Deste modo, a subserviência maior dos militares em relação ao imperialismo, está associada ao aprofundamento da dependência de nosso país, nos últimos anos. As FABs foram colonizadas e estão aprisionadas aos desígnios da dependência. Porém, esse estado não necessariamente é algo imutável. No entanto, hoje, algo obstaculiza o avanço de forças anti-imperialistas no exército, uma ditadura do entreguismo e de forças reacionárias. Ironicamente, a força para essa ditadura dentro da caserna e nos quartéis, foi oriunda da ilusão criada na redemocratização de 1988.

Durante a redemocratização, até os períodos atuais, criou-se um mantra e um dogma liberal, como se fosse verdade, de que o exército é neutro, de que não deve existir política nos quartéis e que militares não devem se posicionar politicamente. Em se tratando de nós marxistas, tal mito idealista é facilmente desmontado teoricamente, considerando o vínculo de classe da instituição. Contudo, a tese fantasiosa do “exército neutro” foi transformado em lei, e em oposição aos que liberais idealizaram, no mundo concreto o exército continuou politizado. A lei que pretendia restringir a politização dos quartéis, somente serviu para criar um exército com condições de se tornar monolítico politicamente.

Clausewitz, apontava que um bom general precisava ser um bom político, visto que este carecia de compreensão sobre o propósito político da guerra em que ele participa. A guerra e a política são indissociáveis, militares e a política também, é inconcebível acreditar na fantasia do exército institucionalista neutro e liberal. Um grupo, institucionalizado como exército e estruturado em hierarquia militar, ao se restringir as suas manifestações políticas, indiretamente, monopoliza-se o poder político nos quartéis nas mãos do alto comando.

Os militares em um país subdesenvolvido sofrem uma pressão política dupla: em um lado os seus anseios por um exército moderno e desenvolvido para proteger o país de ameaças externas, inclusive imperialistas; por outro lado temos fortes influências do imperialismo, visando à cooptação  do exército regular aos seus interesses, tornando-o uma polícia de metrópole. Em um dado momento, o exército rompe o véu falso da neutralidade, rumando ao lado da emancipação nacional, ou ao lado da subjugação de seu próprio povo.

3.1 propostas para refletirmos sobre a inserção nas forças armadas:

A primeira linha de reivindicações que devemos defender para facilitar a nossa inserção nas FAB, é: o avanço nos direitos políticos aos soldados de baixa patente, haja vista que o alto escalão tem plenos direitos políticos, sem nenhuma represália ao exercê-los. O militar de baixa patente deve ter direito de se filiar a partidos políticos, posicionar-se e defender programas de defesa nacional. O debate político sobre defesa nacional, políticas de estado, matrizes energéticas, projetos de poder e economia brasileira já existem no alto oficialato, entretanto, no baixo oficialato quando o debate ocorre, havendo divergência com o alto comando, há perseguição política sistemática.

Em resposta ao mito liberal de neutralidade política das forças armadas, devemos defender o paulatino posicionamento político de seus membros, que seus posicionamentos sejam públicos e não ocultos-escondidos. Em resposta à ausência de política nos quartéis por parte dos liberais, devemos defender a politização intensa e crescente de todos os militares. Quando defendemos o direito político de todos os militares, além desse direito, facilitar a nossa inserção no espaços militares, permite-nos descobrir, de maneira ampla, quem são nossos aliados e inimigos nas forças armadas.

A segunda linha de reivindicações se refere à punição do alto oficialato, em consequência dos castigos físicos, abusos físicos e psicológicos que a baixa patente é submetida. Os oficiais que praticam tais atos deveriam enfrentar uma condenação em tribunais civis e não militares. Os crimes de guerra feitos por ordens dos altos oficiais em favelas e contra nossos irmãos haitianos, também não devem ser tolerados e nem julgados por uma cúpula militar reacionária.

O terceiro campo de reivindicações é algo que o camarada Glauber Braga, como parlamentar já faz, isto é, a defesa da ampliação dos direitos trabalhistas e sociais dos soldados, cabos e sargentos.  Os estamentos militares superiores têm recebido diversos privilégios injustificáveis nos últimos anos, em detrimento dos direitos dos oficiais de baixa patente, que perdem cada vez mais direitos, à exemplo da natureza da reforma previdenciária.

Por último, defendo que façamos a defesa enfática da proteção contra o capital estrangeiro de empresas estratégicas ao complexo industrial de defesa nacional como a EMBRAER. Nós comunistas temos que demonstrar aos trabalhadores, aos militares de baixa patente e até mesmo quadros do alto oficialato mais vacilantes, que nós somos a força política mais preocupada, de fato, com a defesa nacional.

A maior a ameaça militar ao Brasil e aos trabalhadores brasileiros são as forças imperialistas, precisamos difundir tal pensamento nos espaços militares. Temos que demonstrar aos militares mais avançados em sua consciência, que ser um militar em um país subdesenvolvido é escolher duas alternativas: 1-) ser uma polícia metropolitana que mira as armas em seu próprio povo em favor de interesses estrangeiros, sendo um exército subserviente em equipamentos e com uma doutrina militar arcaica; 2-) construir um novo exército possuidor de uma doutrina militar própria e adequada às particularidades brasileiras, com equipamentos modernos e tecnologias próprias, capaz de defender os trabalhadores brasileiros do aumento da espoliação colonial e imperialista que se avizinha.


[1] Na próxima seção iremos mostrar como é reproduzido essa matriz de pensamento nos quartéis. Contudo, podemos apreender uma relação entre o pensamento corporativista brasileira de Alberto Torres e Oliveira Vianna, e o pensamento autoritário do exército brasileiro.


Referências Bibliográficas:

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ALMEIDA, Lúcio. A ilusão de desenvolvimento: Nacionalismo e dominação burguesa nos anos JK. Santa Catarina, Florianópolis: Editora da UFSC, 2006.

ALTHUSSER, Louis.  Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3°ed, Lisboa: Presença/Editora Martins Fontes, 1980.

BANDEIRA, Luiz. Brasil-Estado Unidos: A rivalidade emergente (1950-1988). 3° ed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

_______________. Trabalhismo e socialismo no Brasil: a internacional socialista e a América Latina. 1° ed, São Paulo: Global editora, 1985.

CASTRO, Celso . Espiríto militar brasileiro: Um antropólogo na caserna. 2° ed, Rio de Janeiro: Zahar editores, 2003.

MARX, Karl. 18 brumário de Luís Bonaparte.1°ed, São Paulo: Boitempo, 2011.

OLIVEIRA, Nilo. Os primórdios da doutrina de segurança nacional: A escola superior de guerra. História [online], vol. 29, n°2, pp. 135-157, 2010.

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