A quarta etapa da Reconstrução Revolucionária: contribuição da UJC-RS à compreensão da crise no PCB

A hegemonia proletária é a afirmação do proletariado enquanto classe dirigente do processo revolucionário, princípio que deve guiar toda nossa formulação política. Isso significa que toda tática e estratégia adotadas devem ter por base a independência do proletariado.

A quarta etapa da Reconstrução Revolucionária: contribuição da UJC-RS à compreensão da crise no PCB
"A proletarização do Partido, tanto no que diz respeito à sua composição social, quanto à linha política, estratégia e táticas, é o que caracteriza a quarta etapa da Reconstrução Revolucionária."

Por Coordenação Regional da UJC no Rio Grande do Sul para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Antes de mais nada, a crise pela qual passamos não pode ser vista como um raio em céu azul. Para compreender a totalidade do conflito, é preciso identificar o fio histórico que conduziu a situação ao seu nível atual, o que passa por analisar – especialmente – o período de Reconstrução Revolucionária do PCB e as disputas políticas que permearam os 30 anos deste processo. Somente assim, à luz do marxismo-leninismo, podemos nos despir do véu mistificador que confunde nossa militância ao reduzir a disputa interna a uma suposta “ofensiva” de militantes “personalistas” movidos pelo ego e sem trabalho prático, os quais pretendem “tomar de assalto a direção do Partido”.

A Reconstrução Revolucionária do PCB tem início – politicamente – na década de 90, quando o Partido foi alvo de uma tentativa de liquidação interna, processo capitaneado por Roberto Freire (hoje, presidente do Cidadania, partido fisiológico e de direita) e outros membros do Comitê Central da época. Este processo de liquidação se caracteriza pela tentativa de desfigurar o caráter de classe do Partido, declarando como obsoleto e dogmático o marxismo-leninismo, como ultrapassada a simbologia comunista e como superado o socialismo, em vista do fim da União Soviética. Desse modo, utilizando-se dos métodos mais espúrios, tentou-se mudar o nome do PCB, seu emblema, sua base teórica, seus objetivos, e subordinar o Partido – de uma vez por todas – aos interesses capitalistas. O ponto alto desta tentativa foi a convocação de um Congresso Extraordinário, organizado às pressas e sem debate interno, em que qualquer pessoa interessada em ingressar no que seria o “novo PCB” teve direito à voz e voto. Tudo isso foi operacionalizado por um Comitê Central eleito, mas profundamente oportunista e desviante do rumo da Revolução Socialista no Brasil, ainda que se apoiasse na fraseologia revolucionária.

Porém, na contramão desta tentativa de acabar com o PCB, insurge-se um grupo de camaradas liderado por Ivan Pinheiro, com o objetivo de manter vivo o Partido e reorganizá-lo no sentido de se transformar em uma verdadeira ferramenta revolucionária, isto é, um Partido capaz de dirigir a Revolução Socialista no Brasil. Este grupo reivindicava a atualidade do marxismo-leninismo, o legado das experiências socialistas e a atualidade da Revolução. Diante de uma luta desleal, em que a fração liderada por Freire detinha todo aparato partidário e impedia a circulação de ideias críticas nos “aparatos legais do Partido”, se impôs como uma necessidade extrapolar este aparato. Assim, camaradas de diversas regiões do Brasil organizaram uma campanha pública em defesa do PCB e realizaram um encontro no mesmo dia em que acontecia a farsa chamada de X Congresso Extraordinário pelo então Comitê Central. Ao final do encontro, os camaradas marcharam juntos até o dito Congresso, se utilizaram do tribuno para denunciar a tentativa de destruição do PCB e apontar para a construção, pelas bases, do verdadeiro X Congresso do Partido.

Esta é a primeira etapa da Reconstrução Revolucionária, cuja principal característica foi manter o PCB vivo. Foi este o objetivo que uniu camaradas de diferentes regiões e com diferentes compreensões sobre a formação sócio-histórica do Brasil, o marxismo, a revolução e o papel do Partido Comunista. Isto é, mesmo aquele grupo que defendeu a existência do PCB não era homogêneo entre si. Pelo contrário, juntava revolucionários, reformistas, PCBistas, etapistas, eurocomunistas etc., mas que tinham este objetivo em comum e, por isso, naquele dado momento, suas profundas divergências de princípio sobre diversos temas são postos para debaixo do tapete. Assim, foi possível manter o PCB vivo. Porém, iniciava-se uma dura luta para assentar o PCB nos princípios do marxismo-leninismo.

A segunda etapa, então, é a luta pela definição do caráter da Revolução no Brasil. Somente em 2005 o PCB afirma, em resolução congressual, que o caráter da Revolução Brasileira é socialista. Defini-la assim foi uma tarefa especialmente difícil naquele período histórico, em que fazia pouco mais de 10 anos do fim da URSS, e difundia-se a ilusão social-democrata no assim chamado “Socialismo do Século XXI”. Porém, a batalha por esta importante resolução, que é um marco histórico para o PCB, foi vitoriosa. No entanto, o Partido ainda era pequeno, de influência política irrisória frente à hegemonia petista no movimento popular. A partir dali, com a existência do PCB assegurada e afirmado o caráter socialista da Revolução Brasileira, uma nova tarefa se impôs: nacionalizar e massificar o PCB, para que voltasse a ter influência política, mas sem perder a firmeza ideológica. Inicia-se, então, a terceira etapa da Reconstrução Revolucionária.

Mesmo com a subordinação do movimento de massas e seus instrumentos de luta ao Estado Burguês, a luta de classes não cessou no país durante os governos petistas. Pelo contrário, a administração da crise em prol dos interesses capitalistas não poderia engendrar outra coisa senão a insatisfação popular, a desilusão com o projeto de conciliação de classes e o não reconhecimento daquele governo como representante dos trabalhadores. Tal entendimento sobre o PT e a necessidade de um novo operador político foi compreendida com antecedência pela “pequena-burguesia esclarecida”, isto é, uma parte das camadas médias da sociedade, em especial intelectuais acadêmicos. A criação do PSOL, em 2006, ilustra com nitidez essa tendência. No entanto, uma pequena parte deste setor, não só críticos ao PT, como também à alternativa PSOLista, migram para o PCB, na intenção de disputar esta ferramenta – ainda pequena e, portanto, com mais chances de vitória. Foi neste período, por exemplo, que Mauro Iasi – até então militante do PT – ingressou no Partido.

É a partir de 2013, porém, que a terceira etapa da Reconstrução Revolucionária acelera abruptamente. A crise econômica e política se generaliza, as massas vão às ruas em oposição ao governo petista e não encontram qualquer partido capaz de direcioná-las politicamente, ainda que vários partidos que faziam “oposição à esquerda” do governo petista tenham tentado emplacar sua palavra de ordem no movimento. Mesmo assim, daquelas milhões de pessoas, muitas buscaram se organizar, encontrando no PCB uma alternativa.

O desenrolar da crise agravou ainda mais a situação, levando ao golpe contra Dilma, que inaugurou um novo ciclo de lutas a partir de 2016, com especial participação do Movimento Estudantil (secundarista e universitário) e do funcionalismo público. O PCB, já com uma modesta militância em alguns estados, participa ativamente de todas as lutas construídas neste período e passa a absorver parte da nova geração de quadros críticos que se destacam ali. Foi neste período que o PCB – em especial, por meio da sua Juventude – cresceu exponencialmente, chegando a consolidar núcleos em todos os estados do país, disputar eleições de entidades estudantis e sindicais, além de ser um agente relevante na organização de lutas populares, ocupações, retomadas, etc.

Hoje, somos um Partido com alguma relevância política nacional, ainda que nossa influência política prática seja restrita a algumas localidades e lutas específicas. De toda sorte, nacionalizamos e iniciamos a massificação do PCB, principalmente nas camadas médias e universitárias, mas também – em menor medida – nos setores populares. Por sua vez, nossa presença no proletariado – a classe dirigente da revolução – ainda é insignificante. A proletarização do Partido, tanto no que diz respeito à sua composição social, quanto à linha política, estratégia e táticas, é o que caracteriza a quarta etapa da Reconstrução Revolucionária.

Como não poderia ser diferente, o período das três etapas anteriores não transcorreu sem conflitos e disputas internas. É mister destacar que a luta interna em Partidos Comunistas sempre ocorreu. Lenin já percebia esse fato e expressou em diversos escritos, relatando inclusive como em todos os Partidos Social-Democratas (que na época era o mesmo que comunista) havia uma "ala" revolucionária e uma "ala" oportunista. Essa luta interna em Partidos Comunistas é uma expressão direta da luta de classes. Precisamos ter a clareza de que essa luta pode ser conduzida garantindo a unidade de ação, com o trabalho positivo unificado do Partido, ou pode ser conduzida de forma oportunista, através do uso de mecanismos burocráticos  e transformando o centralismo democratico em centralismo burocrático.

O centralismo burocrático opera através da constante restrição do debate e da liberdade de crítica no Partido, a restrição da circulação de informações, o incentivo a uma fé cega em relação aos órgãos dirigentes, o mandonismo, o abandono da necessidade de convencimento e de escutar as bases, que tem como efeito a alienação das bases em relação ao que ocorre no Partido e, ao mesmo tempo, uma direção profundamente apartada da luta realizada pelas bases. O próprio desconhecimento de nossa militância em relação à participação na PMAI é um exemplo disso.

Para um Partido Comunista avançar em sua linha política, elaborar táticas coerentes com a Estratégia Socialista, assegurar a unidade de ação e disciplina conscientes, é fundamental que todas as ideias sobre temas táticos, estratégicos e teóricos (que não ameacem a segurança física de nossa militância) circulem livremente. Num Partido nacional e centralizado, é preciso que a militância tenha acesso às diferentes táticas e mediações adotadas em diferentes estados, cidades e locais de atuação, não só para compartilhar acúmulos e inspirar novas ações em diferentes locais, como para que possam ser criticados e corrigidos se necessário.

Em síntese, só com a circulação horizontal e vertical das informações e a organização científica das inevitáveis disputas internas (como por meio de tribunas internas permanentes e coluna(s) de jornal/jornais centralizado(s) pelo Partido para polêmicas públicas) poderemos afirmar a crítica e autocrítica como princípios balizadores da construção partidária e conformar uma unidade ideológica e de ação reais, pois a unidade interna em um Partido Comunista é efeito de sua democracia interna - caso contrário, será nada mais que unidade fictícia, formalmente declarada.

Com este tipo de debate organizado, as contradições ficam expostas para a militância, bem como as diferentes compreensões sobre diversos debates teóricos e conjunturais. A partir daí, tais temas podem ser apreendidos pelas bases, que poderão se formar politicamente também por meio dos debates. A luta ideológica seria, então, conduzida de forma a não apenas salvaguardar a unidade de ação, mas inclusive elevar a unidade de ação a um outro patamar, transformando o Partido em um corpo vivo, pensante, um verdadeiro império da crítica, edificador da disciplina consciente e da unidade orgânica de ação.

Ainda estamos muito distantes disso no complexo partidário do PCB. No período das três etapas citadas da Reconstrução Revolucionária, o Partido cresceu, se diversificou e acumulou experiências, mas sem uma firme unidade ideológica forjada através de amplos debates, baseada nos princípios marxistas-leninistas. Pelo contrário, constituímos uma frágil unidade ideológica, com forte influência da ideologia pequeno-burguesa e sustentada – muitas vezes – via centralização burocrática, o que nos levou à uma complexificação das disputas internas. Um exemplo que elucida o nível de divergência é o XV Congresso, realizado em 2014, no qual uma das principais polêmicas foi sobre a base teórica e herança política que o PCB reivindica: o marxismo-leninismo ou o “marxismo e leninismo”. Um debate que parece inútil, mas que esconde uma profunda divergência de princípios e é determinante para nossa linha política, concepção de Partido, método organizativo e entendimento do processo revolucionário.

Nesta mesma esteira, no XVI Congresso do PCB, em 2021, diversos quadros que compõem o núcleo duro da atual Comissão Política Nacional e do Comitê Central advogaram por uma tese que supunha o “fim da Reconstrução Revolucionária”, isto é, que assumia o PCB como um Partido cujo caráter revolucionário está dado, ou seja, com uma estrutura interna, concepções e linhas políticas em consonância com o marxismo-leninismo e com as necessidades exigidas pela Revolução Brasileira. Esta tese foi derrotada no XVI Congresso, o qual reconheceu a necessidade de aprofundar a Reconstrução Revolucionária do PCB.

Na verdade, a crise que vivemos é o resultado do acúmulo destas divergências, ora colocadas debaixo do tapete para salvar o Partido, ora escondidas da ampla maioria da militância em nome de uma unidade fictícia. A diferença é que o acúmulo quantitativo das divergências, que sempre se expressaram em menor medida e com características particulares em cada região, agora, dá um salto qualitativo: a disputa, condensada em nível máximo no Comitê Central, vai à público pela denúncia da escandalosa violação das resoluções congressuais por parte do ex-secretário de Relações Internacionais, Eduardo Serra. Assim, o conflito passa a tomar contornos mais nítidos para toda militância, evidenciando-se uma divergência de princípios irreconciliáveis.

A Coordenação Regional da UJC-RS, compromissada com a unidade des comunistas, se posiciona em defesa dos princípios do marxismo-leninismo e contrária à guinada oportunista operada às escondidas no interior do PCB. Em nosso debate, discutimos o significado político dos últimos acontecimentos, desviando-nos da tentativa desonesta de deslocamento da centralidade do debate, que coloca a forma da polêmica como prioritária em relação ao seu conteúdo. Este deslocamento reduz o vilipêndio cometido por Eduardo Serra e Edmilson Costa a um mero erro pontual e pessoal, na intenção de confundir a base do Partido quanto ao verdadeiro significado político das movimentações do PCB a nível internacional.

Por outro lado, observamos com preocupação uma tendência nociva na militância, que se dá em função da dinâmica própria que a polêmica vem assumindo. É preciso combater todo tipo de seguidismo acrítico nesse momento, em especial, aos camaradas Jones Manoel, Ivan Pinheiro e os demais expulsos, que aparecem como a ponta de lança na defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB. É necessário que cada camarada domine o mais profundamente possível todos os aspectos políticos de nossa disputa interna, pois, só assim poderão tomar uma decisão livre e consciente ao seu respeito, condição fundamental para construir – na prática – uma organização que supere os erros agora apontados.

Nesse sentido, destacamos que o conflito não se resume à uma questão organizativa. Ainda que o debate acerca do centralismo democrático apareça como central diante de tantas denúncias de perseguição, burocratismo e fraccionismo da direção central do PCB (evidenciado tanto pela participação na PMAI, quanto pelas circulares e notas recentes), é preciso que nossa militância tenha por certo que os métodos organizativos estão sempre subordinados a uma determinada linha política. Se há um método organizativo que cerceia a livre circulação de críticas, há uma concepção e linha políticas sendo protegidas por ele. Assim, constatamos que o centralismo democrático (e seus princípios desfigurados pelo PCB) é um dos quatro principais eixos que caracterizam essa disputa, sendo os outros três fundamentalmente políticos: 1) o internacionalismo proletário; 2) o papel do Partido na Revolução Socialista; 3) a hegemonia proletária na formulação tática e estratégica.

Para além de contrariar as resoluções do PCB (conforme demonstrado pela Circular 028 da CN-UJC), nossa participação na PMAI é um claro gesto de afastamento do campo revolucionário do Movimento Comunista Internacional, nomeadamente, do KKE (Partido Comunista da Grécia), do TKP (Partido Comunista da Turquia), do PCM (Partido Comunista do México), do PCTE (Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha), do FC (Frente Comunista da Itália), dentre outros que vêm levantando a bandeira do marxismo-leninismo, do internacionalismo proletário, do combate ao eurocomunismo, ao revisionismo e ao reformismo social-democrata. A articulação destes partidos se dá, principalmente, por meio do Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários (EIPCO) e da Revista Comunista Internacional, ao que a PMAI se coloca como um contraponto. O apoio desta Plataforma aos oligopólios russos na guerra interimperialista demonstra a negação do marxismo-leninismo e uma clara traição à classe trabalhadora, e indica o caminho para o qual o PCB está sendo conduzido pela facção que hegemoniza o Comitê Central.

O afastamento consciente do PCB em relação a estes Partidos se evidencia na tentativa de demonizá-los frente a nossa militância, como na Circular Nº 22 da CPN, em que coloca o KKE, um dos partidos marxistas-leninistas ortodoxos mais organizados, capilarizados e consequentes da Europa (o que não significa que não tenha erros), como sendo um “provocador de rachas” nos demais Partidos Comunistas (PCs) do mundo. Esta colocação, por si só, evidencia a concepção oportunista acerca do internacionalismo perpetrada pela direção do PCB. Primeiro, porque dissimula descaradamente e ataca sem fundamentar politicamente um Partido irmão, com o qual o PCB desenvolveu estreitas relações, em especial durante o período que Ivan Pinheiro foi secretário-geral. Segundo, porque aquilo que a CPN chama de “provocador de rachas”, na verdade, se refere ao papel crítico e polemista que o KKE assume – tanto no plano internacional, quanto nacional. É um Partido que não se furta de criticar os erros táticos e estratégicos de outros PCs, a fim de disputar política e ideologicamente o MCI no sentido revolucionário.

Não sendo o suficiente, a CPN vai além e torna ainda mais evidente sua concepção oportunista de internacionalismo ao colocar a autoproclamação de outros partidos como “comunistas” e “marxistas-leninistas” como sendo critério absoluto para estabelecer relações de confiança e troca políticas. Assim, se exime de analisar concretamente a ação prática e o correspondente embasamento teórico de cada partido, abrindo mão de criticá-los e reduzindo o papel do PCB no âmbito internacional a mero espectador da luta de classes: um partido ingênuo e sem opinião. Tal postura é absolutamente distante da adotada por Lenin (antes, durante e após a Revolução), cuja crítica ao esquerdismo, ao oportunismo e outros erros dos demais partidos operários nunca deixou de fazer. Afinal, o capitalismo é um modo de produção global, que engendra a luta de classes no mundo todo, o que faz da luta comunista mundial. Mesmo que dividida por territórios nacionais (divisas que só servem às classes dominantes), a classe trabalhadora é uma só e, portanto, sua vitória em cada canto do mundo deve ser preocupação de todos(as) comunistas.

Daí já se verifica o segundo eixo político da polêmica: a vacilação e confusão quanto ao papel de vanguarda do Partido. Hoje, em vez de vanguarda, o PCB – a nível nacional – cumpre o papel de retaguarda na luta de classes (com raras exceções locais), ou seja, se coloca atrás do movimento de massas, refém do peleguismo para quem terceiriza a culpa de sua insuficiência política. É claro que isso não significa menosprezo por diversos trabalhos locais que fazemos com êxito e protagonismo. Porém, o objetivo de uma organização marxista-leninista não é ser um mosaico de trabalhos locais, artesanais e fragmentados, mas sim, elevar todos os trabalhos ao plano nacional, profissional e unificado, no sentido de constituir um exército de trabalhadores(as) para a tomada violenta do poder político. Se hoje há sucesso em alguns locais, isso se deve mais pela iniciativa isolada de núcleos ou instâncias regionais, que por uma direção planejada e centralizada nacionalmente. Ainda assim, mesmo nestas iniciativas locais, raramente conseguimos superar o economicismo.

O partido de vanguarda é o que reúne e prepara os quadros de consciência mais avançada do movimento de massas; é o partido do proletariado urbano, constituído majoritariamente por ele, classe que é vanguarda e dirigente do processo revolucionário; é o partido que marcha à frente do movimento, isto é, que tem a capacidade política e organizativa de direcionar cada explosão espontânea do movimento, elevando as pautas imediatas e econômicas ao nível político e revolucionário, no sentido da tomada do poder. Tal trabalho só pode se efetivar com uma estrutura centralizada e nacional, e por meio de uma obstinada e constante disputa ideológica no seio da classe trabalhadora, com denúncias implacáveis a todo tipo de reformismo, etapismo, oportunismo, esquerdismo e outros desvios que atrasam o movimento de massas, bem como pelo trabalho de formação, agitação e propaganda sobre os principais temas teóricos e conjunturais.

Na contramão desse papel, nos últimos anos, o PCB se subordinou à hegemonia da pequena-burguesia no movimento de massas, notadamente à direção do PSOL e – em menor grau – do PCR, o que chama de “campo socialista”. Com uma política frouxa e sem independência de classe, nossas iniciativas dependem do aval destes partidos, sem os quais não movemos um dedo a nível nacional. Soma-se a isso a completa ausência de críticas públicas a estes partidos, que se apresentam como alternativas à classe trabalhadora, mas, na prática, fazem nada mais que vender ilusões institucionais, com palavras de ordem rebaixadas e sem qualquer perspectiva revolucionária. O papel de um Partido de vanguarda é o de apoiar tais partidos “como a corda apoia o enforcado”, denunciá-los ampla e abertamente a cada passo que dão (da mesma forma como devemos fazer com o PT, PCdoB e os demais partidos burgueses) e não tê-los como aliados absolutos em cuja relação nos diluímos (o que não significa, obviamente, abrir mão de qualquer aliança por princípio).

Um bom exemplo que demonstra nosso abandono da independência de classe e do papel de vanguarda do Partido é nossa atuação nas últimas eleições, em que buscamos apresentar um projeto reformista “aplicável”, e sequer usamos das poucas oportunidades que tivemos na mídia para denunciar a farsa que é a democracia burguesa, menos ainda para propagandear o socialismo como única saída para a classe trabalhadora. Outro exemplo é o claro reboquismo a determinados setores da burguesia na luta pelo impeachment do Bolsonaro, em que assinamos – junto a diversas entidades e partidos burgueses – uma carta pelo impeachment e em defesa das instituições burguesas.

Por fim, isso nos leva ao terceiro ponto político, que diz respeito à hegemonia proletária na formulação tática e estratégica. A hegemonia proletária é a afirmação do proletariado enquanto classe dirigente do processo revolucionário, princípio que deve guiar toda nossa formulação política. Isso significa que toda tática e estratégia adotadas devem ter por base a independência do proletariado em relação às tentativas de subordinação desta classe aos interesses das demais classes, seja da pequena-burguesia, seja da própria burguesia. Ao contrário, são os interesses revolucionários do proletariado que devem pautar o movimento de massas; é o proletariado que deve dirigir e arrastar as demais classes da sociedade e subordiná-las aos seus interesses.

Os mesmos exemplos citados anteriormente são válidos para visualizar este erro de princípio no PCB. Porém, outro exemplo que o demonstra com nitidez é a tática de construção do chamado “Fórum Sindical, Popular e de Juventudes pelas Liberdades Democráticas” (conhecido como “Forumzão”), que reunia o PCB e correntes social-democratas e oportunistas do PSOL. Este Fórum, cujo caráter foi declarado como “tático” para organizar o Encontro Nacional da Classe Trabalhadora (ENCLAT),  tornou-se o balizador de qualquer iniciativa do PCB. Isto é, todo tipo de ação de massas precisava ter o aval de correntes como Construção Socialista e Resistência e, quando não havia, rebaixamos nossa linha política e tática ao que fosse consenso. Na prática, o que seria “tático” tornou-se estratégico: tais organizações da pequena-burguesia foram eleitas pelo CC como aliadas fundamentais e, no fim, como direção efetiva da política do PCB. Dito isso, nada deve surpreender que nossas relações políticas na direção do Andes-SN balizam todas as relações dentro do tal “Forumzão”.

No mesmo sentido de subordinação do proletariado a interesses alheios, a política da “Plataforma Mundial Anti-Imperialista” da qual a CPN do PCB se aproxima, nega a centralidade da contradição capital-trabalho na luta de classes ao defender que o proletariado deve apoiar um lado da guerra imperialista, subordinando seus interesses aos da burguesia russa. Em síntese, tal aproximação denota o abandono da política de “classe contra classe” – indispensável para assegurar a independência política do proletariado no sentido da luta revolucionária – e assume a política de “império contra nação”, que dilui os interesses de classe e reduz sua contradição a um suposto interesse nacional, que nada mais é que o interesse das burguesias nacionais. Ou seja, é uma linha política que subordina os interesses do proletariado aos das burguesias nacionais. Não é por outro motivo que a participação do PCB nesta plataforma é um sinal de alerta crítico, que levou o conflito interno de nosso Partido ao ponto em que está.

Por fim, um fator determinante – mas não único – para o abandono da hegemonia proletária é a própria predominância das camadas médias e brancas no Partido, esta que configura a maioria nos cargos de direção. Mesmo com a política de “giro operário-popular” definida ainda no VIII Congresso da UJC, em 2018, avançamos a passos lentos e com pouca firmeza nesse sentido. A UJC no RS é um exemplo crítico dessa situação, em que a militância não-branca é minoria absoluta. Apenas para se ter noção, dos mais de 400 pedidos de recrutamento para a UJC-RS, mais de 75% se autodeclaram brancos. Isso indica que é a própria política de nossa organização que atrai mais pessoas brancas do que negras.

Ao olhar para nossa precária estrutura organizativa e financeira, percebemos que – como uma instituição burguesa – a dificuldade maior para a militância negra e/ou pobre não é só entrar, mas permanecer. Um fator determinante é como as relações de camaradagem (ou melhor, não-camaradagem) se estruturam a partir de vícios pequeno-burgueses carregados pelos setores médios que hegemonizam a UJC e o PCB, marcados por uma cultura relacional racista, que engendra a dinâmica de nossos ambientes internos, levando ao afastamento de diversos camaradas negros(as) que, de forma unânime, relataram não se sentirem parte da organização, nem acolhidos, nem identificados com seus espaços compostos majoritariamente por pessoas brancas. A acusação de racismo estrutural na UJC-RS (especialmente, da Região Metropolitana e no núcleo UFRGS), por parte destes camaradas, esteve presente em suas cartas de afastamento.

Ainda que este problema não seja comum a todos os estados, há um reconhecimento geral da composição social branca e classe média da UJC e, principalmente, do PCB à nível nacional. Se não é verdade que a origem de classe da militância é o determinante absoluto para a política adotada por ela – e acreditar nisso tende a cair no obreirismo –, também não pode se negar que a predominância absoluta dos setores médios (especialmente, dos trabalhadores de alto salário) e brancos nos cargos de direção do Partido tende a influir na adoção de uma linha política limitada aos interesses deste setor, especialmente quando não há uma rígida política de formação teórica, projeção de quadros e um vínculo estreito e cotidiano da direção com a base.


Em vista de todos os elementos abordados, a Coordenação Regional da UJC-RS convocou toda militância do estado para discutir a situação partidária. O posicionamento praticamente unânime (com apenas um voto contrário) foi pela retomada e aprofundamento da Reconstrução Revolucionária, em defesa do marxismo-leninismo e do socialismo-comunismo. Nesse sentido, apostamos no XVII Congresso Extraordinário do Complexo Partidário do PCB com a participação ativa dos coletivos, construído em articulação pelos organismos de base e intermediários à revelia dos intentos fracionais do Comitê Central. Entendemos que esta é a única alternativa possível para lidar com um conflito desta gravidade, já que – conforme aferido – há uma contradição de princípios irreconciliável, cuja solução positiva, isto é, a unidade orgânica e do complexo partidário só pode ser alcançada por meio de um amplo e livre debate, seguido da decisão consciente da maioria.

Saudações revolucionárias!

Coordenação Regional - Rio Grande do Sul
União da Juventude Comunista