'A Questão Agrária no Brasil - Parte I' (Gabriel Colombo)

As contradições existentes na questão agrária residem na reprodução do capital na agropecuária, assim como na apropriação da renda da terra pelo capital. A superação do agro, isto é, o fim da grande propriedade capitalista da terra, é uma tarefa não da revolução burguesa, mas da revolução socialista

'A Questão Agrária no Brasil - Parte I' (Gabriel Colombo)

Por Gabriel Colombo para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A propriedade do solo é a fonte original de toda a riqueza e tornou-se o grande problema de cuja solução depende o futuro da classe operária

Karl Marx

A Reforma Agrária é o processo de desenvolvimento das relações capitalistas de produção no campo, com a implementação do trabalho assalariado e com a modernização das técnicas produtivas. Lenin, nos debates sobre programa agrário na primeira revolução russa[1], apontou duas formas possíveis para o desenvolvimento burguês na questão agrária: a via prussiana e a via norte-americana.

A primeira é a transformação lenta dos latifúndios em explorações burguesas, conservando as grandes propriedades de terra e “condenando os camponeses a décadas inteiras de exploração e ao jugo mais doloroso, dando origem a uma pequena minoria de “agricultores fortes"” (p. 226, tradução livre). Na segunda via, a norte-americana, o latifúndio é destruído pela revolução, as terras são confiscadas e distribuídas aos camponeses, que irão desenvolver-se economicamente até tornaram-se agricultores capitalistas. Tal análise é baseada no desenvolvimento capitalista da agricultura na Alemanha (via prussiana) e nos Estados Unidos (via norte-americana).

A compreensão de que há diferentes vias do desenvolvimento burguês é fundamental para evitar o erro mais comum na análise da questão agrária no Brasil: a visão de que a Reforma Agrária é a distribuição de terras para o campesinato ou, sob outra categoria, para a agricultura familiar. Nessa perspectiva, a Reforma Agrária no Brasil não foi realizada, pois ainda predomina a grande propriedade da terra, o que seria expressão do atraso brasileiro e, o que é uma consequência lógica mas muitas vezes não considerada, manifestação de relações pré-capitalistas de produção.

Ora, o chamado agronegócio nada mais é do que a transformação do latifúndio em uma exploração burguesa da grande propriedade da terra, com o emprego do trabalhador assalariado e de modernas tecnologias de produção. As principais contradições existentes na questão agrária contemporânea residem justamente na reprodução simples e ampliada do capital[2] na agropecuária, assim como, na apropriação da renda da terra pelo capital. 

Portanto, a superação do agronegócio, isto é, o fim da grande propriedade capitalista da terra, é uma tarefa não da revolução burguesa, mas da revolução socialista no Brasil. Se há atraso, é na execução desta importante tarefa histórica, imprescindível para acabar com a fome, com o desmatamento, com a expropriação das terras indígenas, dos povos e comunidades tradicionais, com a exploração do trabalho e a violência no campo, com a contaminação dos alimentos, dos solos e das águas e com a perda da biodiversidade.

DA FORMAÇÃO DO LATIFÚNDIO À REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

A ocupação do território brasileiro durante a colonização ocorreu sob a direção da Coroa Portuguesa, promovendo um intenso e violento processo de expropriação das terras indígenas. Para garantir o domínio efetivo do espaço, a metrópole concedeu títulos de sesmarias aos exploradores colonialistas que tivessem recursos para investir no cultivo do solo. A propriedade formal de todo o território colonial era da Coroa Portuguesa, que cedia o direito de uso das terras reais. A violência brutal da formação inicial do latifúndio era dupla, na tomada das terras indígenas e na escravização do indígena e do negro. Não houve, portanto, como argumentam os defensores da propriedade privada da terra a denominada “posse mansa e pacífica”.

A organização socioeconômica para dar cabo ao projeto de colonizar e garantir a exploração do território brasileiro exigiu grandes esforços econômicos e de dominação violenta, que resultaram no sistema de plantation, caracterizada pelo latifúndio, pela monocultura, pela força de trabalho escravizada e pela produção voltada para o mercado externo. Tais aspectos são marcantes não somente para aquele período nas produções de cana-de-açúcar, algodão e café, mas também apresentam continuidade na formação social e econômica brasileira, devido às sucessivas modernizações conservadoras.

A dinâmica de expansão do latifúndio ocorreu através do apossamento das terras:

apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las tornou-se cousa corrente entre nossos colonizadores, e tais proporções essa prática atingiu que pôde, com o correr dos anos, vir a ser considerada como modo legítimo de aquisição do domínio, paralelamente a princípio, e, após em substituição ao nosso tão desvirtuado regime das sesmarias (LIMA, 1954, p. 46 apud Oliveira & Faria[3]). 

Subsidiariamente ao latifúndio, houve a ocupação da terra por pequenos posseiros, sobretudo por mestiços, que não tinham recursos nem posição social para participar do sistema escravista e explorar grandes extensões de terras. No processo de expansão do latifúndio, os posseiros eram expulsos e forçados a abrir novas áreas ou eram incorporados como agregados mantendo a posse, mas subordinados aos fazendeiros.

Em oposição ao sistema escravista colonial, os negros escravizados lutaram pela liberdade com a organização de quilombos e uma série de ações contra os senhores de terras e senhores de escravos. Segundo Clóvis Moura (2014, p.55)[4]:

Os quilombos, as insurreições, as guerrilhas, assassinatos de feitores, capitães do mato e de senhores, o bandoleirismo, incêndios de canaviais, roubos e colheitas e raptos de escravas, quando não o suicídio, tudo isto era fenômeno sociologicamente normal porque correspondia à contrapartida de negação ao modo de produção escravista. 

Apesar das resistências, o latifúndio era a principal forma de apropriação da terra na economia escravista colonial. Sua formação e expansão predominava sobre as demais, utilizando de métodos violentos para combater quase sempre vitoriosamente indígenas, quilombolas e posseiros. Isto é, a todos que restringiam o desenvolvimento do latifúndio e se opunham aos senhores de terra.

Infelizmente, não é da alçada deste texto abordar a luta e resistência dos negros escravizados, indígenas, posseiros, camponeses e trabalhadores rurais no processo de formação e desenvolvimento do latifúndio e em sua transição para a grande propriedade capitalista da terra. Este é um aspecto imprescindível para destacar a violência brutal na formação da estrutura fundiária do Brasil, assim como, a experiência de lutas rurais do povo brasileiro.

É com a Lei de Terras de 1850, no período do Brasil Império, que a terra torna-se legalmente mercadoria. A lei determinava que somente as terras concedidas pelas sesmarias ou apossadas e com uso até 1854, data da regulamentação da lei, poderiam ser registradas como propriedade. Todas as demais terras seriam devolutas, públicas, e deveriam ser compradas do governo para converterem-se em propriedade privada. No entanto, na prática, o latifúndio continuou a expandir-se com a apropriação ilegal das terras públicas, principalmente através da grilagem e da “benevolência” da administração pública.

Nem por isso, a Lei de Terras deixou de cumprir um importante objetivo para a continuidade do latifúndio, garantir força de trabalho para os latifundiários durante o período de transição do trabalho escravo para o trabalho livre e após a abolição da escravidão. Com a vastidão territorial do Brasil, era preciso impedir que os imigrantes pobres e os negros libertos tivessem condições de trabalho próprias. Afinal, a relação social capitalista não é espontânea, ela é dependente da formação de duas classes sociais, a dos capitalistas e a dos trabalhadores livres.

A Lei de Terras foi contemporânea à decadência do escravismo e ao surgimento de relações de trabalho híbridas, como exemplos, o colonato, a parceria agrícola e o sistema de barracão, em transição ao trabalho livre assalariado. A legislação foi aplicada exclusivamente para impedir o livre acesso à terra, ao mesmo tempo em que não era implementada para barrar o roubo de terras públicas por parte dos latifundiários. 

Nessas condições, o fim da escravidão não foi acompanhado da democratização da terra nem por modificações profundas nos demais aspectos da exploração colonial da terra, da plantation. O latifúndio, a monocultura e a produção voltada para o mercado externo foram mantidas. A agricultura de subsistência e a produção de alimentos destinada ao mercado interno continuava a ser produzida por pequenos posseiros, indígenas, quilombolas, nas entrelinhas de café pelos colonos, etc. Cumpriam um papel econômico complementar desde que não entrassem em rota de colisão com o latifúndio.

Naquele momento, em conjunto à transição das relações de trabalho, surgiram as primeiras escolas de agronomia do país, com o objetivo de implementar o gerenciamento das fazendas, isto é, a gestão das novas relações de trabalho, e incorporar de forma muito incipiente as novas técnicas e tecnologias oriundas da segunda revolução industrial, introduzindo algumas inovações em maquinaria, química e física.

O período entre o final do século XIX até meados do século XX foi de uma transição lenta do latifúndio à grande propriedade capitalista da terra, com a passagem ao trabalho assalariado coexistindo com formas híbridas e a incorporação incipiente de inovações tecnológicas. As condições precárias de vida no campo e a mobilização dos camponeses e trabalhadores rurais impulsionaram a luta por direitos trabalhistas e pela democratização do acesso às terras. 

Nos anos 1960, com a população brasileira ainda majoritariamente rural, a pauta da Reforma Agrária era constante nos jornais, na literatura, na música e no cinema e central nos programas dos principais partidos de esquerda à época, o  PCB e o PTB. Os camponeses e trabalhadores rurais avançavam em sua organização com sindicatos rurais, o ressurgimento das Ligas Camponesas a partir de 1955, a eleição de Francisco Julião para deputado federal em 1962 e a criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) em 1963.

O crescimento das lutas dos trabalhadores rurais e camponeses teve como resultado, no âmbito estatal, a criação das legislações para regulamentar as relações de trabalho e a Reforma Agrária: o Estatuto do Trabalhador Rural e o Estatuto da Terra, respectivamente.

O Estatuto do Trabalhador Rural foi promulgado por João Goulart (Jango) em 1963, assegurando direitos trabalhistas ao trabalhador rural mais de vinte anos após a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada por Getúlio Vargas em 1941 e exclusiva para os trabalhadores urbanos até 1971. Antes do Estatuto, a legislação voltada para o trabalhador rural era escassa, com um decreto sobre a sindicalização, de 1903, e menções sobre regulamentação nas Constituições Federais de 1934 e 1946[5].

Quanto à Reforma Agrária, os projetos em debate durante o governo Jango, da esquerda à direita, não apresentavam diferenças significativas. Nenhum dos projetos propôs a desapropriação (com indenização) ou expropriação (sem indenização) das grandes propriedades rurais produtivas, transformadas em capitalistas. O tema estava circunscrito à desapropriação do latifúndio, ou seja, das terras improdutivas.

O principal ponto de divergência legal foi o meio de pagamento das desapropriações. Jango propôs uma Emenda Constitucional (EC) para alterar o pagamento antecipado em dinheiro para pagamento a longo prazo em títulos da dívida agrária, mas foi derrotado no Congresso Nacional. No entanto, logo no primeiro ano do governo militar o pagamento em títulos entrou em vigor com a  EC 10/1964 e com o Estatuto da Terra, promulgado por Castelo Branco.

O interesse das classes dominantes na Reforma Agrária no início dos anos 1960 foi frear o processo de mobilização dos trabalhadores rurais e do campesinato, de modo a impedir desapropriações contrárias aos interesses da classe de proprietários. Para estes, colocava-se a questão de fazer ajustes controlados na via prussiana de Reforma Agrária para minar o crescimento das lutas no campo.

Esta correção de rota alinhava-se com o aceno de mudanças na política externa dos EUA, de estritamente militares para apoio ao crescimento econômico e combate à pobreza, como tática de prevenção a novas revoluções. Em um momento da Guerra Fria em que os Estados Unidos fracassava sucessivamente na Guerra do Vietnã e estava diante do êxito da Revolução Cubana em seu “quintal”, a América Latina. Nessas condições, os EUA apresentaram para os países do continente americano uma série de propostas baseadas na ideia de que o crescimento econômico seria capaz de melhorar as condições de vida dos trabalhadores e minar as bases sociais do movimento comunista. Entre as propostas estava a reforma agrária, como consta no documento fundacional da Aliança para o Progresso, a Carta de Punta del Este (1961)[7],

Impulsionar, respeitando as particularidades de cada país, programa de reforma agrária integral encaminhada à efetiva transformação, onde for necessária, das estruturas e dos injustos sistemas de posse e uso da terra, a fim de substituir o regime de latifúndios e minifúndios por sistema justo de propriedade, de maneira que, complementada por crédito oportuno e adequado, assistência técnica, comercialização e distribuição dos seus produtos, a terra se constitua, para o homem que a trabalha, em base da sua estabilidade econômica, fundamento do seu crescente bem-estar e garantia de sua liberdade e dignidade. 

Duas linhas de ação são evidentes na proposta estadunidense. A primeira tratava de alterar a estrutura fundiária, com a ressalva: “onde for necessária”. A segunda visava promover o desenvolvimento agropecuário com crédito, assistência técnica e condições para comercialização e distribuição da produção. As classes dominantes brasileiras, erguidas sobre o latifúndio por quatro séculos, utilizaram seu poder político e econômico para focalizar a reforma agrária na segunda linha de ação e reduzir ao “mínimo necessário” a “efetiva transformação [...] das estruturas e dos injustos sistemas de posse e uso da terra” no país. Ou seja, por manter a via prussiana da reforma agrária brasileira e deixar intocada a estrutura fundiária e a dinâmica de apropriação das terras oriundas do período colonial.

A fim de concretizar este e outros objetivos (que não cabe ao debate deste texto), as classes dominantes brasileiras, articuladas com a burguesia imperialista, com o governo dos EUA e com os militares, lançaram-se em um golpe de Estado para depor João Goulart. É a partir de então, durante a Ditadura Militar, que a Reforma Agrária de via prussiana foi acelerada e consolidada, com a modernização conservadora e sob forte repressão política e violência contra os camponeses, indígenas, trabalhadores rurais e quilombolas.

Naquele período, configurou-se a base econômica, política e social do que hoje é chamado de agronegócio. Os investimentos de capital para modernizar a agricultura criaram as relações entre grandes proprietários, a burguesia industrial, o capital bancário, o Estado e a burguesia imperialista, através de investimentos estrangeiros, de empréstimos internacionais e do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). Formou-se um complexo agroindustrial, com base nos pacotes tecnológicos difundidos pela Revolução Verde - assim denominado por quem tinha o objetivo de evitar Revoluções Vermelhas[8].

Os complexos agroindustriais são a integração da indústria com a produção agropecuária. “Antes da porteira” está a indústria de máquinas, equipamentos e insumos. “Após a porteira”, o beneficiamento, industrialização e exportação da produção agropecuária. Estes setores industriais têm elevada participação do capital estrangeiro. A dependência científica e tecnológica do país apresenta-se sobretudo na indústria antes da porteira, na produção de tratores, sementes, fertilizantes e agrotóxicos. De modo que, considerando o conjunto de investimentos necessários à moderna produção agropecuária, o Brasil entra basicamente com a terra, enquanto os demais insumos necessários têm baixa produção nacional.

Uma série de iniciativas do Estado, sob influência direta dos EUA, foram criadas para fornecer as condições de crédito, acesso às tecnologias e assistência técnica necessárias à difusão da modernização agropecuária. Entre elas, o Estatuto da Terra (1964), o SNCR (1964), a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra (1970), o fim do Estatuto do Trabalhador Rural e a extensão da CLT aos trabalhadores rurais (1971), a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -  Embrapa (1973) e a criação da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural - Embrater (1974).

A Reforma Agrária brasileira foi capaz de atualizar a centralidade da agricultura e pecuária na economia brasileira, tornando-se fundamental para a acumulação de capital no país, distribuindo o mais-valor e a renda da terra para diferentes setores das classes dominantes. Ao mesmo tempo, renovando o papel dependente do Brasil na cadeia imperialista em que a exportação de commodities serve como base para o ingresso de dólares para equilíbrio da balança de pagamentos. Essa função é a base para a aberração da Lei Kandir (1996) isentar de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) produtos primários e semielaborados.

As modificações impulsionadas pela Reforma Agrária também foram significativas. A distribuição demográfica do país foi alterada (Figura 1) durante a Ditadura Militar, a maioria da população brasileira deixou de ser rural e tornou-se urbana, resultado da mecanização da agricultura, das expropriações e da busca por melhores condições de vida nas cidades.

Ainda, o desenvolvimento capitalista na agricultura não foi restrito às grandes propriedades rurais, isto é, à transformação do latifúndio em empresa rural. As pequenas e médias propriedades também foram modernizadas e subordinadas à economia mercantil e aos complexos agroindustriais - inclusive com impacto conceitual nos anos 1990, com a adoção de Agricultura Familiar em substituição ao Campesinato, com abertura de crédito específico através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

No que diz respeito à distribuição de terras para pequenos agricultores, a Reforma Agrária realizou uma intervenção pontual nos casos de conflitos rurais agudos, através de projetos de colonização e de assentamentos rurais - cabe lembrar que o órgão responsável pela Reforma Agrária é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

A agricultura e pecuária brasileira tornaram-se capitalistas, assim como os conflitos no campo. A solução para as contradições em desenvolvimento, sob a perspectiva da classe trabalhadora, não pode ser uma Reforma Agrária no escopo de uma Revolução Burguesa (já realizadas). O fato é que a agricultura capitalista, moderna, não foi e nem será capaz de: acabar com a fome, de garantir a paz no campo e de promover agroecossistemas ecologicamente equilibrados. A acumulação de capital na agricultura impõe o valor de troca sobre o valor de uso em uma economia capitalista dependente, de modo que as necessidades da população brasileira são atendidas secundariamente e o lucro com as commodities está em primeiro lugar.

A pressão para expandir a agricultura capitalista e, portanto, a capacidade de produção, ameaça indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, por um lado, e os ecossistemas, por outro. O poder econômico dos capitalistas no complexo agroindustrial submete pequenos agricultores a um regime intenso de trabalho e baixos rendimentos. Os pacotes tecnológicos impostos pelas indústrias agroindustriais comprometem o equilíbrio ecológico, contaminam os solos, as águas e os próprios alimentos, reduzem a diversidade alimentar, a qualidade da alimentação e promovem a erosão da cultura alimentar de povos e comunidades.

As tarefas para mudar esta dinâmica inserem-se na Revolução Socialista, com grandes desafios. A começar pela base social reduzida no campo pelo intenso êxodo rural. Diferente do período da Reforma Agrária burguesa, a população brasileira é predominantemente urbana. E pelo poder político e econômico do agronegócio, que unifica as classes dominantes, possui a maior representação parlamentar no Congresso Nacional e um dos mais antigos, maiores e fortes aparatos de luta ideológica do país.

Porém, as contradições do agronegócio são cada vez mais escancaradas e com repercussão para toda a humanidade, abrindo flancos no véu ideológico do “agro tech, agro pop, agro tudo”, que devem ser explorados pela agitação política em torno de um programa agrário revolucionário.

A pretensão inicial desta Tribuna era conseguir abordar com mais profundidade o desenvolvimento capitalista contemporâneo na agricultura, fundamental para propor um programa agrário coerente com a realidade. No entanto, não houve tempo hábil para atingir este objetivo, que ficará destinado para a segunda parte deste texto. No entanto, cabe destacar alguns aspectos.

Em primeiro lugar, é preciso estreita solidariedade aos movimentos sociais do campo, indígenas, quilombolas e populações tradicionais em sua luta pela terra, em que enfrentam diretamente os interesses das classes dominantes em expandir o agronegócio. Cabe um comentário a parte sobre os assentamentos rurais, por mais que o parcelamento de terras não tenha sido a via de desenvolvimento da reforma agrária no Brasil e que hoje não seja cabível do ponto de vista histórico e econômico como alternativa ao agronegócio, os assentamentos constituem uma rica experiência de luta e organização, com experiências produtivas agroecológicas, na formação política e na cultura.

Em segundo lugar, é preciso colocar em pauta o debate sobre a nacionalização das terras, fundamental na teoria marxista e nos programas agrários dos partidos comunistas desde o século XIX. Em terceiro lugar, é imprescindível superar a dependência científica e tecnológica na agricultura. Em quarto lugar, destacar que não há saída para a crise climática sem pôr fim ao capitalismo e, consequentemente, ao agronegócio, principal emissor de gases do efeito estufa no Brasil pela mudança de uso das terras. 


[1]  LENIN, V.I. 1908. El programa agrario de la socialdemocracia en la primera Revolución Rusa (1905-1907). p. 225-229.

[2]  Na reprodução simples capitalista, a escala de produção é mantida (emprego da mesma quantidade de força de trabalho, de matérias-primas, de meios de produção), assim como, é renovada a “própria relação capitalista, de um lado, o capitalista, do outro, o trabalhador assalariado” (Marx, livro I). Já a reprodução ampliada de capital, implica o aumento da escala de produção, a exploração de mais trabalhadores, o emprego de mais meios de produção, de mais matérias-primas e, no caso da agricultura, também pode ocorrer através da utilização de maiores porções de terra.

[3]  OLIVEIRA, A.U., FARIA, C.S. O processo de constituição da propriedade privada da terra no Brasil. Disponível em: <http://www.observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Geografiasocioeconomica/Geografiaeconomica/94.pdf>. 

[4]  MOURA, C. Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. 5 ed. São Paulo: Anita Garibaldi coedição com a Fundação Maurício Grabois, 2014.

[5]  Disponível em: <https://tst.jus.br/trabalho-rural>. 

[6]  NATIVIDADE, M. M. A questão agrária no Brasil (1961-1964): uma arena de lutas de classe e intraclasse. Dissertação. 2013.

[7]  Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1197041 >. 

[8]  PEREIRA, J.M.M. O Banco Mundial e a construção político-intelectual do “combate à pobreza”. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/9pbHm3pRMrsRK7gZwQjFnNP/?lang=pt&format=pdf>.