A Nova Direita, o Progressismo e as Lições de Gramsci

Nenhum dos atores do "progressismo" tentou reverter as relações sociais de produção, questionar a propriedade privada ou trabalhar sinceramente na desconcentração das grandes fortunas. Pelo contrário, promoveram uma política que protegia privilégios enquanto denunciavam retoricamente.

A Nova Direita, o Progressismo e as Lições de Gramsci

27 de maio de 2024

Por Tribuna Popular (PCV)

Carlos Dürich - Atualmente, e talvez inexoravelmente, parece haver um retrocesso das aspirações democráticas e uma mudança do imaginário político para a direita no mapa político mundial. Particularmente em nosso continente, testemunhamos a ascensão de figuras políticas tão hostis quanto Nayib Bukele, Jair Bolsonaro ou Javier Milei, todos impulsionados por campanhas com uma inegável agenda antipopular. Além disso, há a proliferação de grandes movimentos evangélicos de óbvias inclinações conservadoras e reacionárias na maioria dos países latino-americanos. Ambos os fenômenos têm uma conexão ideológica clara.

De acordo com a Pesquisa Mundial de Valores, um estudo elaborado em 77 países em 2022, um pouco menos de 47% da população das nações estudadas considerava a democracia um elemento importante em suas vidas; uma diminuição em relação aos 52,4% medidos em 2017. Seguindo a mesma linha, o último relatório preparado pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (abril de 2023) aponta que apenas em 30 países dos 173 pesquisados há estabilidade estatística em termos de participação no exercício político ou na mobilização da sociedade civil. Nos demais, há uma diminuição nesses índices; causada, em alguns casos, pela repressão formal dos Estados, mas também pela falta de confiança na figura do "contrato social" inerente à democracia.

A "nova direita", em tempos de algoritmos e big data - como alguns pensadores explicam - é uma identidade política decorrente da falta de legitimidade do Estado burguês e da democracia liberal, o que a torna um pouco diferente da direita tradicional.

Essa direita conseguiu ancorar-se em tentativas e inspirações populares, tornando-se o que a socióloga Eva Illouz chama de "direita populista emotiva"; uma direita que não hesita em reduzir os impostos sobre os ricos, diminuir o setor público e aumentar a desigualdade, ao mesmo tempo em que aposta em erodir todo o tecido social, promovendo o indivíduo como único referente político e confrontando o imaginário coletivo-social.

Sua origem está no que a cientista política Wendy Brown chamou de "raciocínio político neoliberal", no qual o "sujeito político soberano" cedeu lugar a um sujeito simplesmente convertido em "capital humano", cujo valor não é construído com todos, mas contra todos; a partir da competição, e onde o Estado e o governo - figuras que outrora representavam as aspirações sociais por mudança - foram transformados em figuras de "governança neoliberal"; sem poder, vontade ou soberania.

O esgotamento do progressismo

Essa "nova direita" é também o fruto da crise do imaginário político da esquerda diante do "capitalismo tardio". No caso argentino, Milei se posicionou como uma resposta ao esgotamento do kirchnerismo; Bukele em El Salvador impôs-se diante da crise interna da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional e Bolsonaro diante do envelhecimento e burocratização do Partido dos Trabalhadores (PT) brasileiro.

Cada uma dessas experiências políticas havia sido enunciada a partir do chamado "progressismo" como parte de uma identidade política diversa e ampla; formalmente antineoliberal, mas não anticapitalista; promotor da proteção do capital, da propriedade privada e do exercício do livre mercado.

O "progressismo" surgiu como resposta à crise orgânica vivida no sul do continente americano no final do século XX; uma crise na qual - lembrando Antonio Gramsci - as classes dominantes perderam o consenso político e só puderam ser estabilizadas por meio da pura força coercitiva; fazendo com que as massas se afastassem da ideologia que promovia o neoliberalismo e o enriquecimento das elites, dando lugar a novas formas de imaginação política. Vivemos o que Nino chamou de crise do bloco histórico e hegemônico.

O "progressismo" tentou gerar - a partir da construção de um consenso policlassista e nacionalista - um novo bloco histórico com aspirações hegemônicas, mas esqueceu um princípio fundamental mencionado por Gramsci no 13º tomo dos Cadernos do Cárcere: "se a hegemonia é ético-política, ela não pode deixar de ser também econômica, ela não pode deixar de ter sua base na função decisiva que o grupo dominante exerce no núcleo decisivo da atividade econômica".

Revolução como horizonte

Nenhum dos atores do "progressismo" tentou reverter as relações sociais de produção, questionar a propriedade privada ou trabalhar de fato na desconcentração das grandes fortunas. Pelo contrário, promoveram uma política que protegia os privilégios enquanto os denunciavam retoricamente. Fundamentalmente, o "progressismo" nunca superou a crise na qual se originou e deu-lhe iniciativa no cenário político.

Voltando a Gramsci, podemos citar a famosa frase do parágrafo 34 do 3º tomo dos Cadernos do Cárcere "A crise consiste precisamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: nesse interregno acontecem os fenômenos mais variados e mórbidos". O problema fundamental do progressismo é que ele nunca foi suficientemente revolucionário; apenas preparou o mapa político para o surgimento desta "nova direita", mais perigosa e complexa que a anterior. Isso também se aplica a uma certa "esquerda neoliberal" que também se posicionou em alguns cenários de maneira mórbida. Ambos os extremos são simplesmente variantes da não existência de uma política autenticamente revolucionária; ambos são um beco sem saída.

Então, o que fazer? O desencanto que vivemos hoje em torno da política é na realidade um esgotamento da democracia liberal burguesa; mortalmente ferida pelo processo predatório do próprio capital. A resposta em tal caso não é desistir de falar sobre política ou das ambições de mudança social e econômica (como fizeram os "progressistas"), mas reforçar as ideias coletivas da luta de classes e suas utopias concretas.