'A pressa é inimiga da Reconstrução' (Diego Borges)
Algo que, por exemplo, não sai da minha cabeça desde o racha, é como podemos elaborar coletivamente uma estrutura partidária que não permita a captura do partido pelo Comitê Central ou outras instâncias dirigentes.
Por Diego Borges para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, escrevo esse texto não com o intuito de gerar sínteses objetivas nem me colocar em uma posição de observador iluminado, e sim externar preocupações e reflexões acerca do que pretendemos construir enquanto Reconstrução Revolucionária. Acredito que existam duas armadilhas que devamos evitar a todo custo para que todo o esforço militante dos últimos meses, além dos muitos que virão, não acabe sendo uma Vitória de Pirro: a ideia de que deixamos para trás os vícios que levaram ao racha, e a necessidade obsessiva de ser diferente do antigo PCB.
Em O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, na ânsia de capturar o Marlin, Santiago acaba com feridas por todo o corpo e tem sua caça devorada por tubarões no caminho à margem, sobrando apenas a carcaça daquilo que fora sua grande obsessão durante os dias de pesca. Guardadas as devidas proporções e intencionalidades da obra original, não consigo deixar de fazer paralelos com o que estamos passando atualmente. Desde que o racha se instaurou, a celeridade com que os processos de chamamento ao Congresso Extraordinário tem se dado me faz questionar o quanto a base está efetivamente a par dos movimentos das instâncias superiores e com as ferramentas teóricas suficientes para elaborar que tipo de Reconstrução queremos realizar.
Acredito que navegar na direção contrária daquilo que foi o PCB não necessariamente nos coloca na direção correta, porque é ainda nos deixar sequestrar pela lógica daquilo que tentamos superar. Algo que, por exemplo, não sai da minha cabeça desde o racha, é como podemos elaborar coletivamente uma estrutura partidária que não permita a captura do partido pelo Comitê Central ou outras instâncias dirigentes. Não que eu duvide do caráter de quem está no Comitê Nacional Provisório e nem do centralismo democrático enquanto ferramenta político-organizativa mais adequada para dirigir um processo revolucionário, mas só ser diferente do antigo CC não basta. Ser um anti-A não quer dizer nada, precisamos suprassumir o antigo, e não se deixar levar por uma negação suficiente em si mesma.
Para não dizer que não falei das flores, considero fundamental e um alento para toda a militância a abertura pública da Tribuna de Debates, afinal não é apenas quem está dentro do partido que deve discutir a Reconstrução Revolucionária, mas toda a classe trabalhadora. Ainda que o ritmo de publicações torne difícil o acompanhamento cotidiano das produções de camaradas muito qualificados, isso é só mais um reflexo da vontade das bases de participar e refletir tanto do que foi quanto do que virá, e acredito que as instâncias superiores devam fazer um exercício similar de que talvez a paciência do conceito exija que os próximos passos sejam tomados no seu devido momento, de maneira conjunta às bases, e não de maneira que sejamos arrastados por uma obsessão apressada de construir uma antítese amorfa do antigo PCB.
Parte do que, a meu ver, é fundamental para que construamos um partido que se coloque de maneira legítima enquanto vanguarda da classe trabalhadora é fazermos um esforço militante de tornar o novo PCB em um lugar que contenha todas as determinações da sociedade brasileira. Precisamos urgentemente fazer um balanço não apenas dos motivos de quebras de militantes por sobrecarga de tarefas e assédio moral, mas também de combater homofobia, racismo, transfobia, misoginia e agir com o mais profundo rigor contra crimes sexuais. Acredito que negligenciar temas de gênero e raça com o escudo da “pós-modernidade” e “identitarismo” é uma maneira covarde de encarar que, se não temos marxistas o suficiente elaborando sobre tais questões, a culpa é nossa, e precisamos urgentemente correr atrás.
Se o Marx precisou ler autores liberais e reacionários para elaborar os livros do Capital, por que nós, meros mortais, precisamos fugir de obras de autores não marxistas para formular sínteses e absorver o que pode ser absorvido? Nem ao menos fazer esse esforço demonstra tanto uma falta de compreensão abissal do que significa ser apegado ao método do Materialismo Histórico-Dialético, quanto uma falta de convicção ideológica forte o suficiente para não conseguir analisar o objeto em suas múltiplas determinações da maneira como o marxismo coloca.
Não venho com esse texto com a intenção de frear o ímpeto de reconstruirmos o partido, muito menos de relativizar a importância e a urgência do XVII Congresso Extraordinário do PCB. Acredito que vários dos meus questionamentos e receios serão devidamente debatidos neste espaço e que estamos em um caminho melhor que o abismo ao qual estávamos caminhando. No entanto, a pressa de seguir uma nova estrada sem a base refletir de maneira adequada os elementos que nos trouxeram até o presente momento carrega consigo o problema de, no fim das contas, não nos tornarmos tão diferentes assim. Pretendo desenvolver as questões apresentadas de maneira mais consistente em tribunas futuras, mas desde já agradeço a atenção.