'A política dos comunistas para as putas e entregadores no Brasil: o trabalho político no ramo da informalidade' (Nina Peres)

É demandado, neste momento, não apenas saudar a iniciativa de grupos de trabalhadores informais no Brasil que buscam se rebelar contra a intensificação da precarização do trabalho (segundo a organização que os é possível). Mas estudar a possibilidade de unir lutas em prol de uma construção coletiva.

'A política dos comunistas para as putas e entregadores no Brasil: o trabalho político no ramo da informalidade' (Nina Peres)
"Uma grande parcela de nossa classe produtivamente ativa (pelo menos quarenta milhões, segundo parâmetros excludentes) é estrategicamente boicotada de se inserir amplamente nas lutas de nossa classe e isso não é uma coincidência do destino, camaradas."

Por Nina Peres para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

INTRODUÇÃO

Esse texto busca, humildemente, debater a inclusão dos trabalhadores informais e uberizados na perspectiva organizada da luta de classes. Defende-se aqui um movimento urgente de integração daqueles que mais sangram com a onda de destruição dos direitos trabalhistas no Brasil, dos que vivem uma situação de escravidão institucionalizada, porém camuflada tanto pelos aparelhos repressivos quanto ideológicos de Estado.

A expressiva massa de trabalhadores informais no setor de serviços brasileiro têm experienciado nos últimos anos, a largos passos, os resultados de um processo caótico de subsunção real do trabalho ao capital, no que Abílio (2017) nomeia hoje no Brasil como uma processo de ‘subsunção real da viração’.

Para a teoria marxiana, a subsunção real do trabalho ao capital significa “uma revolução total, que prossegue e se repete continuamente, no próprio modo de produção” a partir do desenvolvimento tecnológico-produtivo como força motriz da extração de mais-valia relativa (Marx, 1978). Isto é, se possibilita uma sofisticação na extração de mais-valia ao refinar as formas de exploração por meio do desenvolvimento das forças produtivas.

Abílio (2017) acrescenta ao conceito de Marx, tendo em vista o contexto brasileiro, a ideia da “viração produtiva” dentro dessa lógica sofisticada de exploração com avanços nas ferramentas. A prática de viração é facilmente já reconhecida pelos trabalhadores precarizados e informais há muitas décadas: a ideia de “viver por um fio” e aproveitar as oportunidades de bicos, programas sociais remunerados, serviços como freelancer e prestador autônomo; até mesmo combinando-as.

Mas, é evidente que há uma expansão desses perfis de trabalho neste século, tendo sido o Estado responsável por institucionalizar e naturalizar as atividades intermitentes, sem responsabilidades do empregador para com os empregados, estabelecendo o autofinanciamento do trabalhador e do exercício de seu próprio trabalho, ainda atentando contra o reconhecimento dos poros do trabalho. Houve um retrocesso com relação às lutas sociais e sindicais do século XX, expressa na aprovação da Reforma Trabalhista de Temer, embora os governos petistas tenham colaborado para esse cenário (a ampla viabilidade de contratação por MEI promovida pelo PT é um dos exemplos).

Diz Krein (2018) que a proposta de categorizar os trabalhadores informais enquanto microempreendedores, a fim de supostamente situá-los no mercado de trabalho, converteu-se no barateamento das formas de contratação. Esse é um saldo dos governos petistas que precisa ser admitido.

Quanto ao processo de negação dos poros do trabalho, vê-se como um princípio sistemático na ofensiva capitalista à nossa época. Então, a força de trabalho deve agora passar pelo crivo enxuto de eficiência empresarial: é usufruída por demanda, de forma menos especializada e multifuncional, no tempo útil de produção, desconsiderando vácuos em que o trabalhador não está diretamente sendo produtivo (deslocamentos, organização de tarefas, manutenção de algum meio de trabalho, um curso profissionalizante). Essa última problemática vinculada ao reconhecimento do tempo produtivo, que sintetiza a ideia de abolição dos poros do trabalho, se aproxima da proposição de Tábata Amaral no projeto de lei 3748/20 “Trabalho por Demanda”.

O embasamento teórico que orienta essa tribuna se estrutura, direta ou indiretamente, pela produção marxiana, de Ricardo Antunes e Ludmila Abílio. Ademais, esse texto buscará associar o debate mais diretamente a duas categorias que hegemonizam o debate intelectual sobre trabalho informal e uberizado atual: a ‘puta’ e o ‘entregador de aplicativos’. Sendo a primeira uma atividade produtiva tipicamente feminina e LGBTQIA+, enquanto a segunda é tipicamente masculina e negra. São categorias estigmatizadas (e invisibilizadas) pela moral burguesa do que é trabalho e até justiça social na contemporaneidade.

Ambas as categorias, percebidas hegemonicamente como não profissionais e amadoras, são essenciais para desenvolver a crítica e trabalhos políticos sobre os novos nichos produtivos, massivos, à altura dos tempos de capitalismo de vigilância e plataforma o qual nos alertam Zuboff (2018) e Srnicek (2017), respectivamente. Os recortes de gênero e raça, nesses dois casos, são evidentes e tendem a confirmar a hipótese de que a divisão sexual do trabalho tem sido reforçada pelas novas metamorfoses do trabalho.

É comum perceber que, muitas vezes, diante da insuficiência financeira, mulheres e pessoas LGBTQIA+ acabam encontrando um meio de sobreviver no trabalho sexual, seja ele no camming online, na prostituição de rua, na produção e venda de conteúdos pornográficos, no trabalho doméstico e até em relacionamentos, ao passo em que homens negros e de periferia se inserem rapidamente no setor de serviços por entregas, uma atividade considerada de alta periculosidade, baseada nas necessidades “just-in-time” (Abílio, 2017) ou “on-demand” (De Stefano, 2016) do mercado e seus consumidores.

É fato que há uma apropriação sócio-racial e de gênero no horizonte da exploração do trabalho pelo capital. Essa é uma condição estruturante do capitalismo que se mantém e aparenta se fortalecer no contexto de informalidade em massa do século XXI. A divisão sexista e racista do trabalho continua a perpetuar mulheres em atividades sexuais, de cuidado, e tarefas domésticas, enquanto homens predominam em categorias onde a agilidade e a resistência física são mais colocadas em cheque.

Sabe-se que os trabalhadores informais constituem uma multidão devorada pela centralização das formas de controle capitalista, enquanto em postos de trabalho e tarefas produtivas o proletariado é cada vez mais disperso. Mas, também é preciso expor que acaba-se por reproduzir um padrão de segregação desses indivíduos também nas fileiras das organizações que visam construir o poder popular e uma política revolucionária para as massas, como é sintomático que aconteça.

E é nítido que esse afastamento não se dá simplesmente pela arrogância ou má vontade de camaradas que repartem conosco o ideal de uma nova sociedade, há uma lógica desagregadora maior que precisa ser desarticulada. Ainda que seja visível o desinteresse de muitos com relação à inserção militante nas pautas e mobilizações de categorias informais, já que se tratam de trabalhadores despojados de uma espécie de validação burguesa para melhor inserir-se no meio sindical e mesmo carecem de uma identidade profissional amplamente reconhecida.

Na realidade, mais do que as argumentações que essencialmente personalizam em X ou Y a culpa da falta de inserção orgânica de comunistas em meio ao proletariado informal, é importante entender que o estado de marginalização imposto a esses trabalhadores, que afeta desde suas condições de trabalho, tempo, a suas possibilidades de sociabilidade política, é estruturalmente devastador e requer maior atenção. No entanto, esse entendimento não pode levar organizações revolucionárias a se isentarem de combater a ofensiva burguesa a fim de organizar a classe trabalhadora contra não só um movimento de intensificação da precarização, como para minar o progresso dos capitalistas e agir na raiz do problema.

Hayek (apud Fachin, 2020) teorizou que o sindicalismo classista seria o oponente direto a ser combatido pelo neoliberalismo. Essa defesa se mostrou contundente em nossas experiências recentes na luta sindical brasileira, enxergamos a execução desse plano em desenvolvimento, enquanto pouco reagimos aos destroços ao nosso redor. Uma grande parcela de nossa classe produtivamente ativa (pelo menos quarenta milhões, segundo parâmetros excludentes) é estrategicamente boicotada de se inserir amplamente nas lutas de nossa classe e isso não é uma coincidência do destino, camaradas.

Reconheço: é cansativo, demanda esforço, desgaste, mas é uma tarefa urgente dos comunistas de nosso tempo unir a classe trabalhadora e espantar a afronta da individualização compulsória como regra estruturante dessa realidade gamificada chamada sobreviver em tempos de neoliberalismo. Antes que o processo ganhe contornos mais drásticos, que jovens militantes valorosos sejam cooptados pela uberização de suas vidas e se afastem das lutas, antes que estejamos inteiramente submissos a uma realidade onde: “todos podem ter um tipo de trabalho onde não tem mais limite de jornada, não tem mais dia e noite” (Antunes apud Hermanson, 2019).

É demandado, neste momento, não apenas saudar a iniciativa de grupos de trabalhadores informais no Brasil que buscam se rebelar contra a intensificação da precarização do trabalho (segundo a organização que os é possível). Mas estudar a possibilidade de unir lutas em prol de uma construção coletiva.

Medidas menores como organizar plenárias de debate e aprendizado, forjar um grupo de estudos sobre as metamorfoses do trabalho no século XXI e o perfil de trabalhador engajado nas últimas décadas, dispor formações planejadas com a contribuição de trabalhadores informais, ouvir movimentos já existentes que lutam pela regulamentação de suas categorias. Essas são medidas que já representam os primeiros passos para iniciar essa inserção.

ENTREGADORES DE APLICATIVO

Primeiramente, deve-se afirmar que a categoria dos entregadores de aplicativo é marcada por uma composição majoritariamente masculina e negra. Além disso, esses trabalhadores foram obrigados a se adaptarem a uma dinâmica de adoecimento físico e mental, naturalização dos acidentes de trabalho e de destruição do reconhecimento dos poros remunerados do trabalho, sobretudo ao racismo institucionalizado pelo Estado com a Reforma Trabalhista de 2017, apesar da informalidade ser um problema antigo que se situa no contexto de nossa formação escravocrata enquanto sociedade.

No setor de serviços, especificamente no ramo de entregas, precisa-se lidar com uma noção de tempo escassa onde cada hora é valiosa para tentar complementar rendimentos. Assim, esses trabalhadores afastam-se cada vez mais de seu seio familiar para cumprir jornadas degradantes de trabalho que, em muitos casos, chegam a atingir mais de 10 horas diárias.

A pesquisa "Condições de Direitos e Diálogo Social para Trabalhadoras e Trabalhadores do Setor de Entrega por Aplicativo em Brasília e Recife" feita pela CUT em parceria com a OIT no ano de 2021, explicita o dado de que um entregador de aplicativos trabalha 65 horas semanais para alcançar uma média mensal de R$ 1.172,62.

Abílio (2019) sugere existir uma relação de autogerenciamento subordinado, isto é, esse trabalhador assume partes importantes da execução do trabalho, sem que receba por isso, tenha financiamento ou autonomia enquanto gerente de si, é subordinado a se auto gerenciar para que possa sobreviver enquanto financia mais lucros, com enxugamento de gastos, às empresas. Sua única possibilidade é empreender a si próprio para que sua força de trabalho se torne mais atrativa, em termos de habilidades, autoformação, manutenção dos meios de trabalho. O trabalhador de entregas por aplicativo tornou-se o símbolo contemporâneo do empreendedor de si próprio, da empresa de si, em uma aproximação ao sujeito economicizado que já era teorizado por Foucault (2008) e Wendy Brown (2018).

A intelectual Ludmila Abílio (2020) expõe uma perspectiva que parece óbvia, mas pouco fundamentada nos debates gerais a respeito. De que a categoria dos entregadores, principalmente ao se tratar da figura dos bikeboys, é essencialmente periférica e se fundamenta pela cooptação das realidades de vida de uma população trabalhadora que é cada dia mais jovem. Funde-se o âmbito pessoal com o profissional, mas sem que haja nenhuma profissionalização de fato.

Os entregadores bikeboys e motoboys possuem diferenças nítidas na forma com que autogerenciam suas tarefas de trabalho, nos rendimentos e custos exigidos para o trabalho, porém compartilham das mesmas contradições centrais. O bikeboy por exemplo se destaca por rendimentos mensais consideravelmente inferiores ao dos motoboys, além de realizar maior esforço físico, mas, por outro lado, não possuem os gastos semanais com combustível e manutenções mais complexas do veículo. São questões importantes a serem levadas em conta.

Na segunda metade do século XX, o trabalhador do ramo de entregas (geralmente terceirizado) constrói seu perfil de trabalho a partir da ideia de “profissão perigo”. A realidade dos motoboys antigos se mostrou dramática: um exército de trabalhadores multilados, sem pernas, sem braços, com pinos de metal implantados no corpo. Que depois de um acidente que debilita a produtividade, são descartados como lixo, sem possibilidade de continuar trabalhando na categoria, ainda tendo que recorrer a amigos e familiares para sobreviver. Esses são os traumas que alguns trabalhadores de entregas mais velhos (os motoboys) costumam ter vivenciado ou visto entre seus colegas de categoria.

Porém, é comprovado em dados que existe hoje a predominância de trabalhadores cada vez mais jovens no ramo de entregas, enfrentando a realidade de violência já no contexto de uberização, são o perfil alvo.

A juventização dos trabalhos no setor informal de serviços não é um problema apenas por demonstrar uma adesão precoce a essas atividades, como por demonstrar a exclusão de trabalhadores mais velhos das oportunidades produtivas disponíveis. O perfil do entregador é, atualmente, um perfil multifuncional, de um jovem que aguenta com menos dificuldades de saúde permanecer incontáveis horas em cima de uma bicicleta ou moto, que possui maior afinidade com a tecnologia digital e para se relacionar com os clientes consumidores, também para adaptar-se às demandas “just-in-time” do trabalho. O papel da responsabilização familiar igualmente parece estar se readaptando a uma conjuntura mais grave, onde a juventude trabalhadora é mais pressionada a prover o sustento dos seus.

A plataforma iFood chega a fazer vista grossa com relação ao cadastro de menores de idade, apesar do guia de contratação barrar essa possibilidade, em teoria. Afinal, é muito mais lucrativo quando há possibilidade de que as restrições etárias da atividade produtivas sejam fáceis de burlar, já que ainda não se há conjuntura para que essas empresas-aplicativos defendam em termos claros a exploração do trabalho infantil e juvenil.

Mas, apesar de tamanho desprezo do Estado e das elites à essa categoria formada por jovens negros, mesmo com a destruição dos direitos trabalhistas como coerção, os entregadores de aplicativo deram um show de mobilização quando grande parte da esquerda progressista utilizava o mote “Fique em Casa”, durante a pandemia de Covid-19. Assim, os entregadores protagonizaram um importante calendário de lutas, atropelando o sentimentalismo cristão da classe média brasileira em se abster da política quando o Governo Bolsonaro era o principal vírus a ser combatido.

Dentre os movimentos e coletivos que lideraram mobilizações e reivindicações da categoria durante a pandemia, cito alguns fundamentais:

  • Coletivo Independente de Trabalhadores de Aplicativo (C.I.T.A)
  • Movimento dos Entregadores Antifascistas (EAF)
  • Movimento de Paralisação Breque dos Apps
  • Cooperativa Despatronados
  • Associação dos Motofretistas Autônomos e Entregadores do Distrito Federal (AMAE DF).

Algumas dessas organizações vivenciaram uma quebra de seus trabalhos após o encerramento da pandemia, abolindo o caráter nacional de deliberação. Mas vale citar que houve possibilidade de abertura do PCB DF com o EAF e com a AMAE DF, não aproveitada pela sabotagem de direções antigas à inserção do camarada Matheus Sousa nas lutas da categoria enquanto membro do PCB, um processo de perseguição política.

A capacidade de organização das massas em grupos militantes, mais espontâneos ou mais organizados, de entregadores revela a potencialidade revolucionária da categoria. A alegada fragmentação como dinâmica estruturante a esse proletariado nos espaços políticos e de trabalho não foi um empecilho para que estes buscassem agir por seus direitos, articulando até mesmo ação direta, utilizando das brechas disponíveis para resistir enquanto um exército proletário com força de aglomeração. Uma prova do potencial desse grupo é que as mobilizações de informais por aplicativos durante esse período, apesar de não estabelecerem restrições quanto à composição, foram majoritariamente tocadas e protagonizadas pelos entregadores.

Nessas mobilizações, viu-se tanto um esforço de cibermilitância ao agregar consumidores para apoiar boicotes, quanto a organização de moto-carretas e piquetes para interromper o andamento das entregas. Experiências que podem ser estudadas pelos comunistas para melhorar táticas de luta e desmistificar o papel da ação direta.

Não vejo porque reproduzirmos a institucionalidade burguesa, usando da ordem, para mantermos nossos receios com relação à atuação sindical e política desse grupo. Desse modo, precisamos nos desadestrar dos estereótipos cultivados em abstrato, com base nas experiências do século XX, na luta sindical: elevação de um operariado aglomerado no chão de fábrica que serviu como base para se estabelecer uma métrica de potencialidade do sujeito revolucionário.

PROSTITUTAS

Ao adentrar a categoria das putas, vê-se que esta se constitui como tipicamente feminina e LGBTQIA +, sendo as trabalhadoras produtivas por meios digitais ou não digitais. Quanto à formação racial, alguns estudiosos argumentam não reconhecer um perfil padronizado de pessoas negras ou brancas estabelecido, como é o oposto do que ocorre com bike boys e motoboys ao serem categorias lidas como predominantemente masculinas e negras. Contudo, essa noção não pode ser afirmada com tanto embasamento de dados devido à insuficiência de pesquisas metodologicamente comprometidas em analisar essa atividade tão invisibilizada, e devido à amplitude de nichos de trabalho (pouco compreendidos) entre uma gama cada vez maior de pessoas, tendendo a não se limitar a grupos específicos de trabalhadores.

Ao contrário dos entregadores de aplicativo, os rendimentos advindos do trabalho sexual podem variar de forma mais oscilante, mas é necessário que compreendamos que uma minoria mesmo com rendimentos comparativamente mais altos ainda se constitui como proletariado informal do ramo. Ressalto que rendimentos elevados não são a realidade para a grande maioria das pessoas que adentram essas atividades. Em um debate mais complexo, a massa de trabalhadoras sexuais domésticas são um exemplo de trabalhadoras que nem são remuneradas, correto?

Sabe-se que apesar de desejos particulares existirem, a insuficiência material financeira age como um pontapé para a adesão a atividades informais. Tomada de decisão árdua ao se tratar da pornografia/prostituição, já que as mulheres que se assumem enquanto trabalhadoras do sexo são incansávelmente atacadas pelos princípios artificiais da “família tradicional brasileira”.

A prática de ataques morais também respinga em alguns de nossos camaradas por motivos de ideologia, assim como a misoginia, o racismo e a LGBTfobia (subjugadas pela ala mais conservadora como pautas pós-modernas). Trago aqui uma comprovação histórica da violência instaurada pelo Estado brasileiro a esse grupo de trabalhadoras mulheres e LGBTQIA + há algumas décadas, que ajudam a situar pautas políticas nos debates atuais. Nesse sentido, falemos das ditaduras militarizadas de caráter fascista.

A ditadura empresarial-militar na década de 60 no Brasil, não perseguiu apenas comunistas e figuras declaradamente subversivas ao regime fascista. As prostitutas e a população trans sofreram um verdadeiro caça às bruxas somente por sobreviverem enquanto grupos que, para as elites, deveriam ser criminalizados e supostamente extintos para elevar a ordem pública.

Mulheres trans e travestis, nesse período de pânico à repressão, portavam navalhas debaixo da língua para escapar de prisões e tentativas de homicídio, já que havia um nojo de seu sangue. O discurso hegemônico afirmava que o sangue de LGBTs e prostitutas seria “contaminado” pela Aids (chamada pejorativamente de “praga gay”). A Operação Tarântula foi significativa ao sintetizar essa defesa higienista, mantendo a repressão da ditadura empresarial-militar às prostitutas mesmo frente à reabertura “democrática”.

A Operação Tarântula, que completou 36 anos em fevereiro de 2023, foi um caso onde a Polícia de São Paulo comandou práticas reiteradas de perseguição e homicídios às trabalhadoras do sexo, em especial travestis. Apesar da Operação se estruturar em 1987, num cenário já de liberalização da ditadura empresarial-militar, sobreviventes relatam como utilizava-se dos aparelhos de repressão do regime anterior para executar essa política de caça às bruxas. Usava-se, disseminando desinformação e preconceito, do pretexto de conter a epidemia de Aids para exterminá-las. Lembrando que o Brasil assume a liderança mundial no que diz respeito ao assassinato de pessoas trans e travestis, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais.

O ódio à pornochanchada também se estruturou como parte da cultura brasileira a ser renegada fortemente após o golpe de 64, repetindo e aprofundando as formas de perseguição já experienciadas na Era Vargas. Ambas as ditaduras militarizadas (Vargas e a de 64) serviram para propagandear narrativas misóginas e moralistas sobre pornografia na arte e como expressão de nossos corpos. Mas essa perseguição pública às prostitutas nunca significou de fato acabar com a prostituição, é óbvio, apenas escondê-la dos ambientes familiares e profissionais, enquanto essa atividade continou a oferecer um serviço muito acessado por desde trabalhadores autônomos, operários a empresários, políticos, militares e demais “homens do poder”.

A condição de trabalho dessas proletárias em sociedade hoje é fruto de um amplo processo de marginalização, pensado politicamente para apartá-las dos locais públicos onde a moralidade deveria se manter nas aparências.

A criação de zonas de “meretrícios” como a que era conhecida em Bom Retiro em São Paulo, organizada à força, demonstram a necessidade histórica das elites no capitalismo em resguardar a ordem sob uma perspectiva de “bem comum” misógina, racista e classista. As tais zonas de meretrícios ainda existem, com mais invisibilidade em todo o território nacional, e parecem distantes de se desconcentrar. Mas, a de Bom Retiro que se estabelece entre 1940 e 1953, foi a única que se organizou declaradamente por meio de um decreto público do estado de São Paulo.

Ademar de Barros, interventor do Estado de São Paulo até 1941, nomeado por Getúlio Vargas à época do Estado Novo defendia que:

Essa medida [criação de zonas separadas de prostituição] trará inúmeros benefícios: não só para facilitar o policiamento, como também, por oferecer um interessante campo para estudos sociais, defendendo, ao mesmo tempo, a ordem e a moralidade públicas.

Uma matéria da BBC com o título “Como prostitutas foram confinadas à força no bairro do Bom Retiro em São Paulo”, feita por Thaís Carrança em 2023, expõe o caso aqui citado [zona do Bom Retiro] com um resgate de dados.

No caso da zona de meretrício do Bom Retiro, apesar da “esperança” do interventor Ademar de Barros de que o Centro de São Paulo seria protegido de conviver com atividades de depravação, era nítido que ao segregar casas de prostituição em uma zona limitada, pequena e apartada, o resultado concreto seria de expansão descontrolada dessa zona. E assim houve, pelo superlotamento de trabalhadoras e clientes na zona insuficiente demarcada no Bom Retiro, uma inserção desorganizada em novas zonas, como perfeitamente colocado por Thaís Carrança (2023).

Dados extraídos de um estudo de saúde sobre a sífilis na região de São Paulo, mapeiam nessa zona de meretrício [Bom Retiro] mais de mil prostitutas que se dividiam entre aproximadamente 150 casas de prostituição/”puteiros”.

Olhando para o futuro que se constrói ao final do século XX, em meio a um processo de revolução tecnológica e com o avanço do programa de ação neoliberal, vê-se que continuou sendo escancarada a tentativa de sobrevivência dessas trabalhadoras precarizadas perante a estrutura burguesa de extermínio. Além de que, a prostituição de rua nunca tornou-se obsoleta.

Mesmo as que digitalizam suas atividades pornográficas e sexuais atendem, ainda, à dinâmica de não reconhecimento e obscurecimento brutal dos termos de trabalho, com mais facilidade de mapeamento inteligente de seus dados por parte das empresas. Ademais, existe maior terreno para o convencimento do indivíduo como empreendedor em abstrato e não como trabalhador informal, pois as plataformas fazem questão de incutir esse discurso repetidamente como pré-requisito para exercer a atividade.

No entanto, deve-se dizer que aquelas que atendem presencialmente, não agenciadas ou sem local fixo, são linha de frente no movimento de expurgo à categoria. Isso pois, enfrentam maiores riscos de violência física e LGBTfobia, chegando aos feminicídios, já que existem dificuldades materiais mais latentes com relação ao auto providenciamento da segurança pessoal.

De qualquer maneira, o afastamento dos centros de trabalho de prostitutas urbanas em avenidas, becos, vielas, pistas, estradas e em espaços delimitados dentro de áreas comerciais e administrativas, ainda se mantém de forma perceptível. Essa continua a representar uma discussão central no debate sobre o trabalho das prostitutas e a precarização envolta. As zonas segregadas, seja por vias de isolar antros de drogas (como na Cracolândia) ou sexo, são pilares conservados no Brasil da atualidade.

Em Brasília, Distrito Federal, é sabido por todos a existência da concentração de atividades sexuais em avenidas na região do Plano Piloto, como a W3 Norte durante a noite, uma região central da capital porém de maior periculosidade e relativamente apartada, com pouca iluminação, e um espaço disputado pelo tráfico. Há relatos de que políticos e membros da elite frequentam esses espaços, mas preferem ser atendidos com discrição visando trabalhadoras agenciadas, onde esta si própria reserve um espaço privado ou atenda em sua casa, pois para alguns frequentar zonas e casas de prostituição seria motivo de autoenvergonhamento e afronte a princípios morais. Esses (supostamente) frequentam os locais de prostituição, acessam seus “serviços”, mas os repudiam publicamente em prol das aparências.

Tendo em vista o debate feito sobre a categoria e algumas experiências históricas, notamos melhor que há poucas proposições sobre a questão das prostitutas nos espaços de militância comunista, tal qual sobre outras categorias de trabalho informal (são ainda mais isoladas as tipicamente femininas) como expressão dessa falta de debate coletivo comprometido. Atualmente a percepção de nossa inserção é enviesada pela análise despolitizada de que faltam condições objetivas e subjetivas para conquistar avanços.

Algumas de nós que debatemos essas questões somos taxadas como “liberais” por defender uma proposta de dignidade urgente às putas brasileiras. Segue um exemplo: apesar de pautarmos a superação do capitalismo e de indústrias que funcionam com base na exploração, precisamos cobrar hoje o reconhecimento dos direitos trabalhistas do conjunto de trabalhadoras do sexo, que mantêm atividades obscuras sem nenhuma proteção trabalhista. A defesa dessa reivindicação de trabalho é especialmente relevante para dispor melhores condições de vida e luta organizada, como deve ser a todo o conjunto de trabalhadores.

Defendo ainda além, que trabalhemos pela superação da mentalidade de que atividades/posturas/propagandas em si pornográficas devem ser coibidas. E, mesmo sabendo que “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes”, como afirmam Marx e Engels (2007), busco travar essa disputa ideológica. Isso pois, não há nada de maléfico na pornografia isoladamente em sua essência como dizem os redpills, e é óbvio que ela não se estabeleceu com o capitalismo.

Pergunto-me porque algumas pessoas de esquerda ou progressistas não se espantam ao ver jovens garotos em trabalhos escravos naturalizados, mas evocam a Senadora Damares pra defender que o trabalho sexual envolvendo mulheres é extremamente violento e desrespeitoso por essência. Não sofre uma opressão violenta, pautada por gênero e raça, o entregador negro que faz corridas por 12 horas diárias durante 6 dias na semana, que não consegue ajudar a própria família a se alimentar com o que ganha, que sofre racismo e vigilância cotidiana, que prejudica sua saúde física e mental para correr o risco de morrer na contramão atrapalhando o trafego?

É um aprendizado observar o moralismo que envolve a prostituição, a mulher e o sexo, porque ele também nos ensina sobre outras coisas: uma delas é o racismo.

Se percebe que a sobrevivência material é o elemento predominante que leva mulheres e pessoas LGBTQIA+ a assumirem atividades produtivas lidas como marginalizadas na sociedade, como é o caso do trabalho sexual mais profissionalizado do que o doméstico. Mas nem todas as mulheres que embarcam na prostituição e trabalho pornográfico são motivadas por questões básicas de sobrevivência material pura e simplesmente. É preciso sair do preto no branco, ser dialético, e entender o papel da expressão pornográfica na formação do Homem.

Trabalhadoras que atuam em camming, venda de conteúdos pornográficos, atividade sexual presencialmente agendada e em outros nichos mais novos, não só devem ser acolhidas e formadas enquanto comunistas, como deve haver um reconhecimento da contribuição militante que já existe nas categorias de trabalhadoras sexuais. É válido citar alguns espaços de representação:

As trabalhadoras do ramo do sexo, as putas, prostitutas, seja qual for o nome mais politicamente correto a se utilizar, têm sido abandonadas pelo Estado e por nós enquanto organizações de esquerda que possuímos insuficiencia para apresentar proposições adequadas. Não há espaço desocupado, e a propaganda neoliberal continua agindo para manipular essas trabalhadoras a partir de um viés ideológico de empoderamento vazio. Enquanto isso, o ramo informal do sexo tem se sofisticado ao ponto de gerar novas agências digitais de serviços de acompanhamento facilmente contatáveis, publicizadas nos podcasts de maior audiência e visibilidade do país, em condições de trabalho menos conhecidas.

Alguns intelectuais brasileiros da sociologia do trabalho se colocam a reconhecer o reforço ao papel da divisão sexual do trabalho como regra do capitalismo em tempos de intermitência no século XXI, argumentando ser a lógica segregadora altamente atuante sobre a aglomeração das categorias. Ludmila Abílio, Ricardo Festi e Carol Bonomi são alguns intelectuais e acadêmicos mais jovens que têm atualizado o debate, entendendo as ofensivas à altura de nossos tempos. Sendo que Abílio e Bonomi abordam mais especificamente questões de gênero no debate de categorias informais: como nos estudos acerca das revendedoras de cosméticos, domésticas e prostitutas, não se prendendo a um entendimento limitado apenas do digital.

Há muito o que avançar, aprendendo com a diversidade no contexto de estruturação das categorias enquanto dispersas, adicionando o caráter local dessas atividades produtivas. Ouvir as experiências de trabalhadoras do ramo do sexo pode melhor ajudar a entender suas dinâmicas, e aqui foram citados uma série de coletivos e associações. Enquanto não houver um estudo e sondagem de iniciativas potentes já atuantes, não poderemos debater a inserção real dessas trabalhadoras nas fileiras comunistas, e nem mesmo a nossa inserção enquanto observadores ou apoiadores desses grupos. Repito, há muito o que se aprender.

E, nessas tarefas deve haver um cuidado redobrado pela segurança e saúde das trabalhadoras. Não esperar que sejam comunistas sem formação, pois ninguém é, mas priorizar a inserção dessas para que possam ser. Além de que sempre houve camaradas já organizadas no PCB e em outras organizações revolucionárias, trabalhadoras no ramo do sexo e da pornografia, que poderiam ser escutadas e contribuir, camaradas que também precisam ser resguardadas enquanto militantes já atuantes.

As fragilidades do PCB com relação às categorias informais

O ritmo dos trabalhos de militância tanto no PCB quanto na Unidade Classista (UC) demonstram uma profunda dificuldade de adequar suas formas de luta e de inserção perante as novas ofensivas do capital no século XXI, não tendo como um norteador central, na prática, a ideia de que a nossa classe tem sido submetida a um intenso processo de precarização e informalização, em massa.

Primeiro, aponto que as práticas adotadas nos próprios recrutamentos não contribuem para a proletarização do nosso campo. Segundo, a dinâmica em células e núcleos também não se organiza para atender a essa realidade. No PCB, é sintomático que haja trabalhadores precarizados que se queixem de um abandono por parte das direções estaduais às pautas específicas de trabalhos tipicamente periféricos, negros ou femininos, como é o caso dos entregadores de aplicativos e das prostitutas, ambas categorias estigmatizadas na esquerda em geral.

Ainda, pois há outro elemento fundamental aqui, o federalismo que faz com que haja maiores entraves na inserção dessas categorias. Já que as instâncias intermediárias são incapazes de formular uma política consequente para o proletariado informal, por serem na realidade somente um aglutinador das formulações dos núcleos e células, e não um agente ativo de formulação política capaz de planejar e desenvolver novos trabalhos.

No documento “XVI CONGRESSO NACIONAL DO PCB RESOLUÇÃO 2. Programa de Lutas para Implementação da Estratégia Socialista no Brasil” são sintetizados pontos que considero acertados para nossa estratégia, dentre eles a ideia de que:

  1. As tarefas estratégicas voltadas ao conjunto do proletariado não podem se estabilizar nos limites de uma sociedade capitalista
  2. Deve-se organizar uma luta anticapitalista, que combata o processo de precarização em geral, pautando a fase do capitalismo em que vivemos
  3. Organizar a luta contra a extensão da jornada de trabalho, em oposição ao trabalho intermitente, contra a uberização, a pejotização, a terceirização e o empreendedorismo como propaganda ideológica; pelo aumento salarial, pela revogação da reforma trabalhista e previdenciária e contra uma legislação atrasada que serve de base para fazer avançar os processos de terceirização
  4. Promover e reivindicar o emprego de carteira assinada, com direitos trabalhistas resguardados
  5. Elevar nossos padrões de luta sindical, ampliando o estímulo à sindicalização de trabalhadores inclusive desempregados, garantindo-os isenção de taxas e tarifas

Vejamos, camaradas, esses pontos deliberados nas resoluções do XVI Congresso do PCB chamam atenção e enfatizam a necessidade de combate ao movimento de precarização do trabalho em nossa geração, incluindo a organização da luta para barrar esses avanços em suas formas autoritárias. Contudo, não temos um rumo prático consensual a seguir ou caminhos de por onde começar uma política ativa de recrutamento de entregadores, por exemplo.

O professor Ricardo Antunes (2014), intelectual e ex-militante do PCB, ao qual reivindico que estudemos melhor, já coloca criticamente uma perspectiva curiosa para refletirmos sobre nossas prioridades:

Como exemplos, poderíamos lembrar a enorme redução do contingente de trabalhadores bancários no Brasil, em função da reestruturação do setor. No Brasil havia um milhão de trabalhadores bancários em 1985 e hoje, em 2006, esse contingente reduziu-se para pouco mais de 400 mil.

É evidente que esse número se modificou e continua a se modificar desde 2006. Mais ainda que camaradas bancários possuem uma condição mais estruturada de consolidação dos trabalhos de militância hoje, tendo quadros imprescindíveis já formados e em espaços de liderança, como é o caso do camarada Ivan Pinheiro, figura histórica do Sindicato dos Bancários do RJ, que utilizou seu sindicato como um espaço para organizar a rebeldia contra a ditadura no Rio de Janeiro.

Apesar das imensas contribuições de vários camaradas valorosos, e da premissa de que estes devem qualificar ainda mais seus trabalhos, não podemos permanecer ultra valorizando algumas categorias enquanto sequer conseguimos inserir outras, outras que hoje são compostas por sujeitos linha de frente de um modus operandi de escravidão como um privilégio, trabalhadores que servem ao propósito internacional de expansão no controle do capital mesmo na periferia do mundo, ou especialmente na periferia do mundo.

Nesse mesmo cenário, um dirigente do Comitê Central [Antonio Carlos Mazzeo] do PCB condena publicamente o protesto antirracista da queima da estátua do Borba Gato ocorrido em São Paulo no ano de 2021, que resultou na prisão de uma liderança nacionalmente reconhecida pelo movimento dos entregadores [Paulo Galo]. Em uma postagem pública via Facebook, Mazzeo coloca que “Não se combate a barbárie com barbárie.” Esse foi um dos episódios onde se pôde notar os desvios direitistas entre os membros do Comitê Central em espaços externos ao partido.

Existe como predominante um tom de desistência na disputa pela inserção ativa de trabalhadores informais no movimento comunista, sem priorizar sua urgência e tendendo a reduzir a centralidade de constituição do PCB enquanto operador político no progresso das lutas da classe trabalhadora em seu tempo. Deve-se buscar reconstruir agora o giro operário popular.

E nesse momento a tarefa não poderia ser mais importante para nós. A proletarização de nossos quadros, feita com a devida formação e qualidade, que só poderá se dar pela superação do trabalho político artesanal, na construção de uma política sólida de finanças e no planejamento da inserção em cada uma das categorias estratégicas.

Que tenhamos uma reflexão crítica sobre o papel do tempo na disposição militante, sobre planos de recrutamento ativo para acolher devidamente esses camaradas que podem nos dispor um vasto aprendizado, para dizer o mínimo. Que entre nós estudemos os avanços no debate da sociologia do trabalho, que entendamos o papel da segurança militante ao inserir um trabalhador informal monitorado por empresas-aplicativos em nossas fileiras, que tenhamos empenho ao articular como esse trabalho será feito, coletando as experiências de nossos estudiosos camaradas sobre as formas como essas inserções podem ser efetivas e garantindo a mais ampla possibilidade de participação desses trabalhadores.

Que, ao contrário do que ocorreu com as antigas CRs no Distrito Federal, renovemos nossa prática. Os dirigentes, inclusos no Movimento em Defesa da Reconstrução Revolucionária, devem se colocar a implementar atividades, debater, ouvir camaradas trabalhadores informais e dispor toda sua atenção nos trabalhos pelo giro operário popular, mapeando os acúmulos já existentes, até mesmo de outros partidos, coletivos e movimentos, construindo pontes com nossos aliados de classe, e não queimando-as.

CONCLUSÃO

Esse texto busca se colocar como uma pequena labareda para incendiar o debate com relação às lutas de trabalhadores informais. As tribunas são um desafio para que exerçamos a crítica e a autocrítica, nos distanciando da vulgarização destas, tendo como objetivo o avanço dos nossos trabalhos políticos.

Tenho noção de que o debate levantado por essa tribuna tem uma série de limitações para entendermos, em sua totalidade, o papel estratégico que o exército de precarizados tem na luta pelo socialismo do século XXI. Que tenhamos mais tribunas que apontem essa realidade de urgência e dialoguem com uma perspectiva mais ousada, auxiliando na formulação do partido com relação a essas categorias. Há vários camaradas que possuem acúmulo e atuação prática para debater o tema.

Se nós, militantes comunistas, fazemos oposição às políticas neoliberais adotadas pelo Governo Lula, também é o nosso papel cobrar as promessas de campanha que prometiam a articulação da regulamentação de categoriais informais. Promessa feita por Lula em campanha presidencial e publicamente desfeita pelo Ministro do Trabalho Luiz Marinho (PT) após a vitória eleitoral.

Nesse momento, o governo se coloca ao lado das empresas, em meio a uma efervescência de debates sobre a contratação de informais da Uber. Acompanhemos as futuras mobilizações do Breque dos Apps, já propostas pela Bancada dos Trabalhadores do GT de Aliança de Entregadores de Aplicativo para os meses de setembro e outubro, em prol da regulamentação das categorias.

Aos camaradas do PCB assim como camaradas de outras organizações, incito que defendamos uma revolução socialista no Brasil que reconheça os princípios de diversidade da nossa classe, usando do partido leninista como ferramenta útil para organizar a insurreição das massas. A Revolução Brasileira será feminina, LGBTQIA+, jovem, negra, de periferia ou não será.


REFERÊNCIAS:

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ABÍLIO, L. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Blog da Boitempo. Site Passa Palavra. 2017.

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ANTUNES, R. Desenhando a nova morfologia do trabalho. Estudos Avançados, [S. l.], v. 28, n. 81. Revistas USP. 2014. Disponível em: PDF do artigo

ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018

BROWN, W. Cidadania Sacrificial - Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade - Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018

CARRANÇA, T. “Como prostitutas foram confinadas à força no bairro do Bom Retiro em São Paulo”  BBC News Brasil em São Paulo, 2023. Disponível em: matéria no site

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