'A questão da profissionalização das Finanças' (Vitor Gimenez)

Arrisco dizer que por muito tempo o nosso trabalho fragmentado e artesanal tem limitado às finanças a uma espécie de tesouraria, tendo o secretário como tesoureiro e as cotizações como principal fonte de arrecadação.

'A questão da profissionalização das Finanças' (Vitor Gimenez)

Por Vitor Gimenez para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, 

Essa tribuna tem como objetivo contribuir para o debate relacionado à nossa política de Finanças, evidenciando que ela é central na superação do trabalho amador e artesanal. Tenho o mais pleno acordo com a “Proposta de organização da Estrutura Financeira e Material”, tribuna de autoria do camarada Mir que contém o debate central no momento em que estamos: a centralização das finanças no Comitê Central. Portanto, apresentarei uma questão secundária mas também de grande importância: a criação e desenvolvimento de um complexo empresarial do nosso partido.

O que é política de finanças em uma organização comunista?

Arrisco dizer que por muito tempo o nosso trabalho fragmentado e artesanal tem limitado às finanças a uma espécie de tesouraria, tendo o secretário como tesoureiro e as cotizações como principal fonte de arrecadação. Quando muito, ações pontuais dos núcleos, mais ou menos planejadas, ou eventos a nível estadual e nacional, contribuiam para manter nossa organização de pé. Mas nem de longe é suficiente.

A única forma de superarmos essa concepção limitada é considerar a Política de Finanças como a organização de todo o aparato logístico, material e financeiro para dar as condições da efetivação do nosso trabalho político.  Isso inclui diversos detalhes operativos para nossas tarefas, e não apenas dinheiro, e faz necessário uma conexão profunda da nossa Política de Finanças com nossa Agitação e Propaganda, com nossa política de formação de quadros e com nossas tarefas organizativas.

Se pensarmos apenas nas formas de construir as condições materiais para nossa organização (arrecadar dinheiro, organizar e engajar os militantes, construir espaços físicos para eventos, etc), já se torna possível articular diversos aspectos dela. Não só porque ela dá as condições materiais para tal, mas também porque as atividades financeiras têm um caráter versátil, podendo ser relacionada com outras tarefas. A exemplo: campanhas financeiras com materiais agitativos (como banquinha de vendas do jornal), organização logística de um evento político, ou até as cotizações, que servem como termômetro organizativo e reforço da firmeza ideológica e disciplina dos militantes.

Menciono tais possibilidades porque precisamos compreender o quanto essa articulação financeira, que vai muito pra além de transações bancárias e planilhas, estão relacionadas, direta ou indiretamente, com tudo que é feito na nossa organização. E isso abre um mar de possibilidades para pensar logística, finanças, e organização material.

Autonomia Financeira

Como as questões da necessidade da centralização das finanças já estão contemplados pela tribuna do camarada Mir, quero ir para o próximo passo. Para além de levantar recursos financeiros robustos e constantes, a ponto de realizar grandes planejamentos, precisamos urgentemente garantir a nossa independência política de classe. E isso é impossível sem a nossa autonomia financeira. 

Autonomia financeira sendo aqui compreendida como a garantia de suprir todas as nossas necessidades financeiras, materiais e logísticas sem recorrer a recursos externos ao nosso partido. Afinal, não podemos ficar à mercê da conjuntura para ter as condições materiais de trabalho político.

Isso quer dizer, a exemplo, que não podemos depender de gráficas terceiras para imprimir nossos panfletos e jornais, ou de serviços logísticos terceiros para transportá-los. E o principal argumento não é uma questão de segurança abstrata, mas sim que a única forma de garantir a continuidade do suprimento dessas nossas necessidades, independente de conjuntura ou dinheiro no caixa.

Para solucionar isso, surge a necessidade da profissionalização literal das nossas finanças. Precisamos de empresas que possam suprir essas necessidades materiais e serem fontes de lucro. Portanto, empresas rentáveis, que gerem ainda mais recursos (recursos, não apenas dinheiro) a serem utilizados pela nossa organização.

Tal forma de organização permitiria a liberação de militantes que trabalhariam nas empresas em questão, a formação de quadros financeiros e organizativos, possibilidades novas de dar trabalhos diferentes a todes e cada ume des militantes. Possibilita que dinheiro gasto da nossa militância se converta em dinheiro para a organização, mas ao mesmo tempo também caminha para a superação do autofinanciamento do Partido. E, para além: como as finanças estão necessariamente ligadas à todos os aspectos da nossa organização, e se torna possível a criação de aparelhos privados de hegemonia, como produtora audiovisual, espaços de eventos políticos para a nossa linha, e etc.

Para ilustrar melhor com exemplos, citarei algumas situações corriqueiras e como uma empresa do partido na área poderia nos ajudar. Vamos pensar em gastos da nossa militância.

Com uma alta frequência, gastamos o dinheiro já disperso com impressão de panfletos, muitas vezes em gráficas caras por estarem mais acessíveis. Uma gráfica do partido realizaria impressões para terceiros, tendo um lucro que pode ser usado para bancar a impressão dos nossos próprios panfletos e jornais. O lucro do nosso restaurante pode suprir a alimentação em um congresso. 

Além de que, podemos aproveitar gastos inevitáveis dos militantes. Afinal, por exemplo, é comum que depois de cada reunião de núcleo nossa militância confraternize e gaste dinheiro em algum bar. Tal estabelecimento poderia pertencer ao partido, convertendo o gasto inevitável em recurso para nossa organização. Mesmo outros espaços de lazer podem aqui ser contemplados.

Enfim, as possibilidades são inúmeras, e não faltam militantes com as mais diferentes habilidades que podem ser utilizadas para a formação de negócios empresariais rentáveis. E sem a centralização das finanças no Comitê Central, sem uma política de profissionalização, será impossível aproveitar todo o potencial que temos em nossas mãos.

No texto “Carta a um Camarada”, em que Lenin discorre sobre a necessidade de centralização ideológica, descentralização dos trabalhos práticos, e especialização das atividades revolucionárias, é mencionado:

E com relação ao tipo de atribuições, as seções filiais ou de organismos do comitê, deverão organizar também todos os diversos grupos que servem ao movimento, grupo de estudantes e grupo de secundaristas, assim como grupos de funcionários auxiliares, os grupos de transporte, de imprensa, os dedicados à organização de aparelhos, grupos de contra-espionagem, grupos de militares, de fornecimento de armas e aqueles criados para organizar "empresas financeiras rentáveis", etc. Toda a arte de uma organização conspirativa consiste em saber utilizar tudo e todos, em "dar trabalho a todos e a cada um", conservando o mesmo tempo a direção de todo o movimento, [...]. (LENIN, 2003. Grifos meus)

Camaradas, em consonância com o camarada Lenin, defendo que tenhamos grupos específicos para organizar tais empresas. O máximo da profissionalização seria a organização de células específicas para isso, com o devido acompanhamento dos respectivos Comitês.

Dos argumentos contrários

Sendo objetivo, já presenciei dois argumentos mais políticos contrários à proposta de construção de empresas e células especializadas do partido. Vou discorrer sobre cada um.

O primeiro argumento, e acredito ser o mais fraco, é de que isso faria surgir relações capitalistas e uma espécie de cultura política empresarial que seria danosa à nossa militância. Para lidar com isso, vamos à Lenin:

Podemos, e devemos, empreender a construção do socialismo não com um material humano fantástico, nem especialmente criado por nós, mas com o que nos foi deixado de herança pelo capitalismo. (LENIN, 2014, p. 85)

Camaradas, tenho conhecimento de que Lenin está falando sobre a atuação dos comunistas nos sindicatos reacionários no trecho em questão. Porém, ele lembra que toda e qualquer ação humana é feita em um contexto histórico. Afinal, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado.” (MARX, 2015, p. 209)

Precisamos nos utilizar do que foi melhor desenvolvido pelo capitalismo, das melhores condições e técnicas, para construir nossa atuação revolucionária. E isso inclui as finanças, aporte material e logístico. A partir disso, temos a oportunidade de construir possíveis novas relações de produção, ainda que em germinação e de forma limitada pois ainda vivemos no capitalismo.

Agora, vamos ao segundo argumento, que é um pouco mais sólido. Alguns defendem que grupos especializados demais em questões técnicas fariam com que os militantes fiquem apartados das questões verdadeiramente políticas da nossa organização, criando uma separação entre trabalho intelectual e trabalho manual.

Camaradas, primeiramente, quando debatemos finanças, é necessário debater uma política de finanças, não uma tesouraria. A mesma coisa serve para política de agitação e propaganda, política de formação, política organizativa, e etc, pelo menos de acordo com a concepção de finanças aqui trabalhada.

Realmente pode acontecer de algum grupo ficar mais focado em uma tarefa prática e técnica. Mas nos enganamos quando pensamos que o problema é a especialização e a profissionalização. O problema de fato é a falta de centralização política e ideológica, a fragmentação e o federalismo no Partido.

Para explicar em termos mais concretos, qual núcleo da UJC ou célula do Partido nunca se sentiu isolado do restante do complexo partidário? Isso porque, como já esmiuçado na proposta de criação de Comitês Locais, o centro de gravidade do trabalho são as células, deixando nossa atuação e nossa formação política e ideológica completamente dispersas.

Caso o centro de gravidade do trabalho prático se torne os comitês locais, como propõe Lenin (2003) em “Carta a um camarada” quando menciona o comitê que deve dirigir todas as movimentações e organismos locais do partido, será possível fazer com que os CLs organizem essas células mais práticas a participarem de outras atividades e estejam a par da nossa literatura partidária comum.

Conclusão

Diante dessa tribuna, é preciso mencionar que a proposta precisa ser lapidada. Apesar do cerne da questão estar contemplado, ficam dúvidas. Quais instâncias farão essa administração? Como as empresas serão fundadas? Quais serão as prioridades? Que habilidades já temos e quais ainda precisamos desenvolver?

É evidente que cada caso precisa ser analisado. Há militantes, por exemplo, que possuem pequenas empresas, e há casos em que o partido pode “expropriar” a empresa e empregar o militante. Há casos em que é melhor apenas integrar tal empresa nesse complexo, a depender da necessidade do militante que a possui. Isso tudo precisa de um estudo minucioso para avaliar todas as possibilidades.

Porém, apesar da formulação ser crua, estou convencido de que a criação de tal complexo empresarial pode significar um salto de qualidade nos aspectos organizativos, e pode ajudar a garantir nossa independência política. Espero que camaradas se apropriem desse debate para que avancemos na questão.


Referências

LENIN, V. I. Carta a um Camarada. Arquivo Marxista na Internet, 2003. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/lenin/1902/09/carta.htm>

LENIN, V. I. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. 1ª Ed. São Paulo, Expressão Popular, 2014.

MARX, K. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. A Revolução Antes da Revolução, São Paulo, Volume II, pp. (199-338), 2ª Edição, Expressão Popular, 2015.

MIR, F. Proposta de organização da estrutura financeira e material. Tribuna de Debates preparatória para o XVII Congresso Extraordinário, 2024. Disponível em: <https://emdefesadocomunismo.com.br/proposta-de-organizacao-da-estrutura-financeira-e-material/>